Pesquisar
Close this search box.

‘Hipocrisia social’: Milton Cunha defende liberdade artística após ataques à ‘Santa Ceia Drag’ nas Olimpíadas

Em entrevista à Alma Preta, o carnavalesco e cenógrafo defendeu os valores do torneio mundial que preza pelo encontro democrático de todos os povos
Imagem mostra um trecho da cerimônia de abertura das Olimpíadas protagonizado pela DJ e ativista LGBTQIA+ Barbara Butch.

Foto: Reprodução

4 de agosto de 2024

A Polícia da França investiga as ameaças direcionadas à DJ LGBTQIAPN+ Barbara Butch após a ativista protagonizar uma cena inédita com drag queens na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024. A apresentação foi associada por parte dos espectadores ao quadro “A Última Ceia” (1495), de Leonardo da Vinci.

A cena, caracterizada pela direção artística do espetáculo como uma “festa dos deuses gregos no Monte Olimpo”, gerou reações extremas com ameaças de morte, tortura e violência sexual, além de insultos antissemitas, homofóbicos e sexistas direcionados aos envolvidos na produção. Além disso, um dos patrocinadores oficiais das Olimpíadas rompeu o contrato após a festividade

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

Em resposta às críticas, o diretor artístico da cerimônia de abertura, Thomas Jolly, negou que tenha se inspirado na obra de Da Vinci. Ele afirmou que a verdadeira inspiração veio das divindades da mitologia grega antiga, como Dionísio/Baco, o deus do vinho. O quadro “A festa dos Deuses” (1635), de Jan Harmensz van Bijlert, foi apontado como possível referência. 

À Alma Preta, o carnavalesco e cenógrafo Milton Cunha explicou que, apesar da afirmação da direção artística do torneio mundial, é inevitável não associar a apresentação ao renomado quadro que representa a Santa Ceia protagonizada por Jesus Cristo e defendida por conservadores. 

“Todo mundo que estudou história da arte bate o olho naquilo e vê que é uma alusão à Santa Ceia, é óbvio. Mexer com o dogma desperta paixões muito profundas”, pontua.

Para Milton, que comentou a abertura das Olimpíadas na CazèTV, o que não pode acontecer é a censura de expressões artísticas presentes em grandes espetáculos, em especial aqueles que celebram a democracia e a liberdade.

“A ascensão da extrema-direta, da caretice, não permite que você manipule o dogma. Além do dogma, eles também tem um problema enorme com o tabu. O corpo humano é um tabu. No entanto, eles são extremamente contraditórios. Eles dizem que eles têm a liberdade de condenar os homossexuais, impedem o aborto de crianças estupradas por seus pais, mas nós não temos a liberdade de manipular o dogma deles”, afirma Milton Cunha.

“É uma visão do mundo unilateral, é uma visão do mundo hipócrita”, analisa o carnavalesco. “É a tal da grande hipocrisia social: seja, mas não assuma. Então, esse embate, da caretice da extrema-direita com a modernidade, vai se dar inclusive no plano econômico, quando caem os patrocínios”, avalia.

Educação para combater o preconceito

Questionado sobre a maneira mais eficaz de combater o preconceito, não apenas em relação à arte drag queen como também à cultura brasileira e periférica, frequentemente alvo das críticas conservadoras, o carnavalesco Milton Cunha defende a educação plural como o caminho a seguir.

“Nas escolas da caretice você não tem o desenvolvimento da consciência crítica, isso é só em escolas democráticas. A luta é pela legalidade. Então, a forma de combater a caretice é desenvolvendo a consciência crítica do nosso povo”, aponta, relembrando os valores defendidos por Pierre de Coubertin, criador dos Jogos Olímpicos modernos.

“Em 1918, ele grafou: ‘Não há uma cultura, não há uma cor de pele, não há um grupo humano que possa exigir o seu centro de pensamento como universal. Os Jogos Olímpicos servem para o encontro democrático de todos os povos, competindo e se relacionando’. Pronto, acabou”, pondera.

Diante desses fatores, o carnavalesco também ressalta que “todos deveriam saber, que ali, todos os dogmas, todas as religiões vão se encontrar”, reflete. “É como se eles tivessem colocado um padê de Exu, um ebó africano, ali no meio daquela mesa e alguém dissesse ‘ah, mas não pode, o ebó é sagrado’, meu amor, é representação artística”, defende o cenógrafo. 

Milton ainda realiza uma reflexão profunda sobre a natureza de divindade e identidade, inspirada por uma citação de Elza Soares, na qual a artista pontua que “Deus é mulher e uma mulher negra“, e faz uma alusão a Olorum, conceito de Ser Supremo e Deus presente nas religiões Iorubá.

“Olorum é uma divindade que une as qualidades de homem e mulher, criando um ser extremamente elevado. Assim como as mulheres negras, matriarcas, que educam seus filhos e são arrimo de família, pois foram abandonadas pelos maridos, Deus também é uma mulher negra, e é essa mulher. Então, se você acredita que seu sistema cultural define a humanidade, está enganado”.

  • Mariane Barbosa

    Curiosa por vocação, é movida pela paixão por música, fotografia e diferentes culturas. Já trabalhou com esporte, tecnologia e América Latina, tema em que descobriu o poder da comunicação como ferramenta de defesa dos direitos humanos, princípio que leva em seu jornalismo antirracista e LGBTQIA+.

Leia Mais

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano