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Anistia a partidos que burlaram cotas deixa incerto futuro de mulheres negras na política

Perdão para partidos políticos que burlaram cotas para mulheres e negros nas eleições é decisivo em cenário político demarcado pela sub-representação dessa população
A deputada estadual Paula Nunes da Bancada Feminista (PSOL-SP). Uma das mulheres negras que ocupam um cargo na Câmara dos Deputados de São Paulo.

Foto: Danilo Santana

26 de julho de 2024

No dia 25 de julho foi celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. No Brasil, a data foi instituída em 2 de junho de 2014, por meio da Lei nº 12.987, como Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, uma homenagem a um dos maiores símbolos de resistência e liderança na luta contra a escravização. 

Tereza de Benguela, também conhecida como Rainha Tereza, liderou o Quilombo de Quariterê no Mato Grosso por mais de 20 anos, no século XVIII, até ser assassinada. Devido ao apagamento histórico dos povos africanos no Brasil, pouco se sabe sobre os seus feitos e vivência. Alguns pesquisadores apontam seu nascimento em Angola, outros no Brasil. Mas um fato é que ela foi uma mulher escravizada e administrou seu quilombo com uma política revolucionária para o período.

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O reconhecimento de seu papel, assim como de muitas outras mulheres negras, foi estimulado com a criação, em 1992, do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data é como um marco para refletir sobre as conquistas de mulheres negras, seus avanços e também os retrocessos que sofrem em uma sociedade racista e patriarcal.

Hoje, as mulheres negras correspondem a 28,5% da população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, o seu número no espaço político, onde são desenvolvidas políticas públicas para essa população, é proporcionalmente inverso. Nas eleições de 2022, quando houve um recorde de mulheres autodeclaradas negras na Câmara dos Deputados, cerca de 91 deputadas federais foram eleitas, o que representa apenas 8% do Congresso Nacional.

A baixa ocupação no Parlamento preocupa não só a sociedade geral, mas também quem está inserido no meio político. Como é o caso de Paula Nunes (PSOL), co-deputada da Bancada Feminista em São Paulo. A advogada e política brasileira foi eleita em 2022 como representante legal do mandato coletivo composto também por Carolina Iara, Mariana Souza, Simone Nascimento e Sirlene Maciel.

Em conversa com a Alma Preta, Paula reconhece que, apesar de ocuparem um volume muito grande dentre as pessoas eleitoras, a ocupação de mulheres negras no Parlamento está muito longe de representar o seu papel na sociedade.

“A gente acorda cedo, sai para trabalhar antes do sol raiar, cuidamos dos nossos filhos, cuidamos dos filhos de outras pessoas, limpamos a casa de outras pessoas, limpamos a nossa própria casa. Enfim, tem toda uma responsabilidade no cotidiano do trabalho dentro e fora de casa e mesmo assim existe pouquíssima representação de pessoas como nós em qualquer esfera do parlamento brasileiro”, diz a parlamentar.

Essa sub-representação é visualizada em números. Um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), divulgou em maio deste ano que, mesmo sendo a maior parte da população brasileira — mais de 60 milhões —, as mulheres negras são as menos beneficiadas por avanços sociais.

A ocupação de mulheres negras visa a mudança desse cenário. Para Paula, é uma forma de colocar suas necessidades em evidências e falar por si mesmas. “Chega de fazerem política em nosso nome, de dizer o que é ou não é importante para a gente quando falam sobre políticas públicas. Nós queremos determinar que políticas públicas são essas e de que forma elas vão atender a nossa realidade, uma realidade que nós conhecemos tão bem”, defende a co-deputada.

PEC da Anistia fere os direitos das mulheres

Em 2022, a Emenda Constitucional 117/2022 tornou lei a obrigatoriedade dos partidos direcionarem os recursos eleitorais de forma proporcional para mulheres e negros. No entanto, não foi estabelecido se as mulheres negras seriam contempladas no marcador de raça ou gênero, mas foi definido que não poderiam se “beneficiar” dos dois.

No mesmo ano foi descoberto que partidos não destinaram, nas eleições, recursos financeiros proporcionais às candidaturas de mulheres e de pessoas negras. Na época, Frei Davi, membro da Comissão de Promoção da Igualdade Racial do Tribunal Superior Eleitoral,afirmou  em reportagem da Alma Preta que os partidos políticos burlaram a autodeclaração junto ao TSE, e que poderiam ser culpados.

Mas em uma manobra política, a Câmara dos Deputados aprovou em julho de 2024 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/23 que perdoou os partidos que burlaram cotas para mulheres e negros e ainda permitiu o refinanciamento de suas dívidas tributárias, dos últimos cinco anos, com isenção total de multas e juros acumulados sobre os débitos originais.

Além de ser apontada como inconstitucional, a PEC atingiu, principalmente, os direitos políticos das mulheres negras. “Ver que partidos que descumprem regras, que são tão importantes para o jogo democrático, são partidos que vão ser anistiados, que vão ter o seu perdão e não vão precisar ser punidos, é um retrocesso. Mais do que um retrocesso, é algo que demonstra que aqueles que estão no poder não querem abrir mão um milímetro do seu espaço de poder”, repudia Paula Nunes.

“O fazer político para as mulheres negras ultrapassa as barreiras da institucionalidade”, diz Paula Nunes. (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Violência política

Os desafios das mulheres negras tampouco param no processo de eleição. A parlamentar da Bancada Feminista denuncia que, após as eleições, as mulheres negras sofrem com outra barreira: a violência política.

“O avanço da extrema-direita em nível mundial e do bolsonarismo no Brasil trouxe um novo ingrediente para a política brasileira,  que é a violência política. O caso mais emblemático que nós temos é a execução da Marielle Franco, no ano de 2018. Mas, desde então, todas as mulheres negras eleitas sofrem com ameaças pessoalmente, via e-mail e em seus gabinetes. E isso não para”, compartilha.

Todas essas problemáticas desencadeiam medos constantes nessas mulheres negras que se colocam num espaço que constantemente as intimidam e ameaçam as suas vidas e a de seus familiares. Mas é um caminho sem volta. Paula enxerga uma crescente de mulheres negras no Parlamento. Até as eleições de 2022, apenas quatro deputadas negras tinham passado pela história da Alesp. Em 2022, houve uma mudança: cinco mulheres negras foram eleitas para ocupar o órgão.

Apesar de ainda ser um número pequeno, a co-deputada acredita que a tendência é crescer e que as eleições municipais deste ano devem trazer muitos avanços. “Eu tenho certeza que nós teremos mais candidatura de mulheres negras e mais mulheres negras eleitas esse ano”, conclui, em tom de esperança.

  • Giovanne Ramos

    Jornalista multimídia formado pela UNESP. Atua com gestão e produção de conteúdos para redes sociais. Enxerga na comunicação um papel emancipatório quando exercida com responsabilidade, criticidade, paixão e representatividade.

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