Os resultados eleitorais do primeiro turno no último domingo (2) já evidenciam que, a partir de 2023, o Brasil terá um Congresso Nacional com mais políticos alinhados a partidos de direita, além de apoiadores das políticas do Governo Bolsonaro e da bancada ruralista, em que mais de 100 integrantes foram reeleitos. Em contrapartida, nenhum quilombola venceu a disputa eleitoral.
Atualmente, também não há quilombolas ocupando espaços dentro do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas. De acordo com Antônio Crioulo, coordenador executivo da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), o Congresso eleito para o próximo ano reflete a realidade brasileira.
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“A verdade é que tenta-se mascarar e se dizer que o Brasil não é um país racista e elitista, mas, nos últimos anos, a gente tem acompanhado o crescimento e fortalecimento dessas forças não democráticas e que não respeitam a diversidade da população brasileira”, explica.
Conforme noticiado anteriormente, este ano foram identificadas ao menos 20 candidaturas quilombolas na plataforma da iniciativa Quilombo nos Parlamentos, entre disputas para o Congresso Nacional e para as assembleias legislativas estaduais. O observatório De olho nos ruralistas, também publicou um mapa em que identificam ao menos 23 candidaturas quilombolas em 15 estados e no Distrito Federal.
Ainda de acordo com Antônio Crioulo, a não eleição de quilombolas está atrelada a dificuldade da população em geral reconhecer o papel desses povos tradicionais.
“A primeira coisa que a gente ainda escuta em falas cotidianas é que os negros e quilombolas nesse país são intrusos, que não somos genuínos brasileiros ou que não temos o direito de viver com dignidade nesse país. Esse é o principal motivo para que o povo quilombola e negro não consiga se eleger nem com os votos dos próprios negros. É fruto de séculos de embranquecimento e de séculos de ensinamentos de que não somos dignos de ocupar esses espaços decisórios”, explica.
No Senado, conforme noticiado anteriormente na Alma Preta Jornalismo, dos 27 senadores eleitos para um mandato a partir de 2023, a maior predominância foi de senadores de partidos de direita, com 19 candidatos eleitos. O Partido Liberal, legenda de Jair Bolsonaro, conseguiu eleger oito senadores.
Além disso, entre os cinco ex-ministros e o atual vice-presidente que estarão como senadores no próximo ano, há políticos defensores de agendas de ataque ao meio ambiente, como Teresa Cristina (PP-MS), que foi líder da bancada ruralista e ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Para a Câmara dos Deputados, foi eleito Ricardo Salles (PL-SP) como o 5° deputado mais votado do país e o 4° mais votado em São Paulo, com mais que o dobro de votos da ambientalista eleita Marina Silva (Rede-SP). O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles apoia políticas que vão contra o fortalecimento e proteção da agenda ambiental.
De acordo com Bruno Stankevicius Bassi, coordenador de pesquisa do observatório De Olho nos Ruralistas, em coluna na Folha de São Paulo, dos 241 membros da Frente Parlamentar da Agropecuária na Câmara, 135 se reelegeram — isto é, 56% dos deputados ruralistas assumirão um novo mandato em 2023. Além disso, no país inteiro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) já reuniu oito governadores eleitos em primeiro turno que o apoiam.
Segundo o coordenador executivo da Conaq, nesse cenário, o ambiente político será de muita disputa.
“Será um ambiente onde nós precisamos, como liderança de movimento e como representação de movimentos sociais, intensificar o cuidado, a vigilância e também entender que as pautas que serão fortalecidas, serão exatamente as pautas de negação de direito que vão contra o reconhecimento das comunidades quilombolas e que incentivarão a invasão dos nossos territórios por meio das mineradoras e do grande latifúndio”, ressalta.
Possíveis aliados à causa quilombola
Mesmo diante de um Congresso que terá figuras mais alinhadas ao atual governo, o quilombola e coordenador executivo da Conaq José Galiza (PSOL), que foi candidato federal pelo Pará junto à chapa Ubuntu – Coletivo Quilombola, ressalta que houve um crescimento na presença indígena, de pessoas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), de pessoas negras e de mulheres.
O MST elegeu seis candidaturas em cargos estaduais e federais. Cinco indígenas foram eleitos para a Câmara dos Deputados, entre eles as lideranças Célia Xakriabá (PSOL), primeira deputada federal indígena eleita por Minas Gerais, e Sonia Guajajara (PSOL-SP).
“Eu acho que a gente vai poder contar com a bancada indígena e com a bancada do MST. Acredito que eles não medirão esforços para nos apoiar. Também acredito que alguns deputados da esquerda poderão nos apoiar em alguns locais, porém a maioria não tem a questão quilombola como uma bandeira de luta dentro das suas propostas. Então vamos contar com aqueles que no seu discurso durante a campanha se comprometeram com a defesa da floresta e com a defesa dos povos”, explica o candidato do Pará.
Galiza também fez um apelo aos eleitores sobre a candidatura de Lula no segundo turno. “A gente [quilombolas] acredita que a nossa única esperança é eleger Lula para tentar frear o avanço do desmatamento ou as agressões contra os povos da floresta, porque se não for assim, nós vamos continuar, mesmo com o aumento de representatividade no Congresso, sofrendo ataque aos nossos territórios”.
Fortalecimento das estratégias de luta
Mesmo sem quilombolas eleitos, houve também casos de expressiva incidência política. Antonia Cariongo (PSOL), única mulher quilombola que concorreu ao Senado pelo Maranhão, ficou em 3° lugar no estado com mais de 34 mil votos válidos.
A deputada federal eleita por São Paulo Juliana Cardoso, primeira indígena que vence a disputa eleitoral na história do PT, comenta que é de se lamentar não haver representante quilombola eleito em um país com tamanha diversidade étnica.
“Devemos lembrar que o sistema político e eleitoral inibe a efetiva participação de candidatos e candidatas indígenas e de comunidades tradicionais. Há de se pensar num processo e projeto coletivo de ampla reformulação política e partidárias para que as comunidades sejam mais representadas nas instâncias de poder. Nesse momento, temos que defender a política de cotas em várias frentes e que tem sido atacada por setores reacionários”, destaca.
O coordenador executivo da Conaq Antônio Crioulo também acredita que neste momento é preciso fortalecer as bases quilombolas, mesmo em um ambiente em que a defesa das comunidades e dos movimentos sociais não será fácil.
“É preciso fortalecer o processo de acesso à informação, as articulações, os processos também do autocuidado, da autorregularização fundiária, da concessão dos protocolos de consulta. Fortalecer também as bases legais internacionais que protegem as nossas comunidades”, finaliza.
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