Hoje muito bem sucedido e reconhecido no exterior, o esporte paralímpico brasileiro começou de forma modesta, graças à iniciativa e à paixão que movia dois atletas paraplégicos: Robson Sampaio de Almeida e Sérgio del Grande, e o professor Aldo Miccolis, que não tinha qualquer deficiência. Eles foram responsáveis pela fundação do Clube do Otimismo, a 1 de abril de 1958, no Rio de Janeiro. A associação segue em atividade, no bairro carioca do Méier.
Vítima de um grave acidente nos Estados Unidos, Robson havia conhecido naquele país vários esportes adaptados, em especial o basquete em cadeira de rodas. Ao retornar ao Rio, ele procurou alguém que pudesse ajudá-lo na missão de difundir no país os esportes para pessoas com deficiência física. Evangélico, Robson encontrou em seu irmãos de fé, o militar e professor de educação física Aldo Miccolis a parceria para tocar esse projeto.
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Caminhante, isto é, sem deficiência, capaz de andar, Miccolis abordava as pessoas com deficiência que via casualmente na rua e as chamava para se integrarem ao esporte. Ele e Robson atuavam especialmente na Zona Norte carioca, onde acabaram fundando o Clube de Otimismo, há quase 60 anos. Já em São Paulo, Del Grande fez um trabalho semelhante e fundou o Clube dos Paraplégicos. Assim, em 1959 foi possível realizar o primeiro Cariocas x Paulistas no basquete em cadeira de rodas.
De acordo com historiadores do Paralimpismo, foi precisamente essa modalidade a primeira a ser praticada em nosso país. Com o tempo e com os exemplos dos atletas do basquete, os praticantes de outros esportes paralímpicos entraram em atividade. Em 1969, foi formada a primeira delegação do país para os II Jogos Pan-Americanos em Cadeira de Rodas, em Buenos Aires. Na capital argentina, atletas do Rio e de São Paulo, que formavam a delegação verde e amarela, conquistaram 17 medalhas.
Com isso, foi fundada uma primeira entidade que passou a organizar o esporte paralímpico: a Associação Nacional de Desporto para Deficientes, a ANDE, que nascera em 1975, por iniciativa do professor Aldo Miccolis. A ANDE se propunha a reunir, organizar e promover todos os esportes praticados por atletas com qualquer tipo de deficiência. O dado curioso é que a ANDE havia sido fundada em pleno avião, quando atletas brasileiros retornavam de Jogos no México.
Entretanto, antes mesmo da fundação da ANDE, atletas brasileiros haviam disputado pela primeira vez os Jogos Paralímpicos, estreando em Heidelberg, na Alemanha, em 1972, mesmo ano das Olimpíadas de Munique, naquele país. À época, porém, o esporte paralímpico brasileiro era ainda iniciante e, diante de outros países com mais tradição e organização, os brasileiros não obtiveram grandes resultados.
A fundação da ANDE acabou ajudando no desenvolvimento da modalidade. Em 1976, um ano depois de sua criação, uma delegação brasileira viajou para o Canadá, para os Jogos Paralímpicos de Toronto, onde atletas verde-amarelos conquistaram as primeiras medalhas do gênero na história do país. Robson Sampaio de Almeida e Luís Carlos Curtinho conquistaram a prata na bocha, e graças a isso, o Brasil terminou sua participação na 31ª colocação geral no quadro de medalhas. Vale lembrar que também em 1976 as Olimpíadas haviam sido disputadas noutra cidade canadense, a de Montreal. No caso da bocha, coube a Robson trazer a modalidade adaptada para o país.
Quatro anos mais tarde, em 1980, a delegação brasileira foi aos Jogos Paralímpicos de Arnhem, na Holanda. No mesmo ano, as Olimpíadas foram em Moscou, em plena Guerra Fria, e com boicote dos países do bloco político pró-americano. O Brasil foi representado apenas pela seleção masculina de basquete e um nadador. Acabou retornando de lá sem medalha.
Entre os anos 80 e 90, o Brasil registrou um expressivo crescimento na quantidade de atletas com deficiência, o que levaria à organização de novas entidades desportivas. Em 1984, por exemplo, foram fundadas a Associação Brasileira de Desporto para Cegos (ABDC), e a Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Rodas (Abradecar).
Nesse mesmo ano de 1984 – as Olimpíadas de Verão foram em Los Angeles, nos EUA, sob boicote dos países do grupo político pró-soviético – os Jogos Paralímpicos foram em Nova York, nos EUA, e em Stoke Mandeville, Inglaterra. Em Nova York, foram disputadas provas para cegos, amputados e paralisados cerebrais, e em Stoke Mandeville, para cadeirantes. Nesse evento com duas sedes, a delegação brasileira obteve 27 medalhas, sendo 21 em Stoke Mandeville as outras seis em Nova York.
Nestas duas cidades, os brasileiros obtiveram os primeiros ouros paralímpicos. Em Nova York, a deficiente visual Marcia Malsar foi a vitoriosa nos 200m rasos, com recorde mundial à época, ao passo que no mesmo ano, em Stoke Mandeville, o cadeirante Amintas Piedade conquistou o primeiro lugar no arremesso de peso.
Em 1988, nos Jogos Paraolímpicos de Seul, mesma sede das Olimpíadas, o Brasil subiu ao pódio 27 vezes, com quatro ouros, dez pratas e 13 bronzes. No atletismo, brilhou intensamente a estrela de Luís Claudio Pereira, que não apenas conquistou três ouros no arremesso de peso e lançamentos de disco e de dardo, como também estabeleceu três recordes mundiais nessas provas. O Brasil terminou aquela edição do megaevento em 25º lugar.
Os bons resultados e um começo de exposição na mídia foram levando adiante o Movimento Paralímpico brasileiro. Assim, o país começou a ter mais e mais atletas com necessidades especiais, o que levaria à criação de novas entidades, tais como a Associação Brasileira de Desporto de Deficientes Mentais (ABDEM), em 1989, e a Associação Brasileira de Desportos para Amputados (ABDA), em 1990. Dois anos mais tarde, nas Paralimpíadas de Barcelona, entre 82 países, os brasileiros ficaram em 30º. O grande destaque seria a jovem velocista Ádria Santos, deficiente visual que conquistou na Espanha seu primeiro ouro.
Até 1988, ainda não havia um órgão internacional que pudesse reger todo o Movimento Paralímpico, à semelhança do Comitê Olímpico Internacional, o COI. Em 1989, por iniciativa de dirigentes paralímpicos de vários países, foi fundado o Comitê Paralímpico Internacional (IPC em inglês). A partir dele, teve início a tendência internacional da fundação de Comitês Paralímpicos Nacionais ou National Paralympic Committees. Com a realização dos Jogos de Barcelona, em 1992, era vital criar comitês nacionais, porque o IPC necessitava que fossem filiadas a ele não mais federações dessa ou daquela modalidade, mas sim as entidades com representatividade nacional que reunissem modalidades para pessoas com todos os tipos de deficiência. No Brasil, tal ideia começaria a tomar corpo em 1993.
Dois anos depois, em 1995, foi fundado o então Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB), que em novembro de 2011 passou a adotar a denominação Comitê Paralímpico Brasileiro, sem a letra “O” de “Paraolímpico”. A partir daí, passou a traduzir a expressão inglesa “Paralympic” por “Paralímpico”. Da mesma forma, as Paraolimpíadas passam a se chamar Paralimpíadas. O Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016 foi o primeiro a oficializar a troca do nome para paralímpico, e as entidades filiadas ao CPB se adequaram às alterações.
Noutros países de língua portuguesa, como Portugal, Angola, Cabo Verde, não se usava mais o termo “paraolímpico”. O Brasil foi o último país de língua portuguesa a mudar o nome. Há uns dez anos, a Espanha havia passado por um processo semelhante. Ao usar o termo paralímpico, o CPI firmou identidade própria, diferenciada do COI, embora seja seu parceiro. Já o CPB considerou que, como em 2016 o Brasil seria a sede dos Jogos Paralímpicos, estaria cometendo um erro ao se apegar a uma denominação inadequada e não utilizada no resto do mundo.
O CPB é resultado da união das cinco entidades paradesportivas ou paralímpicas brasileiras já existentes: ANDE (Associação Nacional de Desporto para Deficientes), ABDC (Associação Brasileira de Desporte para Cegos), ABRADECAR (Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Rodas), ABDA (Associação Brasileira de Desporto para Amputados) e ABDEM (Associação Brasileira de Desporto para Deficientes Mentais). Desde então, passou a ser o CPB o responsável não apenas pela organização de eventos do paralimpismo ou do paradesporto no país, como também pela formação e envio de equipes para eventos do IPC, sejam eles os Jogos Paraolímpicos ou os Mundiais de esportes específicos.
O comitê foi fundado a 9 de fevereiro de 1995 e teve sua primeira sede em Niterói, na Região Metropolitana do Rio. Pelo estatuto, sua missão é a de consolidar o Movimento Paralímpico no país, tendo como meta o pleno desenvolvimento e a difusão do esporte de alto rendimento para pessoas portadoras de deficiência. Seu primeiro presidente foi João Batista de Carvalho e Silva. Em pouco tempo, o CPB passou a colocar em prática uma de suas principais funções: a organização de eventos nacionais para o desenvolvimento do esporte no país.
Ainda em 1995, o CPB organizou os I Jogos Brasileiros Paradeportivos, em Goiânia. A segunda edição foi no Rio, no ano seguinte. Outro motivo para a organização dos Jogos Paradesportivos foi o fato de já estarem próximas as Paralimpíadas de Atlanta, em 1996.
Com o CPB, o Movimento Paralímpico brasileiro ganhou força, e seu trabalho começou a ser mais bem reconhecido nas Paralímpiadas de Sydney-2000. A delegação brasileira ficou em 24º lugar no quadro geral de medalhas, com seis ouros, dez pratas e seis bronzes, graças ao empenho de 64 competidores. Causou muita repercussão na mídia, na época, o fato de que nas Olimpíadas de Verão o Brasil não conseguira sequer um ouro.
Em 2001, Vital Severino Neto, graduado em Direito, ex-atleta paralímpico e secretário-executivo da primeira gestão do CPB, foi eleito presidente. Cego desde a infância, foi o primeiro portador de deficiência a ter assumido a administração dessa entidade. Por sua iniciativa, no dia 19 de junho de 2002, a sede do CPB foi transferida de Niterói para Brasília, visando a pôr a entidade e o paralimpismo mais próximos do centro político do país.
Necessário notar que, apesar da existência e da atuação do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), as entidades de deficiências específicas não deixaram o cenário esportivo, mas são vinculadas ao CPB. Casos de ABDC, ABDA, ABRADECAR), ANDE, ABDEM e Confederação de Desporto de Surdos (CBDS). Esta foi fundada em 1997, para representar o Brasil no Comitê Internacional de Esportes de Surdos. Entretanto, os Jogos Paralímpicos não incluem competições para atletas com tal tipo de deficiência.
Como instituição, o CPB tem a missão de representar o Brasil junto ao Movimento Paralímpico internacional, ao mesmo tempo em que internamente promove, organiza, desenvolve e incentiva a prática do esporte de alto rendimento por pessoas portadoras de deficiência. Trata-se também do gerenciador da participação de delegações brasileiras do país em competições sul-americanas, pan-americanas, mundiais e em especial nos Jogos Paralímpicos. Em articulação com as diferentes organizações nacionais paralímpicas, o CPB é o promotor dos esportes paralímpicos no Brasil.
Outra de suas prioridades é fazer com que o acesso dos portadores de deficiência ao esporte se torne universal. Além de cooperar com as áreas técnicas de associações e confederações nacionais de alguns esportes paralímpicos, esta instituição atua também como confederação nacional paralímpica de atletismo, natação, halterofilismo, esgrima em cadeira de rodas e tiro esportivo.
Além do presidente, Andrew Parsons, e de dois vices, o CPB conta, desde 2009, com um órgão consultivo, o Conselho de Atletas (CA), que os representa perante a diretoria do comitê. Tal Conselho reúne sete membros, eleitos em anos de Paralimpíadas. Para poder concorrer, o atleta deve ainda estar na ativa, além de ter participado de Jogos Paralímpicos e/ou Jogos Parapan-Americanos nos oito últimos anos.
Como resultado da atuação do CPB, nas últimas edições de Paralimpíadas, a delegação brasileira tem estado presente em um número crescente de modalidades. Se em Sydney-2000 foram nove, em Atenas-2004, foram 13, e em Pequim-2008, o país atuou em 17 esportes. Em 2012, em Londres, competiu em 18. No Rio, como país-sede, esteve nas 23 modalidades.
Em Sochi-2014, na Rússia, o país participou pela primeira vez das Paralimpíadas de Inverno – que, assim como as de Verão, ocorrem sempre na mesma sede olímpica -, com apenas dois atletas: o snowboarder André Cintra e o esquiador Fernando Aranha.
Texto originalmente publicado no livro “Esporte paralímpico: tornar possível o impossível” (2017), de Cláudio Nogueira.