A deputada estadual Ediane Maria (PSOL) apresentou uma proposta de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para investigar ações do Estado na região da Cracolândia, na capital paulista. A parlamentar pretende apurar denúncias de uso excessivo da força policial, deslocamento forçado de dependentes químicos e impactos da chamada “limpeza social” promovida por órgãos públicos.
A proposta está em fase de coleta de assinaturas para viabilizar sua instalação. A deputada afirma que a dispersão dos usuários pelo território da cidade e o surgimento de novos fluxos em municípios da Grande São Paulo indicam uma estratégia de deslocamento não oficializada, com graves consequências sociais.
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Dispersão e expansão regional
Relatos recebidos pelo mandato de Ediane apontam que o esvaziamento da área tradicionalmente ocupada pela Cracolândia, na Rua dos Protestantes, no centro da cidade, coincide com o crescimento de fluxos em cidades vizinhas, como Guarulhos e Diadema.
“Está havendo um aumento de usuários nas cidades de Guarulhos e Diadema, segundo as informações que chegaram ao mandato, no mesmo período em que a Cracolândia daqui ‘sumiu’. Estamos apurando”, declarou em nota à imprensa..
Um levantamento realizado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), publicado pela Folha de S. Paulo em 2024, identificou 44 novas concentrações de usuários de crack em cidades do interior e litoral paulista, além de 72 pontos espalhados pela capital.
A movimentação dos usuários e a concentração do “fluxo” em novas áreas despertou preocupação também em prefeituras da região metropolitana. A Prefeitura de Guarulhos informou que recebeu com “preocupação e cautela” denúncias de que dependentes químicos teriam sido levados e abandonados na cidade.
O caso veio à tona após uma publicação do padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, que relatou a presença de pessoas em situação de vulnerabilidade no bairro Santos Dumont, em Guarulhos, na madrugada do dia 10 de maio.
Cracolândia e Campos Elíseos
A proposta de CPI também relaciona o processo de dispersão da Cracolândia com o projeto de reocupação do centro de São Paulo. “Tanto o espalhamento do fluxo da Cracolândia, provocando caos na região e colocando em risco a vida das pessoas, quanto a violência policial empregada na Favela do Moinho não estão acontecendo por um acaso”, afirmou Ediane.
Segundo a deputada, a movimentação ocorre após o anúncio da mudança da sede do Palácio dos Bandeirantes para o bairro Campos Elíseos, feito pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A Favela do Moinho, última favela remanescente na região central, também vem sendo alvo de tentativas de remoção. Para Ediane, as ações indicam uma estratégia de limpeza social com vistas à gentrificação do território. “Desde que Tarcísio anunciou a mudança de sede do Palácio, há um movimento de limpeza social, que por sua vez vai incentivar a gentrificação do local”, afirmou.
Governo estadual reage
No dia 12 de maio, o governador Tarcísio de Freitas publicou nas redes sociais um vídeo com trechos de entrevista concedida à rádio Massa FM. Na publicação, afirmou que a gestão estadual estaria tomando medidas inéditas: “Estamos fazendo o que nunca foi feito, o que ninguém teve coragem de fazer. Por isso, reforço aqui meu compromisso: a Cracolândia vai acabar”.
No dia seguinte, a Rua dos Protestantes amanheceu vazia. O desaparecimento do principal fluxo de usuários da capital se deu sem anúncio oficial de mudança de política pública e sem apresentação de alternativa de acolhimento para os dependentes químicos.
A CRACOLÂNDIA VAI ACABAR. Estamos fazendo o que nunca foi feito, o que ninguém teve coragem de fazer. Por isso, reforço aqui meu compromisso: a Cracolândia vai acabar. pic.twitter.com/LO4ee9GFiy
— Tarcísio Gomes de Freitas (@tarcisiogdf) May 12, 2025
Próximos passos
A proposta de CPI segue em articulação na Alesp. Caso obtenha o número mínimo de assinaturas, poderá ser instalada para ouvir autoridades, requisitar documentos e elaborar um relatório sobre os efeitos das ações estatais na região da Cracolândia e nos municípios vizinhos.
Ediane defende que o Parlamento estadual tenha papel ativo na apuração das denúncias e cobra transparência das ações promovidas pelo governo. A deputada afirma que o tema não pode ser tratado apenas como questão de segurança pública e reforça a necessidade de políticas sociais integradas e voltadas à saúde e à moradia.