Nesta quarta-feira (30), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento de sete ações ambientais e climáticas que buscam garantir a preservação do meio ambiente no país. Além disso, os pedidos feitos, em sua maioria por partidos políticos, buscam denunciar a desproteção ambiental inconstitucional que tem ocorrido no Brasil e que impacta, sobretudo, as populações mais vulneráveis.
Entre as ações em pauta, estão denúncias sobre o avanço do desmatamento ilegal e de outros crimes ambientais na Amazônia, a paralisação do Fundo Amazônia e a exclusão da sociedade civil no conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente.
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O Pacote Verde, como tem sido definida a agenda de ações ambientais a serem julgadas, foi criada após a pressão feita no Ato pela Terra, que aconteceu em 9 de março em Brasília onde artistas e movimentos sociais reunidos pediram aos Poderes Judiciário e Legislativo a efetivação de medidas para defender o meio ambiente.
De acordo com Caio Borges, advogado e coordenador do Portfólio de Direito e Clima do Instituto Clima e Sociedade, é importante que o STF dê uma resposta firme aos retrocessos ambientais que estão acontecendo no Brasil.
“Acho que esse julgamento simboliza a importância da questão ambiental hoje para a agenda constitucional. O STF ao julgar essas ações vai estar também analisando de que medida a Corte pode e deve analisar as ações e as omissões dos demais poderes à luz da Constituição”, explica o advogado.
Ações ambientais e climáticas em pauta e impactos sobre a população
Ações buscam impedir retrocessos nas políticas ambientais do Brasil | Crédito: Reprodução/ Mundo Educação
Estão em pauta três Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) e duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI). Seis destas ações estão sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia e uma da ministra Rosa Weber
De acordo com Caio Borges, o que está em jogo é a efetividade de políticas ambientais climáticas que são fundamentais para que o Brasil cumpra com seus compromissos climáticos nacionais e internacionais.
“Estamos falando de ações que dizem respeito a questões que impactam diretamente na vida das pessoas, como a qualidade do ar que mata milhares de pessoas por ano no Brasil, e também sobre desmatamento que tem impactos diretos, principalmente para as populações tradicionais e indígenas da Amazônia. Além disso, o desmatamento é uma grande fonte de emissão de gases de efeito estufa”, explica.
A ADPF 760 denuncia os atos de omissão da União, incluindo o Ministério do Meio Ambiente e entidades administrativas federais, como o Ibama, o ICMBio e a Funai, que provocaram o aumento do desmatamento, queimadas e incêndios na Amazônia entre 2019 e 2020.
Os requerentes da ação sustentam que a região da Amazônia está passando por um acelerado processo de desmatamento predatório, que já eliminou 19% de sua cobertura florestal original, de forma a se aproximar de um ponto de não retorno, em que são previstas mudanças irreversíveis, com perdas aos serviços ecossistêmicos.
Além disso, os denunciantes argumentam que há atos omissivos destinados a inviabilizar a implementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), incluindo-se a desestruturação dos órgãos e entidades federais.
O PPCDAm, criado em 2004, tem como objetivo reduzir de forma contínua o desmatamento e criar as condições para a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal.
De acordo com Diosmar Filho, doutorando em Geografia na Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da IYALETA – Pesquisa, Ciência e Humanidades, ao plano de prevenção e controle do desmatamento não estar funcionando, há uma violação de direitos fundamentais.
“A gente tem um impacto ambiental, que é a importância da Amazônia em um ecossistema global. O segundo ponto é que se está falando de um território onde se tem uma maioria de população negra, que é o território da Amazônia Legal”, explica o pesquisador.
A Amazônia Legal é uma região que representa 59% do território brasileiro, englobando nove estados e 762 municípios. Na região, habitam 13% da população brasileira, além de 60% dos povos indígenas do país e 876 comunidades quilombolas com certidão de autorreconhecimento.
A ADPF 735 fala sobre o emprego das Forças Armadas em ações na faixa de fronteira, nas terras indígenas e nas unidades federais de conservação ambientais e em outras áreas federais nos estados da Amazônia Legal. Além da criação da Operação Verde Brasil 2, no âmbito do Ministério da Defesa para realizar ações contra delitos ambientais.
Essa ação aponta como essas determinações retiram a autonomia do Ibama para atuar como agente de fiscalização e concorrem para o desmonte da política ambiental brasileira, além de promover militarização da política ambiental.
A ADPF 651 declara a inconstitucionalidade de um decreto que exclui a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), deixando de ter um caráter democrático.
A ADO 54 alega a omissão inconstitucional do Presidente da República e do Ministro do Meio Ambiente na tarefa de combater o desmatamento, em que é sustentado que Bolsonaro em todas as suas declarações faz pouco caso do meio ambiente ou do desmatamento extensivo da Amazônia.
A ADO 59, única sob a relatoria da ministra Rosa Weber, fala sobre a União deixar de disponibilizar 1,5 bilhão de reais, já em conta, que legalmente deveriam ser desempenhados para financiar projetos de preservação na Amazônia Legal.
“Todos esses programas constitucionais estabelecidos ao não serem implementados causam ampliação e aprofundamento de desigualdades urbanas na Amazônia Legal”, pontua o pesquisador Diosmar Filho.
A ADI 6148 trata-se da ação feita pela Procuradoria-Geral da República, contra a Resolução Conama 491, de 19 de novembro de 2018, que dispõe sobre padrões de qualidade do ar. A ação sustenta que a Resolução Conama n.º 491/2018 não regulamenta de forma minimamente eficaz e adequada os padrões de qualidade do ar, deixando desprotegidos os direitos fundamentais à informação ambiental, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e, consequentemente, à vida.
Já a ADI 6808 aponta que a pretexto de ampliar a ‘desburocratização’ dos procedimentos para a liberação de atividades econômicas, o art. 6º da Lei n. 11.598/2007 – que estabelece a REDESIM – flexibiliza o procedimento de licenciamento também para as atividades econômicas consideradas de médio risco”.
O geógrafo Diosmar Filho pontua que as ações ajuizadas para julgamento no STF deveriam reconhecer mais também os impactos sobre as comunidades quilombolas, acionando no processo também a Fundação Cultural Palmares e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgãos que também estão envolvidos quando se fala em medidas de preservação e desmatamento na Amazônia Legal.
“Ao não colocar a Palmares nestas ADPFs, se limitou questões como o direito das comunidades quilombolas. Elas ficaram de fora dessas questões e desse debate, como se o plano não impacta também a vida das comunidades quilombolas. É sempre não vendo a dimensão dos territórios quilombolas como parte de um processo de conservação e preservação da Amazônia”, explica.
Julgamento em andamento
Ministra Cármen Lúcia é a relatora de seis das sete ações em julgamento | Crédito: Nelson Jr./ STF
O julgamento está em andamento na tarde desta quarta-feira e pode levar mais dias até ser concluído. Segundo o advogado Caio Borges, a melhor decisão é que o STF julgue procedente todas as ações, porque todos os pedidos tem embasamento constitucional.
“São pedidos para que o STF impeça o aprofundamento do desmonte de políticas públicas, para que o STF garanta a participação e a pluralidade de vozes nas decisões que dizem respeito ao meio ambiente e para que o STF garanta que o Brasil não será um país atrasado em relação aos demais países”, finaliza.
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