Paris – Quando eu era criança, minha família não tinha acesso aos canais fechados, mas a base mais óbvia de entretenimento para nós era a televisão. Quando chegavam as Olimpíadas, a gente parava para assistir. Lembro como a nossa família se reunia para ver as competições. A gente brincava e imitava os atletas. Nós sonhávamos em um dia ver aquilo ao vivo e o esporte que eu mais imaginava ver era a ginástica artística. Achava que aquilo era inalcançável porque é muito caro para nós, principalmente para pessoas negras — e eu sou uma mulher preta.
Na hora que decidimos fazer a cobertura, eu tinha pouca esperança de conseguir assistir ao vivo a ginástica artística. Quando soube que ia mesmo estar lá para ver, tive frio na barriga, fiquei ansiosa. Fiquei muito feliz e, ao mesmo tempo, preocupada para que tudo desse certo, para que eu não perdesse a hora, que nada acontecesse no caminho até a arena. É um senso de realização para mim. Pensei “de fato, estou nas Olimpíadas”.
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Quando cheguei à arena, pensava tudo ao mesmo tempo, sem ordem. Pensava que meus irmãos e meu marido poderiam estar comigo assistindo. Imagina se o meu filho estivesse ali? É um misto de sentimentos, difícil de explicar.
É muito emocionante você sentir na pele e ver aquilo que as atletas estão sentindo, ver os detalhes, ver as estruturas gigantescas, a vibração da torcida. Ao mesmo tempo que senti vontade de vibrar, senti também uma paralisia. Quando vi aquilo tudo, fiquei sem palavras. É surreal, é uma energia fora do comum. Aquele sonho de menina se tornou realidade.
É incrível ver que aquele momento é único, são quatro anos de trabalho e preparo dos atletas que culminam em um instante diante dos seus olhos, mesmo que na derrota. Dá para sentir o peso nos ombros dos atletas apostando tudo ali, naquele momento.
Apesar disso, quando vi a Rebeca Andrade e a Simone Biles, elas pareciam diferentes. Elas estavam ali para competir, mas, além disso, elas estavam ali para dar um show, elas estavam brincando. Deu para sentir que elas estavam ali fazendo o que gostam. O mundo ainda não está preparado para entender o quão significativo é ver mulheres pretas nessa posição de destaque.
E eu me vi nelas, vi as semelhanças com a minha vida. Mentalmente, psicologicamente, eu também tenho que me preparar para situações que não são fáceis, mas tenho que dar o melhor de mim, porque não posso errar. Às vezes, a gente dá um passo e a partir dali qualquer movimento errado pode ser muito danoso, principalmente mulheres e homens negros.
Nessa comparação, também vi semelhanças no fato de que, tanto entre os jornalistas, quanto entre as competidoras na ginástica, ainda há poucas pessoas negras. Nesse sentido, essa cobertura é ainda mais emocionante para mim porque temos dezenas de pessoas da Alma Preta empenhadas nesse trabalho. Eu me emociono só de pensar que isso transformou vidas e trouxe sonhos para as pessoas que trabalham com a gente. Estar aqui é furar uma bolha. Há dois anos, brinquei em uma conversa sobre a possibilidade dessa cobertura. Hoje, conseguimos fazer isso virar realidade.
Para mim, cobrir as Olimpíadas não é simplesmente uma cobertura comum, é vencer uma barreira muito difícil. Porque você vê pessoas que têm muito mais dinheiro que você para fazer uma coisa muito maior. O que estamos fazendo é uma coisa mágica. Recebo mensagens de muitas pessoas dizendo que estão se sentindo representadas. A gente conseguiu estar aqui e trazer junto a nossa equipe que está no Brasil.
Sempre digo que quero mudar o mundo, mas se eu não conseguir isso, posso me esforçar para mudar o mundo ao meu redor, transformando vidas e dando esperança às pessoas no meu entorno conquistarem aquilo que querem.
Já trabalhei como assistente de pessoas que se orgulhavam de estar nas Olimpíadas como voluntárias e deixavam claro para mim que aquilo era algo inalcançável para alguém como eu. Hoje, estou aqui fazendo a cobertura dos Jogos, trabalhando por uma empresa da qual estou à frente. É um gosto diferente de vitória. Eu idealizei estar aqui e consegui. É como ganhar uma medalha.