Por: Nataly Simões e Pedro Borges
A lendária dupla 509-E anunciou o retorno aos palcos após 16 anos. Dexter e Afro-X planejam uma turnê chamada “Vivos” para comemorar os 20 anos do nascimento da dupla, que surgiu em 1999, época em que os integrantes estavam presos na antiga Casa de Detenção de São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru.
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Em entrevista à Alma Preta, Dexter conta que a expectativa para os shows é enorme e que está empolgado em ver que o público acredita no talento da dupla.
“A felicidade também é gigantesca porque as pessoas estão depositando confiança na gente. Essa é a essência do hip hop, poder levar para todos o que sabemos fazer que é trocar ideia com as pessoas através da música”, afirma.
Afro-X acrescenta como é gratificante para os dois descobrir que o 509-E conquistou os ouvidos de outras gerações.
“No dia da coletiva [que a dupla realizou para anunciar a turnê], um menino de 15 anos, morador de Heliópolis, fez um depoimento muito emocionante para nós. Estamos vivendo um momento muito positivo”, recorda.
A primeira apresentação da turnê está marcada para ocorrer em 24 de agosto, em São Paulo. Os shows serão marcados por músicas que trazem reflexões sobre o cotidiano dos presídios e as mazelas sociais, como Oitavo Anjo e Saudades Mil, lançadas entre 2000 e 2004.
“Nós estamos trabalhando para que as pessoas que estarão com a gente sintam que valeu a pena. Vamos falar da vida, levar diversão por meio da música e, acima de tudo, consciência também”, adianta Dexter.
Uma das novidades dessa turnê que o 509-E traz é a mudança nas letras de algumas músicas, consideradas machistas pelos próprios integrantes.
Dexter defende que todo rapper deve fazer uma autoanálise sobre as atitudes que inferiorizam as mulheres.
“Existem alguns trechos das nossas músicas que nós cantamos antes porque não tínhamos a consciência de hoje, mas estamos aprendendo com a força do empoderamento feminino”, explica.
Ele pondera que também é uma forma de chamar atenção de outros homens. “É uma desconstrução que leva tempo, mas graças a Deus temos o hip hop que nos ajuda a fazer isso com mais rapidez”.
Distanciamento e reconciliação
Dexter e Afro-X se conheceram na década de 1980, quando dividiam os mesmos espaços na periferia de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo.
Na década de 1990, os caminhos dos dois voltaram a se cruzar quando foram presos por assaltos à mão armada. Dexter foi condenado a 17 anos de reclusão e Afro-X a 14.
Eles foram encaminhados para cumprir pena no extinto complexo penitenciário do Carandiru, onde se reencontraram e passaram a ocupar a mesma cela, a 509-E, que deu origem ao nome da dupla.
A dupla fez as primeiras gravações com o auxílio de fitas com instrumentais de músicas estrangeiras. Com a ajuda do projeto social Talentos Aprisionados, as canções chegaram à gravadora Atração, que mantinha um selo de rap, e assim a dupla ganhou o público do gênero no país.
Após desavenças entre os dois, o 509-E chegou ao fim e eles ficaram sem se falar por mais de 10 anos. Em 2017, ambos já em liberdade, retomaram a amizade.
“O que nós passamos juntos, na prisão, é algo que vai ficar para o resto das nossas vidas e isso conta mais do que qualquer outra desavença ou divergência que a gente já tenha tido”, comenta Dexter.
Tanto Dexter quanto Afro-X mantiveram carreiras paralelas no cenário do rap e que não devem acabar com os shows marcados do 509-E.
De acordo com Dexter, o retorno da dupla não é permanente, mas ele não descarta a possibilidade de uma parceria definitiva.
“Nossa volta faz jus ao tempo, ao hoje, no caso de 20 anos. E o dia de amanhã a gente não sabe, uma música nova ou um álbum novo quem sabe. Eu não sei. A gente vai deixar acontecer”, afirma.
Sistema carcerário
Em relação ao sistema punitivo brasileiro, que encarcera mais de 812 mil pessoas sendo 337 mil sem condenação, tanto Dexter quanto Afro-X defendem que é uma forma de enriquecer quem detém o poder.
“O encarceramento em massa é uma maneira de engordar as contas das pessoas que estão por trás desse sistema”, avalia Dexter. “É uma indústria. Alguém está ganhando com isso”, complementa Afro-X.
Para Dexter, não existe uma política de ressocialização das pessoas encarceradas. “O indivíduo precisa ter uma força interior e batalha por si só, foi o que aconteceu com a gente”, conta.
Racismo institucional e referências do ativismo negro
A dupla avalia ainda que a comunidade negra e periférica deve fazer frente às medidas adotadas pelo atual governo e que representam mais uma faceta do racismo institucional, como a flexibilização do armamento.
“Quem vai continuar morrendo? Os nossos. Quem vai comprar armas? Não serão os nossos. Eu vejo uma política que em nada reflete positivamente para o povo”, indaga Dexter. “É muito triste saber que os pobres que serão vitimados apoiaram essa corrente ideológica”, lamenta Afro-X.
Assim como toda geração do rap da década de 1990, Dexter e Afro-X também encontraram em figuras políticas negras referências para combater o racismo. Malcom X é lembrado por Afro-X como o líder político que o ensinou o que significa ser um homem negro.
“Muitas vezes, o negro não sabe sua identidade porque não conhece a própria história. Mas com o Malcom e o movimento hip hop, tivemos algumas conquistas”, analisa o rapper.
“Antigamente, você não via pessoas com black power ou tranças. Até existia, mas era dentro da cultura do rap. Hoje se estendeu para todos os estilos e perfis”, finaliza Afro-X.
Serviço
Turnê “Vivos” da 509-E
Quando: 24 de agosto, sábado, a partir das 22h
Onde: Audio Club | Avenida Francisco Matarazzo, 694, Água Branca, São Paulo – SP
Classificação indicativa: 18 anos
Ingressos: Pista – A partir de R$ 40
Para mais informações, acesse o site: https://www.ticket360.com.br/evento/10744/509-e-turne-vivos