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Como as Paralimpíadas se tornaram um dos maiores eventos esportivos do mundo

A elaboração de modalidades esportivas adaptadas para sua prática por pessoas com deficiência física e mental foi consequência dos efeitos da Segunda Guerra Mundial
Imagem mostra velocistas nos jogos paralímpicos.

Foto: Ale Cabral/CPB

22 de agosto de 2024

Conflito armado mais duro e mais sangrento da História, tendo causado milhões de mortos e outros milhões de feridos – e que  ocasionou profundas alterações no mapa mundi -, a Segunda Guerra Mundial, por  ironia, está na raiz do surgimento do Movimento Paralímpico. 

A elaboração de modalidades esportivas adaptadas para sua prática por pessoas com deficiência física e mental foi  consequência desse enorme conflito internacional. Milhares de ex-soldados com braços e pernas amputados, paraplégicos, tetraplégicos, total ou parcialmente cegos e surdos voltaram a seus países teoricamente inutilizados para a vida. Pela mentalidade da época, claro. Foi assim que, nos Estados Unidos e na Inglaterra desportistas começaram a adaptar suas modalidades para que pessoas com deficiências físicas pudessem tomar parte de competições, até como uma forma de motivação. Para que não se sentissem inúteis. 

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Os primeiros Jogos do gênero foram em 1948, em  Stoke Mandeville, no Sul da Inglaterra, onde estão o importante Hospital e Centro Nacional de Lesionados Medulares. Atualmente, tal competição é denominada de Jogos Mundiais em Cadeira de Rodas e para Amputados.      

Os Jogos de 1948 foram realizados no mesmo ano das Olimpíadas de Londres. Embora houvesse até alguns outros torneios para deficientes, aquele ficou para a história paralímpica como um marco inicial, tendo reunido 16 atletas, todos veteranos de guerra

Para a realização dos Jogos de Stoke Mandeville, contribuíram a dedicação e o trabalho do médico neurologista Sir Ludwig Guttmann (alemão radicado na Inglaterra), que muito se empenhou pela criação  de Jogos Olímpicos para atletas portadores de deficiência. Um dos idealizadores do Centro Nacional de Lesionados Medulares, criado pelo governo inglês, o especialista utilizava o esporte como um  método de recuperação de seus  pacientes, prática totalmente incomum na época. O sucesso foi  tão grande que, pouco a pouco, profissionais da medicina de vários partes do mundo passaram a utilizar modalidades esportivas na reabilitação de pacientes. 

Em 1952, sempre por iniciativa de Guttmann, foram realizados os Jogos Internacionais de Mandeville, com 130 atletas ingleses e holandeses.  Realizado por oito vezes naquela cidade, o evento serviu de inspiração às  Paralimpíadas, cuja primeira edição ocorreu em 1960, em Roma, mesma sede olímpica  daquele ano.  Foi a realização do maior sonho de Guttmann, que há anos lutava pela difusão do esporte entre os ex-combatentes que se recuperavam de lesões causadas pela guerra e também de  outros portadores de deficiências causadas por diversos fatores.  Nos Jogos Paralímpicos de 2012, em Londres, um dos mascotes oficiais teve  o nome de Mandeville, em homenagem à cidade-berço do movimento paraolímpico, e o outro se chamou Wenlock. 

O evento de 1960, denominado de Olimpíadas dos Portadores de Deficiência, reuniu 400 atletas de 23 países, todos cadeirantes.  São considerados pelo Comitê Paralímpico Internacional (IPC em inglês) – fundado em 1989 – o primeiro grande evento de sua história. Em Tóquio-1964, as Paralimpíadas assistiram à  inclusão da corrida de 60m para homens e mulheres em cadeiras de rodas. Desde 1960, esses Jogos são disputados na mesma cidade e utiliza as mesmas instalações das Olimpíadas, o que só não ocorreu  em quatro ocasiões. Na primeira, em 1968, os Jogos Olímpicos foram disputados na Cidade do México, e os  Paralímpicos,  em Tel Aviv, em Israel, onde houve uma expressiva cobertura da mídia e foram registrados 20 recordes mundiais. 

Em 1972, as  duas competições  tiveram lugar no mesmo país, a Alemanha. Mas em cidades diferentes. As Olimpíadas foram em  Munique, e os Jogos Paralímpicos, em Heidelberg, local da primeira participação brasileira. Numa demonstração do crescente interesse da imprensa especializada  em esportes, na edição canadense, em Montreal, em 1976, ocorreram as primeiras transmissões das Paralimpíadas pela TV,  ao vivo. 

Nos anos de  1980 e de 1984, a Guerra Fria (conflito ideológico, mas sem combate efetivo)  entre os blocos pró-americano e pró-soviético foi a causas determinante dos boicotes a esses Jogos Olímpicos. No de 1980, em Moscou, na então União Soviética, os países do bloco pró-americano não compareceram, e em 1984, em Los Angeles, nos EUA, foi a vez do boicote praticado pelo grupo de países ligados à hoje extinta União Soviética. Em relação aos Jogos Paralímpicos, os de 1980 foram em Arnhem, na Holanda, onde, pela primeira vez atletas paralisados cerebrais tomaram parte nas competições. Já em  1984, houve duas Paralimpíadas, em Nova York  e em  Stoke Mandeville, sendo nesta as provas com cadeirantes.  Ao todo, foram 1,7 mil competidores de 45 países.   

Com 3 mil atletas, Seul-1988 marcou o fim dos boicotes no universo olímpico, com todos os países pró-americanos, pró-soviéticos e não-alinhados tomando parte do megaevento.  Já no universo paralímpico, a cidade sul-coreana  entrou para a  história, graças ao  avanço na tecnologia.   A partir desses Jogos, a cidade escolhida para sediar os Jogos Olímpicos também ganha automaticamente o direito de  organizar os Paralímpicos. 

Quatro anos depois, em Barcelona-1992, a novidade foi a inclusão do tênis em cadeira de rodas em caráter competitivo, e não mais demonstrativo. Lá foram  quebrados 280 recordes mundiais, numa prova da elevação do nível técnico das competições, devido ao treinamento cada vez mais específico. Nos Jogos Paralímpicos de 1996, em Atlanta, nos EUA, iria ocorrer a  primeira participação de atletas deficientes mentais, em caráter competitivo. 

Passados mais quatro anos, em Sydney-2000, o alto nível de organização e a boa estrutura fizeram com que as Paralimpíadas se tornassem um dos maiores eventos esportivos do planeta. A edição dos Jogos de Atenas, em 2004, foi muito importante no que diz respeito à aproximação entre  os Movimentos Olímpico e Paralímpico, já que pela primeira vez as Olimpíadas e as Paralimpíadas tiveram o mesmo  Comitê Organizador.  Foram quatro mil atletas de 143 países em 19 modalidades.   

Em Pequim-2008, o esporte paralímpico  já estava firmado não mais como uma prática amadora, mas  como a atividade profissional de atletas portadores de deficiência de alto  rendimento e elevada competitividade. Essa edição durou  de 6 a 17 de setembro de 2008, com 4 mil atletas de 146 países em 20 modalidades. Ao megaevento, estiveram presentes atletas com paralisia cerebral, amputações, cegueira e cadeirantes.  

Em 2008, foram incluídas no megaevento chinês 20 modalidades, sendo a mais recente delas o remo, que havia passado a ser paraolimpico em 2005.  As demais foram: atletismo, basquete em cadeira de rodas, bocha, ciclismo, esgrima em cadeira de rodas, futebol de cinco, futebol de sete, golbol, levantamento de peso, hipismo, judô, natação, rúgbi em cadeira de rodas, tênis em cadeira de rodas,  tênis de mesa, tiro esportivo, tiro com arco, iatismo e vôlei sentado. As mesmas constaram de Londres-2012. 

Os Jogos da capital britânica reuniram  4.200 atletas de 165  paises, sendo 14 estreantes. Vale registrar o recorde de participação feminina de 1,5 mil atletas. Foram realizados entre os dias 29 de agosto e 9 de setembro de 2012, tendo sido marcados pelo importante retorno dos atletas deficientes mentais, que desde 2000 vinham ficando de fora das disputas. 

Todo esse movimento, porém, começara no fim dos anos 40, nas dependências do Stoke Mandeville Hospital, a partir do sonho de um homem:  Guttmann.  Apaixonado pela reabilitação e elevação da auto-estima de deficientes, ele liderou o Movimento Paralímpico desde 1948 até sua morte, em 1980. Seu pioneirismo e dedicação a essa causa fazem dele o pai do esporte paralímpico, uma versão para o século 20 do que representara,  no fim do século 19, o Barão de Coubertin.

Texto originalmente publicado no livro “Esporte paralímpico: tornar possível o impossível” (2017), de Cláudio Nogueira.

  • Cláudio Nogueira

    Claudio Nogueira, de 59 anos, é jornalista desde 1986, tendo trabalhado no Jornalismo Esportivo desde 1993. Cobriu as Olimpíadas de 2004, 2008, 2012 e 2016, as Paralimpíadas de 2016, a Copa do Mundo de 2014, dois Mundiais de Basquete, cinco edições dos Jogos Pan-Americanos e vários GPs de F-1, F-Indy e Motovelocidade. Autor de diversos livros, como Futebol Brasil Memória, Os Dez Mais do Vasco, Dez Toques sobre Jornalismo e Esporte – Usina de sonhos e de bilhões.

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