Na terça-feira (25), o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Após nove anos de sucessivas suspensões ficou definido que o porte de maconha continua como comportamento ilícito, ou seja, o seu uso em público segue proibido. No entanto, a punição deixa de ser da natureza criminal e passa a ser administrativa.
Prosseguindo com o julgamento, o STF decidiu na tarde desta quarta-feira (26) fixar em 40 gramas ou seis plantas fêmeas de cannabis sativa a quantidade de maconha para caracterizar porte para uso pessoal e diferenciar usuários e traficantes. A decisão não impede abordagens policiais, inclusive, caso o usuário seja flagrado usando maconha ou portando até 40 gramas da planta, será encaminhado à delegacia para receber alguma sanção, sem que perca o réu primário, ou seja detido e considerado criminoso.
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Sem indícios de freio na guerra às drogas
As decisões do Supremo levantam dúvidas sobre o impacto da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal em relação à guerra às drogas e a violência contra a população negra. Para compreender essas questões, a Alma Preta conversou com a cientista social Nathália Oliveira, cofundadora e diretora-executiva da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas (INNPD), que apontou possíveis repercussões da decisão.
Para a cientista social, os posicionamentos dos ministros ainda não indicam um desdobramento explícito de como a guerra às drogas será afetada pela descriminalização.
“O que se tem, é o entendimento quase unânime da corte de que a proibição das drogas afeta desproporcionalmente a população negra. Mas daí ter soluções ou novas orientações que diminuam os efeitos da guerra às drogas sobre a população negra, não temos nenhum direcionamento nesse sentido. Inclusive, porque isso exige uma mobilização conjunta dos Três Poderes”, disse, relembrando que a guerra não é só travada no judiciário.
Ainda assim, Nathália aponta que o Judiciário segue sendo um grande catalisador da guerra às drogas, já que dá seguimento a julgamentos que prejudicam muito mais a população negra. “Não sou eu que digo, existem várias pesquisas. Essa semana, inclusive, o Insper publicou uma pesquisa demonstrando que os jovens negros, em São Paulo, são mais sentenciados como traficantes do que sujeitos brancos com a mesma quantidade de drogas”, afirmou.
O estudo citado foi realizado pelo Núcleo de Estudos Raciais do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e revela que, em uma década, 31 mil pessoas negras foram enquadradas como traficantes em situações similares à de brancos considerados usuários.
Impacto da decisão do STF na PEC 45
Mesmo com alguns parlamentares negros enxergando a decisão do STF como um passo mais próximo da legalização da droga, Nathália aponta a necessidade de observar a conjuntura atual.
“O voto do STF coloca os deputados e a PEC [Proposta de Emenda Constitucional] 45 em um lugar delicado, porque demonstra publicamente um reconhecimento do Judiciário em relação a como as leis de drogas atuais são racistas. No entanto, a gente não sabe se a Câmara dos Deputados vai entender dessa mesma maneira ou sequer se ela se constrange com a questão do racismo”, destaca.
A PEC 45 é parte de uma disputa política entre o STF e o Congresso em relação ao tema e propõe a criminalização do porte e posse de todas as drogas em qualquer quantidade.
A decisão final do STF deve despertar nos próximos dias uma reação dos setores ultraconservadores e afetar a resolução da PEC 45, aponta a cientista social, mas outros elementos podem ajudar a constranger os deputados proibicionistas.
“Tenho visto setores que nunca falaram sobre isso, que falam de assuntos totalmente aleatórios — como gastronomia, por exemplo — já falando sobre a decisão do STF. Então a decisão do Supremo pode mobilizar setores que antes não estavam mobilizados contra a PEC 45, justamente porque identificaram um avanço na decisão [descriminalização do porte de maconha para uso pessoal]”, finalizou.
Reação do Congresso Nacional indica enfrentamento
Após a decisão do STF, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação de uma comissão especial para analisar a PEC 45 de 2023.
A proposta é de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que criticou a decisão dos ministros da Suprema Corte. “Discordo da decisão do STF. A descriminalização só pode ocorrer através do processo legislativo”, afirmou Pacheco em coletiva.