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Câmara quer anistiar policiais envolvidos no Massacre do Carandiru

30 anos depois da chacina que matou 111 detentos em São Paulo, deputados ligados à Bancada da Bala defendem que a “contenção da rebelião [pela polícia] foi legítima”

A foto mostra a fachada da antiga Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru

Foto: Imagem: Luiz Novaes/Folhapress

2 de agosto de 2022

No ano em que o episódio conhecido como Massacre do Carandiru completa 30 anos, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados aprova um projeto de lei que concede anistia aos agentes e policiais da segurança do estado de São Paulo processados ou punidos por suas condutas no dia da rebelião que deixou 111 detentos mortos, em 2 de outubro de 1992.

Nesta terça-feira (2), o projeto foi aprovado com abstenção do Deputado Marcel van Hattem (Novo-RS). Vários parlamentares tentaram retirá-lo de pauta, mas não obtiveram sucesso. No dia 7 de julho, o relator, Sargento Fahur (PSD-PR), deu parecer pela aprovação da matéria. O PL 2821/2021, de autoria do deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da Bancada da Bala na Câmara, agora pode ir à Comissão de Constituição e Justica (CCJ) e, posteriormente, ser votado em Plenário.

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“A anistia de que trata esta Lei abrange os crimes previstos no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40), nas leis penais especiais, no Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69) e as infrações disciplinares conexas”, diz o texto do projeto de lei. 

Segundo Capitão Augusto, não há qualquer respaldo constitucional para a condenação desses profissionais e “não seria justo nem constitucionalmente adequado condenar coletivamente, sem haver a demonstração de conduta individual certa e definida”, escreveu o deputado na justificativa do projeto.

Fahur expôs em seu relatório que, após quase 30 anos, policiais que atuaram nesse “fatídico episódio ainda enfrentam, de forma injusta e desproporcional, processos judiciais que preveem condenações que vão de 48 a 632 anos de prisão, mesmo sendo impossível determinar se houve excesso doloso ou culposo e ainda individualizar qualquer conduta dos policiais”.

Para o relator, esse caso se tornou um dos imbróglios jurídicos mais longos da história desse país. Para ele, pode-se “afirmar que a operação para contenção da rebelião foi legítima e necessária para restabelecer a paz naquele ambiente evidentemente caótico e violento e que os policiais antes de tudo atuaram como instrumento do Estado e esse parlamento não deve se furtar do dever de protegê-los de punições com motivações ideológicas”. 

O advogado criminalista Jonatas Moreth disse que este projeto é um absurdo e que, se aprovado, não irá beneficiar os bons policiais, mas sim, “os comprovadamente autores de um massacre”. “E mais, sinaliza para o conjunto das corporações, que pode cometer esse tipo de crime novamente”, afirma o especialista.  

Já Naynara Horta, advogada especialista em Direito Penal e membro da Comissão de Direito Médico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), afirmou que as rebeliões que ocorrem dentro dos presídios e casas de detenção não podem ser anuência para um massacre. É dever de o Estado prevenir as rebeliões e, se ainda sim, se vierem a ocorrer, “é função estatal conter de maneira ordeira. Garantir a segurança não só dos agentes públicos mas também dos custodiados, a falha em um dos dois pontos deve ser responsabilizada”.

Para a especialista, o ideal seria ações penais individualizadas e não uma declaração de anistia coletiva. Uma vez que o agente tem amparo para cometer qualquer tipo de atrocidade, inclusive tirar a vida de um cidadão, a insegurança e o medo nas penitenciárias por parte dos detentos ou apenados fará com que eles sintam-se acuados e a tendência, de acordo com Naynara, é que haja mais rebeliões e cada vez mais violentas.

“Um treinamento adequado para os agentes públicos, que demonstre limites, regras e punições em caso de descumprimento é o ponto inicial para a melhoria das políticas criminais. Ouvir, acatar e investigar as denúncias realizadas por aqueles que cumprem a pena é o passo seguinte. O Sistema Prisional já possui uma cultura de violência enraizada no modo de trabalho e de conduzir as casas de custódias e penitenciárias, é preciso quebrar o ciclo de violência e impunidade, a ideia de “o mais forte vence” não pode ser acatada quando a disputa é desleal”, conclui. 

CARANDProjeto quer anistiar mais de 70 agentes de segurança que participaram da chacina que matou 111 detendos no Carandiru, em 1992. | Foto: Governo do Estado de São Paulo

O que foi o Massacre do Carandiru

No dia 2 de outubro de 1992, uma rebelião que supostamente começou por conta de uma briga de facções em um jogo de futebol, tomou de conta do Pavilhão 9 da então Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru. Cerca de 340 policiais da Tropa de Choque tiveram carta branca para adentrar o presídio. Um total de 111 detentos foram mortos no que ficou conhecida internacionalmente como a mais violenta ação em uma penitenciária brasileira. 

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do estado, 3.500 tiros foram disparados. Todos os mortos eram detentos. Dias depois, o secretário de Segurança, Pedro Franco de Campos, responsável por ordenar a invasão do presídio, pediu demissão do cargo. O então governador de São Paulo, Luiz Fleury, reconheceu que a atuação da PM foi criminosa. 

O diretor do Carandiru, José Ismael Pedrosa, e mais três oficiais envolvidos no massacre foram afastados, entre eles o comandante do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais), Wanderley Mascarenhas, que admitiu ter disparado rajadas de metralhadora contra os presos. 

A Justiça Militar abriu um inquérito e indiciou 121 policiais militares. Porém, em 1996, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que a ação da PM na invasão do Carandiru havia sido legítima. Os dados que se seguem, sobre os processos envolvendo os agentes das polícias, são originalmente de Caco Barcellos, jornalista da Rede Globo de Televisão, que acompanhou todas as etapas das ações.

Os julgamentos continuaram e, em 2001, Ubiratan Guimarães, coronel da reserva que comandou a invasão, foi responsabilizado pelas 111 mortes e cinco tentativas de homicídio. Ele foi condenado a 632 anos de prisão em regime fechado. Porém, por cooperar com as investigações, pôde recorrer da sentença em liberdade. Cinco anos depois, houve a anulação da sentença, e Ubiratan foi absolvido. Ele foi encontrado morto no seu apartamento, com um tiro no abdome, em 2006. 

Todas as fases dos julgamentos finalizaram no ano de 2014. Ao todo, 73 policiais foram condenados por 77 das 111 mortes que aconteceram no massacre. Todos, no entanto, puderam recorrer em liberdade. Três réus foram absolvidos por falta de provas. Muitos deles continuaram trabalhando na polícia. 

Em 2013, 51 policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) foram a júri. Vinte e três agentes foram condenados a 156 anos de prisão pela morte de 13 presos, e outros 25 pegaram 624 anos de prisão pelas mortes de 52 detentos.

Já em 2014, dez policiais do Gate foram a julgamento pela morte de oito detentos. Eles foram condenados a 96 anos de prisão, com exceção de um que, por ter antecedentes criminais, teve pena de 104 anos. No mesmo ano, 15 policiais do COE (Comando de Operações Especiais) foram condenados a 48 anos de prisão pela morte de quatro detentos do 4º pavimento. 

O complexo do Carandiru, inaugurado em 1920 como modelo mundial de higiene, reintegração e direitos humanos, foi demolido em 2002. 

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