Por: Fernanda Rosário
No último domingo (8), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que inicia uma intervenção federal no Distrito Federal com o objetivo de pôr fim ao comprometimento da ordem pública. A medida – que ocorre por conta dos ataques de extremistas apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal e ao Palácio do Planalto – gerou dúvidas em algumas pessoas que confundiram o decreto com uma intervenção militar.
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A intervenção federal é uma medida temporária assegurada pela Constituição Federal brasileira de 1988 e é uma possibilidade que existe desde 1891, quando foi promulgada a primeira constituição pós-proclamação da República.
Durante uma intervenção desse tipo, o governo federal fica autorizado, por motivos de segurança, a intervir em situações que eram, originalmente, responsabilidade de poderes estaduais ou municipais.
Conforme define o artigo 34 da Constituição, o governo federal entra em cena nas seguintes situações específicas: manter a integridade nacional; repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra; coibir grave comprometimento da ordem pública; garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; reorganizar as finanças da unidade da Federação; prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial e assegurar a observância de princípios constitucionais, como a forma republicana do país, o sistema representativo e o regime democrático.
A historiadora Rosana Sorbille, professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus Cubatão, avalia que a intervenção do governo federal nesse momento é necessária.
“O governo federal atual é um governo eleito pelo voto democrático, aberto e público. As forças políticas que hoje sustentam o governo Lula são as forças vencedoras. É delas que se espera a liderança política. Uma intervenção do governo federal é uma medida, em última instância, do povo brasileiro que foi às urnas”, comenta.
O decreto de intervenção federal assinado por Lula no último domingo ficará em vigor até 31 de janeiro e se limita apenas à área de segurança pública com o objetivo de acabar com o comprometimento da ordem pública apenas no Distrito Federal, marcado por atos de violência e invasão de prédios públicos dos Três Poderes.
O secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública Ricardo Garcia Cappelli foi nomeado para o cargo de interventor, que será responsável pelas medidas tomadas nesse período e que, no âmbito do Distrito Federal, exercerá o controle operacional de todos os órgãos distritais de segurança pública.
Outro momento da história mais recente brasileira em que uma intervenção federal aconteceu foi a que ocorreu na segurança pública do Rio de Janeiro, decretada em 16 de fevereiro de 2018 pelo então presidente da República, Michel Temer, a pedido do governo fluminense. A justificativa para a intervenção foi o comprometimento da ordem pública no estado devido aos índices de criminalidade.
Intervenção militar é inconstitucional
Já a intervenção militar é uma reação das Forças Armadas no interior do próprio país ou contra um outro território, derrubando a autoridade instituída e tomando o controle. Não há menção a essa medida na Constituição Federal, conforme informações da plataforma Politize, o que configura a ação inconstitucional e um golpe de estado.
Além disso, a plataforma política explica, baseada na própria Constituição, que as Forças Armadas só podem ser acionadas em situações excepcionais, como, por exemplo: estar em guerra com outros países. “Militar é força comandada pelo governo federal para o inimigo externo”, também ressalta a historiadora Rosana Sorbille.
Nos últimos anos, tem sido recorrente manifestações e declarações em apoio à intervenção militar no Brasil. O resultado das eleições de 2022 também desencadearam esse movimento por parte de apoiadores da extrema direita.
O professor Severino Vicente da Silva, doutor em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que uma intervenção do governo federal não tem as mesmas consequências de uma intervenção militar.
“Uma intervenção federal é feita quase sempre a pedido dos próprios estados, encabeçado ora pelos deputados que pedem ao governo federal uma intervenção por entenderem que o governo estadual não estaria cumprindo as suas obrigações”, explica.
“Uma intervenção militar se tivesse ocorrido acarretaria no estabelecimento de uma ditadura militar com o apoio dos setores mais à direita do sistema capitalista brasileiro que estava financiando esses grupos efetivamente”, complementa o professor Severino Vicente.
Segundo o historiador, intervenção militar ocorreu no Brasil em outros momentos, como a mais recente desencadeada pelo golpe militar de 1964, que iniciou uma Ditadura Militar no Brasil que depôs o presidente João Goulart. O regime, que durou até 1985, acumulou uma série de censura, sequestros e execuções cometidas por agentes do governo brasileiro.
Um levantamento feito pela Comissão Nacional da Verdade aponta que 191 brasileiros que resistiram à ditadura foram mortos, 210 estão até hoje desaparecidos e foram localizados apenas 33 corpos, totalizando 434 militantes mortos e desaparecidos.
“Outra intervenção militar aconteceu em 1930 quando há um levante militar que não permite a posse dos eleitos na eleição de 1930 e coloca Getúlio Vargas no poder. Ainda outra intervenção militar é o próprio ato da criação da República do Brasil, que é uma intervenção de setores militares que põe fim à monarquia e estabelece o governo da república”, acrescenta o professor Severino Vicente.
A historiadora e professora Rosana complementa que uma intervenção militar reúne forças que representam um pensamento totalitário, onde o controle inclusive da ideia e as regras da sociedade devem ser definidas com base na obediência e na hierarquia.
“Neste momento histórico, com essas forças que estão se mobilizando, uma intervenção militar seria o obscurantismo, a falta de luz e a barbárie. Obediência e hierarquia fazem parte do sujeito militar. Isso deve servir para os enfrentamentos de guerra, mas não para a vida civil”, destaca Rosana.
Atos em defesa da democracia marcados para esta segunda-feira
Em resposta aos ataques violentos do último domingo ao Três Poderes, associados à terrorismo, notas de diversos movimentos e organizações sociais repudiaram a violação ocorrida, como a publicada pela Coalizão Negra por Direitos. Também foram convocados atos nacionais em defesa da democracia em várias capitais do Brasil.
Na capital paulista, está agendado para às 18h desta segunda (9) um ato em frente ao Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP).
Confira abaixo outros atos anunciados para esta segunda-feira:
📍RJ: Cinelândia, 18h.
📍AM: CDC UFAM, 16h
📍RN: Midway Mall, 17h
📍Uberlândia/MG, Praça Tubal Vilela 18h
📍Poços de Caldas/MG, Coreto 18h
📍Macapá/AP, Praça Veiga Cabral 18h
📍PI. Teresina, Cruzamento da Av. Frei Serafim com Miguel Rosa às 17h +— UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES 🎓✊🏿 (@uneoficial) January 9, 2023
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