As Olimpíadas de Paris 2024 foram históricas para o Brasil, pela força do que podemos chamar de “feminiverso” e do “blackverso”: as atletas mulheres e os atletas negros brilharam com as cores verde e amarelas, tornando-se os maiores destaques da participação do país no maior evento da Humanidade. Basta verificar os números, que, embora possam ser chamados de frios, comprovam o peso que desportistas destes grupos pouco valorizados da sociedade brasileira sempre tiveram no esporte brasileiro, ainda que sem terem sido notados.
Sendo assim, das 20 medalhas conquistadas pelo Time Brasil em Paris, foram três ouros, sete pratas e dez bronzes. Os três ouros foram ganhos por atletas negras e mulheres: Beatriz Souza, no judô; Rebeca Andrade, na ginástica; e Duda/Ana Patrícia, no vôlei de praia. Além disso, o feminiverso mostrou sua força, já que somente mulheres levaram a bandeira do Brasil ao topo do pódio.
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Do total de medalhas, 12 foram do feminino, sete do masculino e uma mista, a do judô por equipes. Em relação à etnia, havia atletas de várias origens nas equipes feminina de futebol, prata; e feminina de vôlei, bronze; e na equipe mista de judô, também bronze. Nesta, brilharam, por exemplo, a própria Beatriz Souza, além de Rafaela Silva, campeã olímpica na Rio-2016 e a quem coube marcar o ponto da vitória no confronto com o time italiano. Ainda no judô, Willian Lima e Larissa Pimenta foram prata e bronze, respectivamente.
Entre os esportes que estrearam em Tóquio, no surfe Tatiana Weston-Webb foi prata, e Gabriel Medina, bronze. Em 2021, também estreante na edição japonesa, Rayssa Leal, a “Fadinha”, que havia sido prata em Tóquio, foi bronze agora, reafirmando seu talento. No mesmo esporte, um jovem de origem japonesa, Augusto Akio, assegurou o terceiro lugar na modalidade street.
No atletismo, Alison dos Santos, o Piu, um homem negro, festejou seu segundo bronze olímpico, após igual colocação em Tóquio. Caio Bonfim, por sua vez, mordeu a prata na marcha atlética, modalidade discriminada no país por ignorantes que o ridicularizaram por achar que ele “rebolava” nos treinos. Na ginástica artística feminina, bronze por equipes, além de Rebeca Andrade, brilharam Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Júlia Soares e Lorrane Oliveira.
De qualquer forma, foram várias e várias conquistas históricas, e Paris consagrou também dois recordistas de pódios para o Brasil. Rebeca Andrade chegou às seis medalhas em 2020 e 2024, tornando-se a maior medalhista olímpica da história brasileira, independentemente de sexo. A jovem negra de Guarulhos (SP) superou os até então recordistas Torben Grael e Robert Scheidt, do iatismo, com cinco, cada. Baiano, também negro, Isaquias Queiroz, da canoagem, faturou a prata, o seu quinto pódio nas Olimpíadas de 2016, 2020 e 2024, igualando-se a Torben e Scheidt.
A trajetória olímpica de grandes medalhistas negros do Brasil começa nos anos 1950 com aquele que até hoje é o maior nome da história olímpica brasileira: Adhemar Ferreira da Silva, do salto triplo, bicampeão olímpico em Helsinqui-1952 e Melbourne-1956. Para que se tenha uma ideia do gigantismo deste homem, a primeira das cinco Copas do Mundo conquistadas pelo Brasil se deu na Suécia, em 1958, quando o país ainda tinha perante o Primeiro Mundo a imagem de exótico paraíso dos trópicos.
Com seus dois ouros, Adhemar desbravou territórios e abriu caminhos para o esporte nacional. Até hoje, ninguém chegou ao tri olímpico, e ele segue sendo um dos recordistas. Outros bicampeões olímpicos brasileiros são: Torben Grael, Marcelo Ferreira, Robert Scheidt, Martine Grael e Kahena Kunze (iatismo), Maurício Lima, Giovane Gávio e Sérgio Dutra (vôlei masculino),[8] Fabi Alvim, Jaqueline Carvalho, Fabiana Claudino, Paula Pequeno, Thaísa Daher e Sheilla Castro (vôlei feminino)[9] e Rebeca Andrade (ginástica artística). Destes, são negros Sergio Dutra, o Escadinha; Fabiana Claudino e Rebeca.
“Mostrar que, independente das dificuldades, a gente pode, sim, fazer acontecer. Porque ou as pessoas aplaudem, ou elas engolem. E a gente está aqui mostrando que é possível. Eu estou muito orgulhosa”, declarou Rebeca em entrevista coletiva, sobre o sucesso mundial de atletas negras como ela e a americana Simone Biles, por exemplo.
“Eu me amo, eu amo a cor da minha pele. Mas também não me fecho só nisso. Eu sei que tem vários outros pontos da Rebeca, tem vários outros pontos da Jordan (Chiles), da Simone, de várias atletas, não só da ginástica, mas atletas negras. E é poder incentivar e continuar mostrando que talvez seja um pouco mais difícil para você, mas é o teu sonho. Ninguém tem o direito de falar ‘não’ para você. A gente conseguiu provar isso.”
Primeira medalhista de ouro brasileira nestes Jogos, a judoca Beatriz Souza foi enfática ao motivar o “blackverso” numa das dezenas de entrevistas concedidas na capital francesa: “Mulherada, pretas e pretos do mundo todo. É possível! Acreditem! A gente pensa que está pagando muito caro, mas vale a pena quando a gente consegue!”
Verdade que o Brasil ainda não é uma potência olímpica; nada semelhante a EUA, China, Austrália, Japão, França, Grã-Bretanha ou outros. Infelizmente, o esporte brasileiro ainda é um tanto “vagalúmico”: acende e apaga, eventualmente. Os talentos meio que aparecem. Não há um planejamento estratégico para buscar e apoiar talentos, de modo que eles cheguem a um nível planetário. É tudo meio casual. E, como, infelizmente, negros, pardos e mulheres (maioria dentre os chefes dos lares do país) ainda se encontram em camadas inferiores da sociedade, o acesso ao esporte-competição é mais difícil.
O esporte se encontra na confluência entre algumas linhas, como educação, saúde e base familiar. Quando tais fatores não se cruzam, o talento não aparece. Não floresce. Ocorrem “milagres”, como Rebeca, filha de mãe-solo, com sete irmãos, e que tinha de ir treinar de bike por não ter dinheiro sequer para os ônibus, em Guarulhos. Quantos outros devem ter passado por isso na juventude e desistiram? Mas, por sorte, Rebeca perseverou. Hoje, segue os caminhos de glória, desbravados há tantas décadas pelo maior de todos os nomes olímpicos do Brasil: Adhemar Ferreira da Silva.