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Viche, a bebida mítica de ritos de vida e de morte na Colômbia

Símbolo da identidade do pacífico colombiano, a bebida chegou a ser proibida na época da escravização e hoje é patrimônio cultural coletivo do país
Nidia Gongora, cantora e proprietária do restaurante Viche Positivo.

Foto: Heitor Salatiel

8 de setembro de 2024

Por: Guilherme Soares Dias

Um shot de viche todos os dias pela manhã. Essa é a tradição de muitas pessoas na Colômbia que acreditam no poder dessa bebida, feita artesanalmente, de cana-de-açúcar destilada (como a cachaça), de curar e manter o corpo forte, aquecido e conectado com suas raízes ancestrais. Símbolo da identidade do pacífico colombiano, a bebida chegou a ser proibida na época da escravização e hoje é patrimônio cultural coletivo do país.

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Como o povo negro sempre usou artifícios para manter sua cultura viva, quando o viche foi proibido, a bebida era enterrada para driblar a vigília dos colonizadores, fazendo surgir a versão curada.

Ao longo de séculos, a bebida é usada nos ritos de nascimento, oferecida pelas parteiras para acalmar as mães e também para comemorar o nascimento dos bebês. Representa também uma cura espiritual e física para diferentes problemas de saúde ao longo da vida. 

Para além do viche puro, que costuma ter 35% de volume de álcool, há sabores distintos incorporados a bebida, cada um com uma funcionalidade: o com noz moscada, chamado de pipilongo, é considerado afrodisíaco, enquanto o tomaseco é tomado pelas mulheres para cuidar da região do ventre. 

O sabor cítrico e defumado do viche vem da cana-de-açúcar cultivada perto do mar ou de um rio, ao lado de outras culturas nativas da região, e cortada antes da sua maturação. A bebida é produzida, em geral, por mulheres em pequenas destilarias a partir da fermentação e destilação do suco da cana-de-açúcar.  As preparações podem variar, uma vez que são feitas em várias comunidades negras das regiões de Nariño, Cauca, Valle del Cauca y el Chocó e também por algumas comunidades indígenas.

As comemorações e festas também são motivos para ingerir o viche, que é a bebida mais consumida nas festas patronales (celebrações ligadas aos santos católicos, equivalente as nossas festas juninas) e no Festival Petronio Álvarez, que ocorre nos meses de agosto em Cali, e celebra a cultura do Pacífico. O viche é a única bebida alcoólica permitida no evento organizado pela prefeitura e que reúne cerca de 500 mil pessoas em cinco dias.

O consumo do viche, que acompanha os colombianos durante toda a vida, também faz parte dos ritos de morte, uma vez que é ingerido nos velórios. Uma bebida mítica fundamental nas passagens e movimentos das comunidades do Pacífico.

Garrafas com a bebida Viche.
Foto: Heitor Salatiel

Produção do Viche

Timbiqui, cidade as margens do Pacífico, é um dos lugares de produção de Viche na Colômbia e de músicas tradicionais chamadas de folclóricas. Entre os grupos da região está o Herencias de Timbiqui. Outra cantora da cidade Oliva Bonilla, conhecida como La negra Oliva, que além de cantar acompanhada de tocadores de marimba (o piano da selva), produzia seu próprio viche, sendo chamada de vichera, como as outras mulheres que preparam a bebida.

A tradição é herdada por gerações. Nesse caso é Nidia Gongora, filha de Oliva, quem reproduz os conhecimentos da mãe que faleceu em fevereiro deste ano. Ela se apresentou como cantora no Festival Petronio de 2024 e também está à frente do Viche Positivo, um restaurante em Cali nos arredores do mercado público La Alameda, em que é possível se deliciar com as comidas e com o viche, além de levar garrafas para casa. “Todo saber era um temor de ameaça”, conta ela, sobre o fato de a bebida ter sido proibida.

Viche significa verde ou cru na língua banto, mas com o perdão do trocadilho, podemos dizer que, depois de séculos, há um amadurecimento na seu consumo e comercialização, sendo encontrado também na capital Bogotá, após ser considerado patrimônio coletivo. A expectativa é que as tradições sejam mantidas e que todos possam se curar e celebrar com a bebida ancestral do pacífico colombiano. Salud!

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