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‘Movimento negro serve na eleição, mas para o poder não’, rebate MNU sobre escolha de Lula para STF

Em 132 anos de existência, o Supremo nunca contou com uma jurista negra em suas cadeiras; Lula indicou Flávio Dino ao cargo
Imagem mostra dois momentos: em um, Lula na cerimônia de posse, ao lado de representantes da sociedade brasileira considerados minorias; em outro, durante a nomeação de Flávio Dino para o STF.

Foto: Reprodução/Agência Brasil

30 de novembro de 2023

Na contramão das solicitações do movimento negro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicou o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, para o Supremo Tribunal Federal (STF), vaga anteriormente ocupada por uma mulher, a ministra Rosa Weber, que irá se aposentar.

Nos últimos meses, diversas campanhas sugeriam a Lula a indicação de uma jurista negra para o cargo, mas o chefe do Executivo ignorou.

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Para a ativista Luka Franca, membra da coordenação estadual do Movimento Negro Unificado (MNU-SP), a escolha de Lula ao STF em nada desmerece a qualidade técnica jurídica e política de Dino. Ela explica que, na verdade, ter uma mulher negra para o cargo era fundamental para endossar a diversidade racial do país, salientada por Lula em sua cerimônia de posse, em que ele subiu a rampa ao lado de vários representantes de minorias sociais.

“Quando o Lula não ouve as mulheres que vinham sendo indicadas e que tiveram seus currículos circulando por Brasília, isso demonstra que o movimento negro organizado ao governo serve no momento eleitoral, mas não para construir efetivamente mudanças mais substanciais na organização do poder brasileiro”, avalia.

O movimento Mulheres Negras Decidem publicou nas redes sociais uma carta aberta ao presidente, em que destaca que a atitude de Lula “não cumpre com o compromisso no enfrentamento dos problemas históricos e urgentes do Brasil”.

“Não há dúvidas que existam mulheres negras prontas e capacitadas para ocupar espaços de decisão. O STF é uma instituição fundamental para garantir o papel democrático do Poder Judiciário, por isso a nomeação de uma mulher negra teria sido um marco histórico e definitivo na conquista de direitos de quase 60 milhões de brasileiras”, diz o informe. 

“Nós, mulheres negras, sempre podemos esperar mais um pouco”

Desde a notícia de que haveria uma vaga em aberto para o Supremo, o movimento Mulheres Negras Decidem formulou uma lista com três juristas negras para persuadir o presidente em sua escolha para uma vaga no STF. Na lista, constam os nomes da juíza carioca Adriana Cruz, da promotora baiana Lívia Sant’Anna Vaz e da advogada gaúcha Soraia Mendes. As indicações são parte da campanha “Ministra Negra Já!”.

Em 132 anos de existência, o Supremo teve apenas três ministros negros, todos homens. A indicação mais recente foi a do ex-ministro Joaquim Barbosa, indicado para o cargo por Lula, em 2003. Barbosa foi o único ministro negro a presidir o STF.

A mestre e doutora em ciências sociais Carol Conegal, coordenadora de pesquisa do Observatório da Branquitude, destaca que a não-nomeação de uma jurista negra para o STF infelizmente corrobora com o racismo estrutural e com o machismo, mesmo que de forma indireta. Para ela, perdeu-se uma oportunidade de ouvir os diversos movimentos negros espalhados pelo país.

“A sensação que fica é aquele pensamento que diz que nós, mulheres negras, sempre podemos esperar mais um pouco por essa chance”, enfatiza. 

A porta-voz do Observatório da Branquitude ainda relembra que a nomeação de Flávio Dino se dá há um pouco mais de uma semana do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, marcado pelo discurso inédito da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. 

“No próprio dia 20 houve um lançamento de pacotes federais pela igualdade racial. E na ocasião, o presidente Lula faz esse aceno público, onde ele fala sobre dívida histórica. E aí temos o STF, composto majoritariamente por homens brancos. Então, nomear uma ministra negra fortaleceria o compromisso público com o direito democrático, o que infelizmente não ocorreu”, salienta.

Como fica a relação do movimento negro com o governo Lula?

“Essa nomeação representava a oportunidade de a gente conseguir pensar uma justiça que possa ser menos colonial, menos branca, antirracista e feminista e é este o processo que se pautou desde o começo do ano”, salienta Luka Franca.

Para a membra do MNU, a ação política brasileira vem construindo uma narrativa para que pessoas, movimentos e ativistas negros se conformem “apenas com o que é possível”, impedindo a construção de novas realidades e lógicas antirracistas, como seria o caso da nomeação de uma ministra negra para o Supremo.

“Isso confronta vários ideais democráticos, não apenas com a nomeação de Flávio Dino, mas inclusive com a indicação do [Paulo] Gonet à Procuradoria-Geral da República”, defende.

Carol Canegal, por sua vez, sugere que é fundamental olhar para o movimento negro com pluralidade, pois não existe apenas uma vertente do ativismo racial. A doutora em ciências sociais levanta a possibilidade de que haja – a partir da decisão do presidente – uma quebra de confiança entre Lula e esse grupo que o apoiou na campanha eleitoral.

“Como houve toda uma mobilização para termos uma ministra negra no STF e o presidente não ouviu essa solicitação, é possível que haja sim, uma mácula”, diz. “Mas, como Lula mesmo costuma dizer, a luta continua”.

  • Caroline Nunes

    Jornalista, pós-graduada em Linguística, com MBA em Comunicação e Marketing. Candomblecista, membro da diretoria de ONG que protege mulheres caiçaras, escreve sobre violência de gênero, religiões de matriz africana e comportamento.

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