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Líderes nas pesquisas, Bruno Reis e Geraldo Jr. têm histórico de alterar a declaração racial

Nas eleições deste ano, ambos concorrentes ao cargo Executivo de Salvador mudaram a autodeclaração de pardo para branco; Especialistas avaliam como o caso de ACM Neto impactou mudança na identidade racial dos candidatos
Imagem é dividida em duas: do lado esquerdo está a foto de Bruno Reis e ao lado direito está Geraldo Júnior

Foto: Divulgação/ Diego Mascarenhas e Roberto Abreu

4 de outubro de 2024

Os dois principais nomes na disputa pela prefeitura de Salvador nas eleições de 2024, Bruno Reis (União Brasil) e Geraldo Júnior (MDB) têm um histórico de mudanças na autodeclaração racial ao longo dos últimos anos.

Autodeclarados como pardos nas últimas eleições, neste ano ambos alteraram a sua identidade racial para brancos, segundo dados disponíveis no portal DivulgaCand, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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Em 2020, Bruno Reis (União Brasil) foi eleito pela primeira vez para comandar o Executivo da capital baiana após ser vice-prefeito na gestão de ACM Neto, em 2016. Durante os dois pleitos, a autodeclaração racial de Reis constava como pardo.

Já em 2014, quando concorreu como deputado estadual pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o atual prefeito de Salvador se autodeclarou como branco e, em 2010, quando disputou o cargo pela primeira vez, não havia informações sobre a raça/cor do então candidato.

O vice-governador e candidato pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Geraldo Júnior, concorre às eleições municipais desde 2004, quando se lançou como candidato a vereador pelo antigo Partido Trabalhista Cristão (PTC), mas renunciou a disputa. Não há informações sobre a autodeclaração racial dele daquele período.

Em 2008, Geraldo Júnior voltou a concorrer a uma vaga na Câmara Municipal de Salvador pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN), mas ficou como suplente. Também não havia informações sobre a sua raça/cor.

Em 2012, ele foi eleito como vereador de Salvador, ainda sem uma autodeclaração racial. A informação sobre raça/cor só apareceu em 2016, quando ele foi reeleito e tinha se identificado como pardo. A informação se manteve a mesma até as eleições de 2020, quando Geraldo Jr. foi eleito como vice-governador na gestão de Jerônimo Rodrigues.

Nas eleições de 2022, na Bahia, a autodeclaração racial do então candidato ao governo do Estado, ACM Neto, gerou uma polêmica após ele se autodeclarar como pardo, logo, uma pessoa negra, segundo definição do Estatuto da Igualdade Racial e do Tribunal Superior Eleitoral.

Em uma entrevista, Neto chegou a sugerir que o IBGE alterasse o conceito de “pardo” e a fala gerou uma repercussão negativa, o que pode ter contribuído para um possível desgaste na imagem do político, que foi derrotado nas urnas por Jerônimo Rodrigues. O petista somou 52,79% dos votos no segundo turno.

À Alma Preta, a cientista social e coordenadora de pesquisas no Observatório da Branquitude, Carol Canegal avalia que, para além de evitar um possível constrangimento, a mudança na autodeclaração de candidatos está associada a uma expressão de privilégio racial da branquitude.

“Esses candidatos certamente não estão dispostos a passar pelo constrangimento público pelo qual passou ACM Neto, um homem branco de família da aristocracia política com longa tradição no Estado e que, à época, inclusive, dizia que ele não se sentia um homem branco, ele se sentia um homem pardo, o que me parece fruto do privilégio racial do que se convencionou chamar de branquitude”, analisa.

Carol Canegal é cientista social e coordenadora de pesquisas no Observatório da Branquitude | Foto: Diego Padilha

Canegal também pontua que o caso de ACM Neto revela estratégias da branquitude em apelar para uma suposta “baianidade negra”.

“Portanto, brancos não estão acostumados a se racializar, eles racializam os outros e se dizer branco, especialmente na Bahia, que é o Estado mais negro do país segundo Censo de 2022, é se afirmar como integrante de grupos de poder, de grupos de opressão”, destaca.

Para o advogado, pesquisador e formador em cursos para membros de comissões de heteroidentificação, Lucas Módolo, é necessário ampliar a discussão sobre a classificação racial dos indivíduos e o lugar do “pardo” no contexto do Brasil.

“Toda a discussão pública que é criada em torno dessas pessoas que se autodeclaram como pardas e tentam se beneficiar de alguma ação afirmativa é pelo simples fato de serem mestiças e não entendem que o pardo pertence a uma categoria jurídica, que é a categoria do negro no Estatuto da Igualdade Racial, e que, na verdade, está se referindo a pessoas que são negras de pele clara, portanto, também são vítimas de racismo na sociedade brasileira”, explica.

‘Afroconveniência eleitoral’

Fruto da pressão do movimento negro brasileiro, a inclusão da informação sobre raça/cor dos/as candidatos/as que disputam as eleições se deu a partir de 2014, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a considerar a autodeclaração como um dado estatístico a fim de coletar a identidade racial de quem faz parte da política institucional do país.

Como forma de incentivar o aumento na representação de pessoas negras na política, em 2020, o TSE adotou uma série de medidas propostas pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), como a destinação dos recursos do Fundo Eleitoral de forma proporcional para candidaturas negras, tempo de propaganda eleitoral de rádio e TV gratuita para mulheres negras, além de garantir que o voto em candidatos negros tenha peso dobrado para o repasse das verbas.

Não coincidentemente, a partir deste período foi possível constatar um aumento no número de candidatos autodeclarados como pretos ou pardos nas últimas 3 eleições (2018, 2020 e 2022), conforme dados apresentados no artigo “Afroconveninência eleitoral no Brasil: Notas sobre as suspeitas de fraude nas declarações raciais de 2022”, do advogado e pesquisador Lucas Módolo.

Em 2018, o percentual de candidaturas negras era de 35%, que passou para 39% em 2019 e 36% em 2022. Já em relação aos candidatos brancos, o resultado mostra uma redução, passando de 53% em 2018 para 49% nas eleições seguintes.

De 2018 a 2022, a pesquisa identificou que 143 candidatos alteraram a autodeclaração racial, sendo 131 de branco para pardo e 12 de branco para preto.

Para evitar possíveis fraudes na destinação dos recursos para candidaturas negras, o pesquisador Lucas Módolo defende a implementação das bancas de heteroidentificação nos pleitos eleitorais e alerta para adoção de medidas com mais rigor por parte da justiça eleitoral.

“A gente viu o que aconteceu há pouquíssimas semanas com a votação no Congresso Nacional da PEC da Anistia. Os partidos políticos votando pelo próprio perdão por terem desrespeitado as regras de cota de gênero e raça nas disputas e essa discussão nem foi tão aprofundada no que diz respeito a essas autodeclarações fraudulentas”, destaca.

Lucas Módolo é advogado, ativista, pesquisador e autor do artigo “Afroconveninência eleitoral no Brasil: Notas sobre as suspeitas de fraude nas declarações raciais de 2022” | Foto: Arquivo Pessoal

A chamada PEC da Anistia (9/2023) foi aprovada em agosto deste ano pelo Senado e estabelece novas regras para os partidos políticos aplicarem os recursos destinados às cotas raciais. Entre os novos acordos estão a possibilidade de parcelar as multas das legendas que descumpriram a cota mínima de recursos para candidaturas negras e a redução dos recursos do Fundo Eleitoral e Fundo Partidário para este mesmo público. Anteriormente, os gastos eram proporcionais ao número de candidatos no partido.

“Isso, de fato, é muito preocupante e mostra que os partidos políticos e todo o sistema político, de maneira geral, ainda estão muito pouco preparados para assumir responsabilidades relacionadas a tornar o nosso parlamento mais diverso”, comenta.

Branquitude e representação política

Na corrida pela disputa eleitoral, a combinação “homem”, “branco” e “com dinheiro” representa a chave para ser eleito. Dados da pesquisa “As chances de ser eleito: Branquitude e representação política” mostram que mais de 70% do financiamento dos candidatos eleitos em 2022 se acumula para brancos.

Apesar dos candidatos homens e brancos representarem o total de candidatos nas eleições de 2022 (33,81%), eles receberam uma verba maior, de 44,05%, se comparado com os demais grupos. Os homens negros, por exemplo, representaram 30,20% dos candidatos e receberam uma verba inferior ao percentual de candidatos, de 23,42%.

Um dos caminhos para a redução dessa disparidade na disputa eleitoral pode ser adotada através do fortalecimento de mecanismos de fiscalização e controle por parte dos órgãos competentes, segundo destaca a coordenadora de pesquisas no Observatório da Branquitude, Carol Canegal.

“Acho também interessante destacar que o movimento negro tem reivindicado, inclusive, a instauração de bancas de heteroidentificação dos candidatos nas eleições, afinal, o que está em jogo é a destinação de verbas públicas para as campanhas de pessoas negras historicamente alijadas dos processos eleitorais de modo a garantir sua participação equitativa nessas corridas eleitorais”, completa.

  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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