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Protagonismo negro em filmes de terror marca a nova era do gênero

Com o tempo, os personagens negros evoluíram de figuras estereotipadas, que morrem primeiro, para aqueles com narrativas mais complexas, que levam a vivência da negritude para o cinema; veja lista

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Reprodução/YouTube

Cena do filme de terror "Nós" (Us), de Jordan Peele

22 de outubro de 2021

No cinema internacional, os atores negros sempre foram figuras presentes nos filmes de terror, principalmente como coadjuvantes, em papéis problemáticos, como descreve a escritora Robin R. Means Coleman no seu livro ‘Horror Noire: Blacks in American Horror Films from the 1890s to Present’ (Terror noir: negros nos filmes de terror americanos de 1890 até o presente, em tradução livre).

Vítimas de violências terríveis ou até mesmo com personagens ridicularizados, sendo os primeiros a morrer ou se sacrificar para salvar o personagem branco, os negros eram colocados em segundo plano no gênero terror, fato que mudou nos últimos tempos. No período entre os anos 1960 e 1970, filmes de terror começaram a tratar negros como personagens robustos, com histórias e narrativas mais complexas, centradas na cultura e experiência negra.

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O filme de terror experimental de Bill Gunn, em 1973, Ganja & Hess, segundo Robin, veio para o cinema como uma provocação a respeito de raça, classe, doença mental e vício, fato que fez a obra conquistar os críticos do Festival de Cannes. No entanto, nenhum estúdio de Hollywood quis distribuir o filme.

Mudando o clichê

O filme de terror que marca a mudança no clichê de que personagens negros são os primeiros a morrer é o longa ‘A Noite dos Mortos Vivos’, de George Romero (1968). O ator Duane Jones interpreta Ben, um personagem que lidera um grupo de brancos durante um apocalipse zumbi.

Por mais que nas décadas de 1980, 1990 e 2000 os papéis pensados para os negros nos filmes de terror tenham novamente voltado para antigos estereótipos, diretores como Jordan Peele, Ernest Dickerson, Rusty Cundieff, Meosha Bean, Nikyatu Jusu e Deon Taylor têm apostado em personagens negros com narrativas que valorizam tanto os atores quanto a trama.

“O gênero de terror está amadurecendo e se tornando mais imaginativo e inclusivo — em quem pode ser herói e anti-herói e quem pode ser monstro e salvador. A emergência de filmes de horror negro é só um capítulo em uma história que também inclui mulheres ganhando papéis de destaque”, afirma a escritora Robin R. Means Coleman.

Filmes negros de terror ou filmes de terror com negros?

Ainda no livro assinado por Robin R. Means Coleman, a autora traz a discussão de que nem sempre um filme de terror com personagens negros aborda a herança cultural e a realidade da população negra. Ela exemplifica essas divergências ao dividir as produções como ‘filmes de terror com negros’ e ‘filmes negros de terror’. Na análise, Coleman exclui longas que possuam apenas personagens negros inseridos no contexto, já que eles não elaboram uma percepção significativa a respeito da relação entre negritude e o gênero do terror.

Para a escritora, os filmes de terror com negros lidam diretamente com a população negra e a negritude em um contexto de terror. Segundo ela, essas obras são lançadas por grandes estúdios e são produzidas por pessoas não negras para o público geral. “Eles perturbam as noções do espectador em relação à uma vida racional, mundana e segura. Afinal, não há nada mais apavorante do que a ameaça à sensação de segurança”, diz Coleman,

Algumas produções se utilizam de monstros fictícios para simular a questão da negritude e das diferenças raciais, e o conceito de bem e mal muitas vezes é centrado na questão racial nestes filmes. No livro ‘Horror Noire’, Coleman dá alguns exemplos de filmes de terror com negros, como ‘King Kong’ (1933), ‘A noite dos mortos-vivos’ (1968), ‘A maldição dos mortos-vivos’ (1988) e ‘O mistério de Candyman’ (1992).

Já os filmes negros de terror, segundo a escritora, possuem um foco narrativo adicional que chama a atenção para a questão da identidade racial. “Elas abordam a negritude de uma forma multidisciplinar, envolvendo cultura negra, história, ideologias, experiências, políticas, linguagem, humor, estética, estilo e música, por exemplo”, diz Coleman.

“Isso significa que eles têm um compromisso maior com a autenticidade da negritude, deixando de lado os estereótipos rasos e abordando o que é ser negro de uma forma mais abrangente, em um contexto de terror”, completa. ‘Def by Temptation’ (1990), ‘Um Vampiro no Brooklyn’ (1995), ‘Corra’ (2017) e ‘Nós’ (2019) são exemplos de filmes negros de terror, de acordo com Coleman.

Veja quatro obras de terror recentes protagonizadas por negros

Corra, de Jordan Peele | Créditos: DivulgaçãoCorra, de Jordan Peele | Créditos: Divulgação

– Corra, de Jordan Peele (2017)

Originalmente chamado de ‘Get Out’, a obra une suspense e terror psicológico e foi o primeiro longa-metragem dirigido pelo norte-americano Jordan Peele. Com Daniel Kaluuya e Allison Williams no elenco principal, o filme fala sobre um jovem negro, apaixonado, que viaja a fim de conhecer a família branca da namorada. Além de abordar relacionamentos interraciais, a trama também mostra a diferença da abordagem policial para negros e brancos e exemplifica de maneira brutal o racismo, quando as habilidades físicas e intelectuais dos negros são “leiloadas” entre um grupo elitista de brancos.

Nós, de Jordan Peele | Créditos: DivulgaçãoNós, de Jordan Peele | Créditos: Divulgação

– Nós, de Jordan Peele (2019)

Com Lupita Nyong’o como protagonista da obra, ‘Nós’ (Us) abusa das críticas sociais, misturadas com terror psicológico e momentos de reflexão. Uma família afro-americana viaja para a antiga casa de praia de seus avós em Santa Cruz, na Califórnia, para um final de semana entre amigos. A diversão, então, é interrompida quando, durante a noite, eles são atacados por um grupo de clones, carregando tesouras douradas e vestindo trajes vermelhos. Os clones, que vivem no subsolo, mostram a nítida diferença social dos que vivem “em cima” para os menos favorecidos, que estão “embaixo”.

O Que Ficou Para Trás, de Remi Weeks | Créditos: DivulgaçãoO Que Ficou Para Trás, de Remi Weeks | Créditos: Divulgação

– O Que Ficou Para Trás, de Remi Weeks (2020)

O Que Ficou Para Trás faz parte dos filmes produzidos pela Netflix e integra a nova era do terror. Abordando problemas sociais que afetam a população negra, como a crise migratória na Europa, o longa utiliza ficção para falar sobre o terror real vivido pelos refugiados. Na trama, um casal oriundo do Sudão migra para a Inglaterra, em uma viagem de barco terrível. Chegando ao destino, não podem trabalhar nem deixar sua casa pelo período de tempo em que serão avaliados. A situação se torna difícil quando ambos começam a presenciar estranhos fenômenos na casa que ameaçam suas vidas.

A Lenda de Candyman, de Nia da Costa | Créditos: DivulgaçãoA Lenda de Candyman, de Nia da Costa | Créditos: Divulgação

A Lenda de Candyman, de Nia da Costa (2021)

No longa, a lenda de um espírito assassino conhecido como ‘Candyman, interpretado por Tony Todd, que assolou a população de Chicago anos atrás, aterrorizando os moradores do complexo habitacional de Cabini Green. Agora, o local foi renovado e é lar de cidadãos de alta classe, mas a antiga lenda urbana retorna para aterrorizar os moradores. A diretora Nia da Costa constrói uma obra moderna de horror, socialmente consciente e repleta de mensagens que se encaixam bem atualmente. Partindo de uma história que tornou-se emblemática pelo tratamento de questões de raça, classe e gênero, a obra é considerada pela crítica como um manifesto antirracista.

Leia também: ‘Demonização da cultura indígena é apontada em filme de terror nacional’

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