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Movimento negro quer que presidente da COP-30 reconheça racismo ambiental

Organizações do movimento negro apontam que o tema do racismo ambiental foi ignorado na Primeira Carta do Presidente da COP-30, o embaixador André Corrêa do Lago.
Presidente da COP-30, o embaixador André Corrêa do Lago.

Presidente da COP-30, o embaixador André Corrêa do Lago.

— Tânia Rego/Agência Brasil

14 de março de 2025

Organizações do movimento negro apontam que a Primeira Carta do Presidente da COP-30, o embaixador André Corrêa do Lago, ignorou o tema do racismo ambiental.

A organização do evento distribuiu o documento a 197 países na segunda-feira (10). Nele estavam listados os desafios da conferência, prevista para acontecer em novembro deste ano, em Belém (PA).

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Na carta, o embaixador convoca um “mutirão global” contra a mudança do clima. Corrêa do Lago afirma que o foco do chamado é “ampliar o financiamento climático para países em desenvolvimento e acelerar a implementação das metas do Acordo de Paris”.

Entretanto, para o Instituto da Mulher Negra – Geledés, o documento erra ao não reconhecer o racismo ambiental.

Isso porque a população negra — que é a maioria dos brasileiros—, está concentrada nas chamadas “zonas de sacrifício”. Nessas regiões predominam ameaças à vida em razão da degradação ambiental.

“As zonas de sacrifício racial incluem territórios indígenas e quilombolas. Elas estão diretamente relacionadas à extração e exploração econômica racista que ocorreu durante a era colonial, pela qual as potências coloniais não foram responsabilizadas”, diz Mariana Belmont, assessora de Clima e Racismo Ambiental do Geledés.

COP-30 deve considerar agenda de enfrentamento às desigualdades

Belmont, que também é jornalista e pesquisadora, explica que a maior vulnerabilidade de pessoas não-brancas à crise climática exige medidas antirracistas para mitigação e reparação de perdas e danos. 

Entretanto, o presidente da COP-30 sequer cita o termo “afrodescendente” ou seus sinônimos.

“O Geledés está preocupado com a ausência de menção e referência à população afrodescendente nos processos preparatórios e de visão da COP-30. Isso ocorre tanto nos documentos quanto nos posicionamentos do Estado brasileiro”, analisa Belmont. 

Para ela, é fundamental que o Estado brasileiro se responsabilize em propor e defender a linguagem que representa dados do seu próprio país.

“Significa ter respeito à história e ao trabalho da população afrodescendente na política ambiental e climática do país e à pressão que tem feito nacionalmente e internacionalmente”, pontua a assessora do Geledés. 

Para isso, o instituto defende que uma correção da carta. Ou seja, pede-se que as próximas comunicações da presidência da COP-30 levem em consideração uma “agenda histórica de enfrentamento às desigualdades sociais e raciais.” 

Belmont revela que o posicionamento do movimento negro será apresentado em reunião com o presidente da COP-30 e com a secretária nacional de Mudança do Clima e CEO da COP-30, Ana Toni. 

“Não só Geledés, mas um conjunto de organizações negras brasileiras vem contribuindo há anos com textos e posicionamentos junto ao Itamaraty. Já é hora do Brasil içar a bandeira do antirracismo e dos direitos dos afrodescendentes nos fóruns multilaterais”, cobra Belmont.

“À luz da situação das mudanças climáticas no Brasil, Geledés defende que as autoridades nacionais e internacionais reconheçam o racismo ambiental”, finaliza.

Movimento negro da Amazônia

O Centro de Estudo e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa) é uma das principais referências do movimento negro na cidade-sede da COP-30. Fundada em 1980, a entidade combate a visão estigmatizada sobre a Amazônia.

A organização chama atenção para o fato de que são as populações negras, indígenas, quilombolas e ribeirinhas são as mais vulneráveis à crise climática.

“Desde sempre, a gente luta para combater o olhar de que a Amazônia é só floresta, um ‘tapete verde’, formado apenas por árvores e rios, aquela imagem aérea, e pensa os ribeirinhos de forma romantizada e indígena como coisa de filme”, protesta o estudante Rui Gemaque, integrante do Coletivo de Juventude Negra do Cedenpa. 

“A Amazônia tem, sobretudo, uma população indígena, preta, remanescente de quilombos, ribeirinha, que também é mais vulnerável a eventos climáticos extremos. Um exemplo disso é o que está acontecendo neste momento com os moradores do município de Chaves, no Marajó. Eles estão enfrentando alagamentos e enchentes cada vez mais rigorosas”, completa o ativista.

Para Gemaque, a Conferência do Clima em Belém é uma oportunidade de atrair os olhares mundiais para os problemas ambientais da Amazônia.

Mas ele acredita que a COP-30 não resolverá os problemas climáticos da população. Ele destaca que as mega obras em curso na cidade para atender a demanda do evento vão na contramão da preservação ambiental.

“Desde que a cidade foi anunciada como sede da COP-30, o que observamos são propagandas políticas, mas nenhum compromisso de fato com o debate ambiental. As próprias obras que se dizem ‘legados da COP’ agridem o meio ambiente — como é o caso da Avenida Liberdade e a duplicação da Rua da Marinha”, afirma o ativista. 

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“Elas desconsideram a geografia da Amazônia, removem populações que vivem nos entornos das obras, assoreiam igarapés, derrubam árvores. A realidade é que os governantes estão mais preocupados em utilizar a COP para fazer negócios do que no quesito social, em de fato alcançar soluções para os problemas climáticos e para a população mais afetada pelas catástrofes”.

Segundo Gemaque, o “mutirão global” contra a mudança do clima deve passar pelo diálogo com as comunidades. “É no conhecimento dos nossos povos que a gente busca estratégias sustentáveis. O modo de vida dos indígenas já existia muito antes dos portugueses chegarem, com suas próprias tecnologias e convivência mútua com a floresta”. 

“A gente espera um novo posicionamento da presidência da COP que inclua toda a diversidade da Amazônia. Que a gente saia dessa lógica desenvolvimentista para um desenvolvimento que pense adaptação climática, ou seja, que resolva os problemas da população com saneamento e mobilidade urbana básica. Assim, talvez os desastres ambientais que se amplificam não nos afetem tanto”, conclui.

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  • Fernando Assunção

    Atua como repórter no Alma Preta Jornalismo e escreve sobre meio ambiente, cultura, violações a direitos humanos e comunidades tradicionais. Já atua em redações jornalísticas há mais de três anos e integrou a comunicação de festivais como Psica, Exú e Afromap.

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