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‘Mudanças climáticas tornam urgente transformar a política’, diz Nice Tupinambá, candidata à Câmara de Belém

Candidata a vereadora pelo PSOL na capital do Pará fala em entrevista sobre crise climática, racismo e a luta dos povos indígenas
A indígena Nice Tupinambá, candidata a vereadora de Belém (PA).

Foto: Divulgação

1 de outubro de 2024

A poucos dias das eleições municipais de 2024, marcadas para o próximo domingo (6), a capital do Pará, Belém, com população de 1.303.389, segundo estimativa do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se prepara para escolher os seus novos representantes. Na disputa pelo Legislativo, Nice Tupinambá (PSOL) tenta uma vaga na Câmara de Vereadores da cidade. 

A candidata é jornalista, indígena do povo Kamuta Tupinambá, mãe e ambientalista, tendo atuação política marcada pela defesa dos direitos dos povos indígenas e pela preservação do meio ambiente. 

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Ela nasceu às margens do rio Tocantins, em Guajará de Baixo, Porto Grande/Cametá, e aos 14 anos migrou para Belém em busca de educação e oportunidades.

Em entrevista à Alma Preta, Nice falou sobre os principais desafios ambientais enfrentados pela cidade e como suas propostas políticas estão alinhadas com a luta contra as mudanças climáticas e o racismo. Confira:

Alma Preta: Quais são os maiores desafios que o candidato enxerga na cidade? 

Nice Tupinambá: Como ambientalista, vejo que o maior desafio na nossa cidade hoje é conscientizar a população para que ela contribua de forma mais efetiva na proteção do meio ambiente. Não se trata apenas de colaborar com essa proteção, mas também de exercer um voto consciente, alinhado a esse propósito. É urgente transformar a política, já que as mudanças climáticas estão em curso há muito tempo. Precisamos de políticas públicas robustas e de eleger candidaturas comprometidas com o combate às mudanças climáticas.

Grande parte dos problemas que enfrentamos hoje, como os alagamentos, a falta de saneamento e a escassez de arborização, estão diretamente ligados às mudanças climáticas e à má gestão do poder público. O governo estadual não investe o suficiente em saneamento, e isso é um reflexo da nossa realidade. A transformação é urgente. Não adianta simplesmente pavimentar as ruas se não enfrentarmos as mudanças climáticas com políticas adequadas, como asfaltos com drenagem, saneamento de qualidade, melhor distribuição de água e energia mais acessível. Todos esses desafios estão interligados com a crise climática.

Portanto, acredito que nosso maior desafio é esse: pensar no futuro e transformar a política de modo que ela realmente enfrente os impactos das mudanças climáticas.

Alma Preta: Quais são as principais propostas da candidata?

Nice Tupinambá: Como candidata com uma agenda ambiental, minhas principais propostas estão focadas em questões ambientais e de geração de renda. Estou apresentando um projeto de lei que cria uma linha de crédito para o financiamento de placas de energia solar, facilitando o acesso da população a essa tecnologia. Em Belém, há mais de 300 empresas que atuam na venda de placas solares, mas não existe uma regulamentação adequada para organizar esse mercado. Isso tem permitido fraudes, com algumas empresas aplicando golpes.

O poder público, através da Prefeitura de Belém, já implementou energia solar em mais de 87 escolas, tanto em novas construções quanto em reformas. O novo mercado de São Brás e o complexo Ver-o-Peso também utilizarão energia solar. Portanto, é essencial que transformemos nossa cidade em um modelo de sustentabilidade, especialmente considerando o aumento das temperaturas e os invernos cada vez mais rigorosos, diretamente ligados às mudanças climáticas.

Outro projeto importante é a criação de uma lei que proíba a pavimentação de ruas sem a devida drenagem. Antes de qualquer obra, é necessário realizar um estudo de impacto ambiental para determinar se a rua precisa de drenagem superficial ou profunda.

Também proponho projetos de arborização urbana e incentivo fiscal, como descontos no IPTU para moradores que mantenham áreas verdes em suas propriedades. Além disso, estou desenvolvendo o projeto ‘Mais Açaí, Menos Plástico’, que incentiva a coleta seletiva por meio de um sistema de troca: a população poderá recolher plástico, como garrafas PET, entregá-los nos ecopontos da prefeitura, acumular pontos e trocar por açaí em estabelecimentos conveniados. Pretendemos expandir esse projeto para farmácias e supermercados, visando retirar o máximo possível de plástico das ruas, já que ele entope bueiros e agrava os alagamentos.

Esses três projetos principais visam melhorar o clima e a qualidade de vida em nossa cidade, com foco na sustentabilidade e no combate às mudanças climáticas.

Alma Preta: Como a vereança pode incidir na luta contra o racismo?

Nice Tupinambá: No parlamento, poderemos discutir amplamente a questão do racismo. Nossa cidade é constituída por indígenas e negros, e como candidata indígena, tenho o compromisso de trazer à tona o debate sobre o racismo contra os povos indígenas. Somos invisibilizados na cidade e enfrentamos racismo sempre que afirmamos nossa identidade e ocupamos espaços públicos. Como vereadora, poderei propor projetos de lei e promover o cumprimento das leis de educação sobre racismo nas escolas, algo que não está sendo devidamente respeitado, como previsto nas leis 11.645 e 14.519.

Além disso, podemos desenvolver materiais educativos, como cartilhas, e fomentar debates com a sociedade. Um dos projetos que pretendo apresentar é direcionar parte do orçamento de publicidade dos governos, como o da prefeitura, para campanhas publicitárias de combate ao racismo. Isso garantiria que uma parcela desses recursos fosse dedicada à produção de materiais que promovam a conscientização e a luta contra o racismo.

Alma Preta: As Câmaras brasileiras são amplamente de direita. Como é possível agir nesse ambiente para garantir o avanço de propostas antirracistas?

Nice Tupinambá:  Já conseguimos aprovar leis antirracistas em todo o Brasil, mesmo enfrentando uma Câmara retrógrada. Isso foi possível graças à articulação e à mobilização popular. Precisamos continuar mobilizando a sociedade civil para pressionar e gerar o constrangimento necessário. Com a proximidade da COP30, acredito que os vereadores pensarão duas vezes antes de se oporem a projetos antirracistas e ambientais. Estou confiante de que conseguiremos engajar a sociedade e fortalecer nossa presença política, elegendo uma bancada maior comprometida com essas lutas. Por isso, acredito que é possível avançar ainda mais.

Alma Preta: Sua atuação política é marcada pela defesa dos direitos dos povos indígenas e pela preservação do meio ambiente. Como essas pautas se conectam com a luta antirracista no contexto urbano?

Nice Tupinambá: Estabelecemos uma conexão perfeita ao tratar dessa questão, pois muitas pessoas ainda acreditam que o meio ambiente se limita à mata fechada, como do outro lado do rio Guamá, quando, na verdade, o meio ambiente é o lugar onde vivemos. O racismo também se manifesta nas políticas públicas. Quando não há políticas voltadas para nós, quando somos invisibilizados na cidade e sequer somos contabilizados nos dados que orientam as políticas públicas, isso é uma questão racista.

Temos conectado essas questões e promovido esse debate em nossa campanha, que tem sido muito bem recebida. As pessoas estão entendendo que o alagamento de suas ruas também é resultado das mudanças climáticas e que grande parte das pessoas que vivem nas periferias, principalmente nas áreas próximas aos canais e rios aterrados, são negras e indígenas, vivendo em situação de marginalização. A periferia de Belém foi construída por povos indígenas, que foram deslocados para esses bairros periféricos, como Jurunas e Guamá, durante a colonização, quando houve a higienização do centro da cidade. Hoje, essas áreas abrigam grandes populações que ainda enfrentam desafios históricos.

Estamos conectando essa luta, e as pessoas estão compreendendo que os problemas ambientais também são questões de classe e de raça, que afetam profundamente nossa cidade.

Alma Preta:  Você tem falado sobre a importância de políticas públicas que respeitem as especificidades culturais e raciais. Quais projetos você planeja apresentar para assegurar que essas políticas sejam efetivamente implementadas?

Nice Tupinambá: Um dos principais projetos que vou apresentar está relacionado à geração de renda. Precisamos melhorar as condições de renda do nosso povo, especialmente das pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social, que em sua maioria são negras e indígenas. Belém já conta com o programa Bora Belém, e minha proposta é ampliá-lo para atender, de forma específica, pessoas negras, indígenas e trans. Vou propor um aumento dos recursos destinados a essa pauta, para que possamos ampliar o alcance do programa e oferecer mais oportunidades ao nosso povo.

Outra proposta é a criação de creches noturnas, voltadas principalmente para mães da periferia, que, em sua maioria, são indígenas e negras. Isso dará a elas melhores condições para trabalhar e, principalmente, para estudar, que é uma das maiores demandas que temos identificado.

  • Jean Albuquerque

    Formado em Jornalismo e licenciado em Letras-Português, morador da periferia de Maceió (AL) e pós-graduado em jornalismo investigativo pelo IDP. Com experiência em revisão, edição, reportagem, primeira infância e jornalismo independente. Tem trabalhos publicados no UOL (TAB, VivaBem, ECOA e UOL Notícias), Agência Pública, Ponte Jornalismo, Estadão e Yahoo.

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