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Mulheres negras e homens brancos: as desigualdades de candidaturas e bens nas eleições

Homens brancos declararam, em média, R$ 7,3 milhões, enquanto mulheres pretas declaram R$ 848 mil em média. Apenas 4,5% das candidaturas às prefeituras de capitais são de mulheres pretas, enquanto 49% dos candidatos são homens brancos
Eduardo Ramlow, candidato a prefeito de Vitória (ES), e Eslane Paixão, candidata a prefeita de Salvador (BA).

Foto: Reprodução/Redes sociais

3 de outubro de 2024

Nas prefeituras de todas as capitais, há um total de 192 candidatos, dos quais apenas 18 são de mulheres negras, com nove pardas e nove pretas – ou seja, 9% do total. Dados do Censo de 2022 apontam que as mulheres negras são 28% da população brasileira. Em paralelo, 95 homens brancos são candidatos nessas mesmas cidades, representando 49% das opções de voto para prefeito. E essa desigualdade se reforça em relação ao valor dos bens declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os bens somados de todos homens brancos que concorrem a uma capital no país chegaram à quantia de R$ 696 milhões, com uma média de R$ 7,3 milhões por candidato. Enquanto isso, as candidatas autodeclaradas pardas somam R$ 14 milhões, com R$ 1,5 milhão de média, e as pretas alcançam R$ 7,6 milhões, com uma média de R$ 848 mil por candidata. As brancas chegam ao valor de R$ 21,1 milhões, com a média de R$ 963 mil.

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Uma das poucas candidatas negras é Eslane Paixão, 31 anos, filiada à Unidade Popular (UP), e candidata à prefeitura de Salvador. Ela declarou um patrimônio de R$ 45 mil, uma casa do programa federal Minha Casa, Minha Vida. Ela é a única mulher negra na disputa da capital baiana e não tem sido convidada para participar dos debates eleitorais.

Em entrevista para a Alma Preta, Paixão contou que tem como prioridade construir programas de moradia para a cidade. “A gente entende que o direito à moradia é um direito humano e na nossa cidade a prefeitura não aplica medidas que estão na lei como é o caso do Estatuto das Cidades que prevê, por exemplo, a destinação de imóveis como esse aqui, a Casa Preta Zeferina, que estava abandonada e hoje funciona como escola moradia”, explicou.

Na região Sul, nenhuma mulher preta ou parda concorre ao cargo de prefeita, enquanto apenas uma mulher parda na região Centro-Oeste e uma outra mulher preta no Sudeste. As maiores presenças estão no Nordeste e Norte, ambas com quatro mulheres pretas e quatro pardas por região.

Tainah Pereira, coordenadora política da Mulheres Negras Decidem, acredita que são inúmeras as dificuldades enfrentadas por mulheres negras para disputarem cargos como o de prefeita de uma capital do país.

“As principais barreiras são a sobrecarga de trabalho de cuidados, o subfinanciamento das campanhas e a violência política de gênero e raça, inclusive a que acontece dentro dos próprios partidos políticos. A trajetória de uma mulher negra na política deve ser entendida como uma maratona, não como uma competição de tiro curto”, afirma.

Os homens brancos são maioria em todas as regiões: no Sul, são 18; no Sudeste, 23; no Centro-Oeste, 11; no Nordeste, 27; e no Norte, 16. E, como não é de surpreender, esse é o perfil do mais rico: Sandro Mabel (UB), que disputa a prefeitura de Goiânia, tem patrimônio declarado de mais de R$ 313 milhões, segundo o TSE, e é o mais rico dentre os que disputam as capitais brasileiras.

A quantia representa 44% de tudo o que foi declarado pelos candidatos brancos das capitais. Mabel, como é conhecido, foi deputado estadual em Goiás e depois federal, por cinco mandatos. A riqueza da família vem da fundação da fábrica de bolachas Mabel, em 1953, antes do nascimento de Sandro, e da venda da indústria para a Pepsico em 2011.

Por trás da desigualdade

Assim como Mabel, Eduardo Ramlow, empresário e representante do Avante, é um dos homens brancos que tentam a prefeitura de Vitória (ES) e declarou R$ 20,7 milhões em bens. Ramlow diz que tem como meta transformar a capital capixaba em uma Smart City. A reportagem entrou em contato com a campanha, mas não obteve um retorno até a publicação.

Discursos como esse, vindos de empresários e oligarcas, costumam despertar a admiração de grande parte do eleitorado, analisa Douglas Belchior, um dos fundadores da Uneafro Brasil.

“As pessoas tendem a admirar empresários, a vê-los como pessoas bem-sucedidas que vão conseguir gerenciar bem o governo e o Estado, como gerenciam suas empresas”, explica.

O líder de movimento social acredita que empresários podem levar vantagem durante pleitos eleitorais por conta das redes que esses sujeitos têm. “Pessoas com grande patrimônio conhecem outras pessoas com grande patrimônio. Então, não necessariamente ele precisa usar a sua própria riqueza para financiar a sua campanha eleitoral. Quando ele está candidato, ele está fazendo isso com um grupo de interesse”, afirma Belchior.

Diferentemente dos homens brancos, o valor total declarado por candidatos pretos é de R$ 6,4 milhões, com uma média de R$ 432 mil por candidato. A quantia é menor do que a de candidatos pardos que, somados, chega a R$ 94 milhões, com uma média de R$ 2,3 milhões por candidato. 

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Pereira, do  Mulheres Negras Decidem, acredita que a diferença entre homens brancos e os demais grupos sociais está para além do patrimônio desses candidatos. Para ela, faltam ações mais consistentes de distribuição do dinheiro público para garantir maior diversidade no pleito.

“É a apropriação dos recursos públicos, cada vez mais volumosos, e a falta de ações afirmativas eleitorais específicas para incentivar mulheres negras a ocuparem a política institucional, que comprometem o sucesso eleitoral do maior grupo demográfico do Brasil. E assim, seguimos com mulheres negras representando mais de 28% da população brasileira, enquanto são apenas 4% das prefeitas no país”, explica.

Os números, contudo, sofrem a influência de candidaturas com valores acima da média. Luís Eduardo Grangeiro Girão, candidato à prefeitura de Fortaleza, autodeclarado pardo, apresentou a quantia de R$ 48 milhões, pouco mais da metade de todo o patrimônio dos homens pardos do Brasil. Para as mulheres pretas, a candidata à cidade de Palmas, capital do Tocantins, Janad Valcari, autodeclarada preta, apresentou para a justiça eleitoral um patrimônio de R$ 5,6 milhões, o equivalente a 73% da soma de bens de todas as candidatas pretas nas 26 capitais.

Janad Valcari, candidata a prefeita de Palmas (TO) e Luiz Eduardo Girão, candidato a prefeito de Fortaleza (CE). Fotos: Reprodução/redes sociais e Roque de Sá/Agência Senado
Janad Valcari, candidata a prefeita de Palmas (TO), e Luiz Eduardo Girão, candidato a prefeito de Fortaleza (CE). Fotos: Reprodução/redes sociais e Roque de Sá/Agência Senado

Os dois casos levantam a discussão sobre autodeclaração no país e seus impactos sobre as estatísticas eleitorais. Lucas Módolo, advogado e doutorando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisa e acompanha o tema há anos, com mais enfoque no debate sobre autodeclaração dentro das universidades, e acredita que a autodeclaração tem implicações práticas na realidade brasileira.

“Alguns deles, de fato, acham que são pardos, porque são pessoas mestiças, são nordestinas, tem pais que são pardos. Mas não entendem que, na verdade, ser pardo no Brasil, na prática e juridicamente, também significa ser uma pessoa negra. A gente acaba escondendo o fato de que, na verdade, grande parte desses candidatos homens negros de pele clara, esses homens pardos, na verdade, eles não têm essa quantidade de bens que esse único candidato está fazendo representar na dimensão do conjunto dos candidatos”, explica. A reportagem pediu um posicionamento para a campanha de Janad Valcari e Luís Eduardo Grangeiro Girão, mas não obteve um retorno até o fechamento da reportagem.

Módolo é um homem negro de pele clara, que se autodeclara para documentos oficiais como um homem pardo. Para ele, é preciso ter responsabilidade com as estatísticas para não alterar a percepção da realidade.

“Ainda que politicamente eu me apresente como uma pessoa preta, para fins de dados sociais eu preciso me colocar como pardo, porque do contrário, isso poderia gerar uma distorção nos dados. Então eu sou um homem negro de pele parda, que estou fazendo um doutorado no programa de Direito do Estado aqui na Faculdade de Direito da USP. Se eu falo para a Universidade de São Paulo que eu sou preto e não pardo, eu vou estar mentindo. Se eu minto os dados, eu passo a informação incorreta para os órgãos sociais, eu deixo de chamar atenção para um problema que é também o problema do colorismo”, conclui.

Assinam essa reportagem, uma parceria entre Geledés – Instituto da Mulher Negra e Alma Preta, Pedro Borges, Fábio Almeida Santos, Evelyn Arruda Silva, Aimmeé Araújo, Mariana Clarissa, Elanny Vlaxio, Laysa Andrade, Fábio Azevedo, Thainá Rocha da Silva, Ester Nascimento e Ana Beatriz Menezes. A reportagem foi produzida pelos estudantes do “Curso de Multimídia de Geledés Instituto da Mulher Negra”.

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