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Governo omite informação e nega saber apoio da indústria e do agro na COP

Ministério do Meio Ambiente e Apex, órgão ligado ao Ministério das Relações Exteriores, fizeram reuniões com representantes da Indústria e do Agronegócio antes da COP; Governo brasileiro aprovou uma série de decretos em prol do agronegócio e da indústria

Imagem: Vinícius de Araújo / Alma Preta Jornalismo

Foto: Imagem: Vinícius de Araújo / Alma Preta Jornalismo

5 de abril de 2022

Quem chegava ao pavilhão oficial do governo brasileiro na Conferência do Clima (COP) de 2021, em Glasgow, Escócia, logo se deparava com um grande logo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). Quem se aventurasse a adentrar ao espaço, provavelmente se depararia com algum representante da indústria ou agropecuária em apresentação de um case de sucesso ambiental.

O governo brasileiro reconhece a parceria com a CNI e a CNA. Ele não explica, porém, qual o valor da parceria, a quantia investida pelas duas confederações e como o recurso foi aplicado para a realização do evento na Conferência do Clima.

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O Ministério do Meio Ambiente (MMA), perguntado via Lei de Acesso à Informação (LAI), diz não saber os valores ou mesmo o apoio dado por CNI ou CNA, e joga a responsabilidade para a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), órgão integrante do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Os dois, MRE e Apex, dizem não saber a informação. Quem acusam de saber? O MMA.

Imagem Corpo CNI e CNA 1 1

Entrada do pavilhão brasileiro na COP26, em Glasgow (Foto: Pedro Borges/Alma Preta)

Recorridos os pedidos de LAI em segunda e terceira instâncias, com a apresentação das informações de que um órgão aponta ser de conhecimento do outro o dado, nada se alterou. Até a última possibilidade, MMA, MRE, e Apex disseram não saber o valor e se houve aporte financeiro da indústria e do agronegócio na missão brasileira na COP26.

A Apex admite ter investido 500 mil euros, valor aproximado em reais de R$ 2.725.000,00. Os custos para toda a operação somam o próprio estande, os serviços contratados para as atividades, a estadia da delegação brasileira, entre outros. Levantamento da Alma Preta Jornalismo sinaliza que foram 687 pessoas na comitiva brasileira da COP, com 404 ligadas ao poder público e 39 a empresas privadas. O Brasil tinha a segunda maior delegação da COP26, atrás apenas dos EUA.

Acontece que, desde junho de 2021, cinco meses antes da realização do evento em Glasgow, o Ministério do Meio Ambiente fez seis reuniões com representantes da CNI e seis encontros com representantes da CNA, com duas reuniões, no dia 27 de Setembro e 4 de Outubro, em que ambas confederações participaram. A Apex, por sua vez, fez três encontros com a CNA e quatro com a CNI. O Ministério das Relações Exteriores teve um momento de diálogo com a CNI, após a COP, no dia 7 de Dezembro.

Na agenda oficial do Ministério do Meio Ambiente está a “Mesa de abertura do evento Agropecuária Brasileira no Acordo de Paris”, encontro virtual organizado pela CNA em 5 de Outubro. A solenidade de entrega do Prêmio CNA Agro Brasil 2021 também estava na agenda oficial do ministério, em 14 de dezembro, pós COP. Figuras presentes nos encontros com o MMA foram Robson Andrade, presidente da CNI, e João Martins da Silva Junior, presidente da CNA.

No dia 18 de Outubro, MMA e MRE se reuniram às 19h, e às 20h30 ocorreu uma “Reunião de Produção e Operação Pavilhão Brasil COP26”. Ao todo, foram organizados cerca de dez momentos de diálogo, somadas às reuniões entre MMA com MRE e Apex.

As pressões internacionais do Reino Unido e do presidente da COP26, Alok Sharma, fizeram com que o MMA o recebesse para diálogos antes da COP26. Havia uma expectativa e um desejo de diálogo com o presidente da República, Jair Bolsonaro, que foi frustrado. Ao todo, foram cerca de dez encontros para debater a COP, com reuniões externas ou internas do próprio MMA, entre elas os encontros com Alok Sharma, em 26 de julho e 4 de agosto.

A APEX teve três reuniões com a CNA e quatro com a CNI. Dos diálogos, dois foram feitos em conjunto. Foram também dois momentos de diálogo com o Ministério do Meio Ambiente, com a participação de Joaquim Leite, chefe da pasta. O Ministério das Relações Exteriores (MRE) fez oito encontros com o Ministério do Meio Ambiente e seis diálogos com a APEX, órgão do próprio ministério.

A dificuldade para o acesso à informação faz parte da estratégia dos novos governos de direita pelo mundo, segundo Gustavo Pinheiro, coordenador do Instituto Clima e Sociedade (ICS). Por isso, ele ressalta a participação da sociedade civil.

“O que a gente observa é que esses novos governos autoritários que estão surgindo mundo afora, e que vão de Putin, Bolsonaro, Trump, a Erdogan e outros, eles operam numa lógica do apagão de dados e informações, eles têm agenda muito negativa, atrasada, de retrocessos e eles só conseguem impor essa agenda, implementar justamente apostando na mentira. O que se viu foi um papel importantíssimo da sociedade civil brasileira, que muitas vezes substituiu o estado, quando ele para de mostrar informações via LAI. Mesmo assim, a sociedade civil vai lá, investiga e a imprensa vasculha”, diz.

Durante a Conferência do Clima, foram 78 atividades realizadas no espaço oficial do país. Nelas, houve a participação de 104 representantes do governo federal nove da CNI, e quatro da CNA. Nenhum quilombola teve espaço para participar nas atividades do governo brasileiro.

Sandra Braga, integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rutais Quilombolas (CONAQ), acredita que nenhum quilombola foi convidado porque “tudo o que estava sendo discutido ali nos impactava e tem impactado as comunidades quilombolas. A nossa avaliação é de que não nos chamaram para que não pudessemos expor o que estamos sofrendo. Foi um racismo grande que nos sofremos, ambiental, territorial”.

Integrante do coletivo de meio ambiente CONAQ, Kátia Penha ressalta que a exclusão dos quilombolas não é uma novidade e exalta a participação da organização na última edição do evento. “Ao longo desses 26 anos de COP, nenhum quilombola teve uma participação efetiva. Sempre outras organizações foram para a COP falar em nosso nome. Em 2021 foi a primeira vez com uma delegação com quatro quilombolas, que se desloca para o evento e faz incidência com os demais movimentos sociais, principalmente a Coalizão Negra por Direitos”.

A parceria entre a CNI e o governo federal se estendeu para a utilização de um estúdio, montado pela indústria brasileira para receber atividades virtuais durante a COP. Das 78 atividades organizadas pelo pavilhão brasileiro na conferência, ao menos em 14 houve a participação de pelo menos uma pessoa no estúdio organizado pela CNI.

A maior parte das participações ocorreu na primeira semana, quando parte da delegação do país debateu os temas relacionados à COP26 de Brasília. Apenas o Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, participou de cinco atividades na sede da CNI, em Brasília. Outros ministros também participaram, como Paulo Guedes, da Economia, Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, Ciro Nogueira, Chefe da Casa Civil, Tereza Cristina, Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Em uma das transmissões, Joaquim Leite estava junto do presidente da CNI, Robson Andrade, o presidente da CNA, João Martins, e o presidente da Apex, Augusto Pestana.

A assessoria de imprensa da CNI afirmou que a programação do encontro foi organizada pelo governo federal, por meio do MMA e confirmou o apoio dado pela Confederação para a organização do evento. “A CNI decidiu apoiar o espaço brasileiro na COP26 por entender que os debates e as negociações travadas em Glasgow, na Escócia, são fundamentais para o futuro da indústria e o evento é uma excelente oportunidade para empresas do país mostrarem que estão alinhadas com as melhores práticas globais de sustentabilidade. O estande do Brasil tinha a logo marca da CNI, CNA, porque teve sim um apoio. Foi quem financiou junto do ministério, Apex”. Questionada sobre o valor, a assessoria não repassou o montante.

A Confederação Nacional da Agropecuária (CNA) não respondeu aos questionamentos feitos pela equipe de reportagem e se limitou a enviar o posicionamento do órgão sobre a COP 26. Na nota, a CNA destaca como fundamental a definição do mercado de carbono, adoção do plano de ação para a agricultura, financiamento para o acordo de Paris, mecanismos de adaptação, e de produção e preservação pautadas pela ciência e legalidade.

Gustavo Pinheiro acredita que as duas confederações decidiram participar de maneira mais atividade na presença do Brasil na COP porque a manutenção das posições do país em Madrid, de frear os acordos, poderia impactar nos investimentos no Brasil.

“Tanto o agro no caso da CNA, quanto a indústria no caso da CNI, viram que o Brasil estava efetivamente sendo prejudicado, na sua reputação, em função do mau comportamento do governo. Em Madrid havia tido um comportamento até errático nas negociações, atrapalhando as negociações. O Brasil saiu da COP de Madrid com a sua reputação muito abalada e não à toa foi classificado na imprensa como um projeto pária e formando um pária internacional na agenda de comércios. O bom ou mau comportamento internacional sempre se reflete na agenda de comércio internacional e CNA e CNI tem interesse na agenda de comércio”.

Independente do financiamento do espaço e dos acordos entre indústria, agronegócio e governo federal, Délcio Rodrigues, diretor do Instituto ClimaInfo, faz uma avaliação negativa do espaço oficial do Brasil na COP. “O pavilhão oficial do Brasil foi um fiasco, quase sempre vazio, apresentações muito burocráticas, pouca cobertura da imprensa. O Brasil não tinha muito o que apresentar na COP, apenas reagir a algumas coisas”.

Parceria

O governo federal, por meio de decretos presidenciais, desde 2019 alterou a legislação nacional em situações relacionadas à agropecuária e ao setor da indústria. Levantamento feito pela reportagem mostra que o presidente da república apresentou 35 decretos relacionados à indústria, 36 acerca da agropecuária brasileira. Desses, oito dialogam com os dois setores.

No dia 20 de março de 2020, o presidente decretou a implementação do acordo de Cooperação em Agricultura entre o Brasil e o Uzbequistão, tratado firmado em 28 de maio de 2009. Em suma, o acordo visa o estímulo para o “desenvolvimento em todos os campos da agricultura”.

O Programa Nacional de Crescimento Verde, publicado em 26 de outubro de 2021, no período anterior à COP, não faz qualquer citação direta à indústria ou ao agronegócio para alteração do formato de produção ou mesmo para impor limites para a expansão do agronegócio.

O decreto sinaliza para a necessidade de “aliar o crescimento econômico ao desenvolvimento com iniciativas sustentáveis” e “aprimorar a gestão de recursos naturais para incentivar a produtividade, a inovação e a competitividade”.

Diosmar Filho, geógrafo, doutorando em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da IYALETA – Pesquisa, Ciência e Humanidades, acredita que o Programa Nacional de Crescimento Verde representa o alinhamento entre governo federal, CNI e CNA.

“O programa nacional de crescimento verde nada mais é do que uma resposta direcionada a essas duas entidades, CNI e CNA. Essa questão de crescimento verde é um novo linguajar para falar de crescimento econômico exploratório. Esse programa de emprego verde é a chamada fakenews, a agroindústria brasileira e a indústria de exploração mineral têm um projeto para o país, que é um projeto de exploração”.

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