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População de Belém espera novos ônibus em meio a reclamações sobre as condições do transporte

A péssima condição do transporte público coletivo é um dos problemas centrais da capital que receberá a COP-30, em novembro de 2025.
Imagem mostra o início dos testes dos ônibus elétricos com usuários em Belém.

Foto: Joyce Ferreira/Agência Belém

4 de outubro de 2024

Resumo da Notícia

    • Prefeitura de Belém adquiriu 10 ônibus elétricos, equipados com ar-condicionado e Wi-Fi, que estão em testes

    • Enquanto isso, população ainda utiliza ônibus antigos e reclama das condições dos veículos

    • Tema causa impasse às vésperas das eleições municipais entre o município, estado, órgãos de fiscalização, parlamentares e candidatos à prefeitura

Por que é importante saber disso? A atual gestão da prefeitura de Belém dá os primeiros passos para a criação da primeira frota municipal da cidade, iniciativa que visa solucionar um problema central da capital da COP-30, que é a péssima condição do transporte público coletivo. 

“Eu nunca vi ou andei nos novos ônibus com ar-condicionado. Eu sei que alguns já estão em teste, mas eles não vão para a minha rota. Se for cumprido tudo que está sendo prometido, vai trazer muito benefício para a população, sim. A esperança é a última que morre, né? Vamos torcer para que tudo dê certo”.

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O relato da merendeira Silvia Bandeira se assemelha ao de muitos usuários do transporte público coletivo de Belém, que esperam por melhorias no serviço. Às vésperas do primeiro turno das eleições municipais, o tema do transporte tem sido um dos principais focos das campanhas e das denúncias entre os candidatos à prefeitura. A péssima condição do transporte público coletivo é um dos problemas centrais da capital que receberá a COP-30, em novembro de 2025.

A atual gestão do prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL) aposta na renovação dos veículos e na aquisição de uma frota municipal de ônibus elétricos, sustentáveis e equipados com ar-condicionado e Wi-Fi. Cinco desses ônibus já passam por testes com usuários desde o dia 13 de setembro e funcionam como reforço nos horários de pico aos veículos administrados pelas nove empresas que executam o serviço na Grande Belém.

Além dos cinco ônibus elétricos já em operação, outros cinco já foram pagos pela administração municipal e aguardam o fim dos testes dos primeiros cinco para serem solicitados da fábrica. Mais 20 desses veículos ainda devem ser adquiridos pela prefeitura, segundo o contrato. 

No novo sistema, a gestão municipal deve dividir a operação do serviço juntamente com as empresas. Para isso, a prefeitura e o governo do estado concederam isenções fiscais às nove empresas para que tivessem recursos para a compra de 300 novos ônibus com ar-condicionado. Eles deveriam ser entregues em março deste ano, mas, de acordo com a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob), até o momento, apenas 11 veículos entraram com pedido de regularização no órgão.

Enquanto isso, a população segue enfrentando a péssima qualidade do serviço. De acordo com usuários ouvidos pela Alma Preta, os principais problemas da atual frota são a superlotação, o calor e a precariedade. “Os ônibus que fazem a linha Satélite UFPA dão ‘prego’, tem buraco dentro, não funciona nada. Às vezes, nem o sinal para parar funciona e a gente desce pontos depois”, denuncia a estudante Maria Luísa Furtado.

A situação é ainda mais agravada para os idosos. É o caso do aposentado Luiz Otávio Silva, que já evita sair de casa por conta da precariedade do transporte, sobretudo na periferia da cidade. “Os melhores são os que operam na faixa expressa e alguns que fazem linha na cidade. Mas os que vão para a periferia, são horríveis, sabe? Satélite, Sideral, Tenoné, Icoaraci…”, citou alguns.

“Eu já me machuquei nos ônibus, porque, de tão cheio, os homens ficam segurando a porta e não deixam as mulheres principalmente passarem. Fica bem complicado. Isso sem falar na demora, no calor, na queima de parada, chove e molho tudo… É muita dificuldade”, relata Silva.

Semob explica funcionamento da nova frota municipal de ônibus elétricos

Em entrevista à Alma Preta, a superintendente da Semob, Ana Valéria Borges, detalhou que os primeiros cinco ônibus adquiridos são elétricos, equipados com ar-condicionado e Wi-Fi, entrada USB e dispõem de mecanismos de acessibilidade, como piso baixo total. Além disso, a compra acompanha 15 carregadores para as baterias dos ônibus elétricos. Tecnologia inédita em Belém, os veículos passam por diversos testes para conferir a adaptação da bateria ao clima de Belém e as condições do asfalto em diferentes pontos da cidade, alguns com buracos e desgastes.

Atualmente, três desses ônibus fazem a rota Terminal São Brás-Terminal Mangueirão via faixa expressa, como reforço nas horas de pico, em nove horários de segunda à sexta-feira e 14 horários aos sábados (ver horários completos abaixo). Segundo a superintendente, os horários aumentarão de forma gradual, sem previsão para o encerramento dos testes.

Três ônibus fazem a rota Terminal São Brás-Terminal Mangueirão via faixa expressa, como reforço nas horas de pico, em nove horários de segunda à sexta-feira e 14 horários aos sábados.
Três ônibus fazem a rota Terminal São Brás-Terminal Mangueirão via faixa expressa, como reforço nas horas de pico, em nove horários de segunda à sexta-feira e 14 horários aos sábados. Foto: Fernando Assunção

“Esse aumento dos horários das viagens precisa ser gradual, porque há um fato novo a se observar que é a bateria. Então temos que analisar o comportamento da bateria no ambiente como o nosso, muito quente e muito úmido. Também, apesar de não termos variações de relevo, a gente tem que ver como isso impacta no consumo da bateria”, explica a superintendente.

Os outros dois veículos passam por testes em novos itinerários, em pontos como a Universidade Federal do Pará (UFPA), no bairro do Guamá, e a área central de Belém. Mais cinco veículos já foram pagos pela prefeitura e esperam o fim dos testes dos primeiros cinco para serem solicitados da fábrica, de acordo com a Semob. 

“Os sistemas com ônibus elétricos são inseridos gradualmente, porque eles são diferentes do ônibus a diesel. Para se ter uma noção, a nossa média de tempo está variando de 22 a 25 minutos em um percurso que no tráfego geral chega a uma hora. Está se fazendo toda essa análise dos dados, incluindo a temperatura de acordo com o horários, o peso dos ônibus, o impacto disso na bateria e velocidade, já que são veículos mais leves”, completa. O menor intervalo de tempo para o percurso está atrelado à faixa expressa.

Superintendente da Semob, Ana Valéria Borges, em entrevista à Alma Preta. Foto: Fernando Assunção
Superintendente da Semob, Ana Valéria Borges, em entrevista à Alma Preta. Foto: Fernando Assunção

300 ônibus devem ser adquiridos pelas empresas, mas só onze foram registrados na Semob

Além dos 30 ônibus elétricos adquiridos pela prefeitura, outros 300 com ar-condicionado devem ser garantidos pelas nove empresas operadoras de transporte público coletivo, a maioria vinculada ao Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belém (Setransbel). Os recursos para compra dos ônibus pelas empresas são provenientes de isenções fiscais feitas pela administração municipal e pelo governo do estado.

De acordo com Ana Valéria Borges, um acordo foi firmado, em outubro de 2023, que garante às empresas desonerações de impostos, como o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), a taxa de gerenciamento, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o combustível e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Tudo isso para garantir condições às empresas para aquisição dos novos veículos.

Seguindo esse planejamento, de acordo com a Semob, os 300 novos ônibus deveriam ter chegado em Belém a partir de março deste ano, mas o prazo foi sendo adiado. Atualmente, só duas empresas deram entrada na superintendência para a inclusão de onze novos ônibus, com processo já em tramitação: oito da empresa Monte Cristo e três da Viação Santa Rosa.

Mas além dos onze ônibus com pedidos em tramitação, há relatos de que pelo menos 51 já chegaram a Belém. O vereador Fernando Carneiro (PSOL) usou as redes sociais para denunciar que esses ônibus estão guardados, “escondidos, mofando e levando poeira”, nas palavras do parlamentar, nas garagens das empresas Transcol, Monte Cristo, São José, Santa Rosa, Arsenal, Águas Lindas, Autoviária Paraense, Viação Forte e Vialoc.

De acordo com Carneiro, o governador do estado, Helder Barbalho (MDB), em briga política com a prefeitura, pressiona os empresários para impedir o acesso dos ônibus à população. “Eles não estão rodando porque o governador do estado está brigando com a prefeitura, ele não quer que você ande nesses ônibus, porque acha que se andar nos ônibus vai beneficiar Edmilson Rodrigues, prefeito de Belém”, afirmou o vereador.

A tentativa de impedir a circulação dos novos ônibus seria para favorecer o candidato do governador à Prefeitura de Belém, Igor Normando (MDB), primo de Helder e líder nas pesquisas. Normando é lembrado pelo fato de que, quando foi vereador em 2017, votou contra um projeto de lei que obrigava as empresas de transporte a instalarem ar-condicionado nos veículos. A negativa foi em maio de 2017, quando, por 18 a 3, a Câmara Municipal de Belém reprovou o projeto.

Fernando Carneiro ainda diz que os 51 ônibus chegaram há cerca de dois meses e meio em Belém e que o próprio governador intercedeu junto às empresas para que elas não apresentassem os novos veículos. “Enquanto governador, pessoa física, o Helder pode fazer campanha para quem ele quiser, é um direito assegurado pela democracia, mas o que ele não pode é privar a população de andar de ônibus com ar-condicionado para favorecer politicamente o seu primo”, concluiu.

A superintendente Ana Valéria Borges disse que só pode se pronunciar sobre aqueles ônibus que já estão em processo de regularização na Semob, mas que manter veículos nas garagens “é um prejuízo para a população de Belém”. 

“A nossa frota é uma frota antiga. Então, quando você não coloca esses ônibus à disposição, você está prejudicando não somente um órgão, mas uma população inteira. A prefeitura está tentando, sob todos os esforços, proporcionar esse serviço à população, mas a gente precisa que todos sejam responsáveis em relação ao processo”, ressaltou.

A reportagem procurou a Setransbel para saber por que os 300 novos ônibus não foram entregues dentro do prazo, qual o novo prazo para que os veículos sejam apresentados à Semob e os motivos das empresas não terem dado entrada no processo de regularização dos 51 ônibus que já estão em Belém. O sindicato das empresas ainda não se manifestou.

TCM suspendeu compra de ônibus elétricos sob alegação de sobrepreço, mas voltou atrás

O impasse em relação aos novos ônibus, que envolve prefeitura, empresas e estado, já chegou ao Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCMPA). Em 10 de julho deste ano, a conselheira do TCMPA, Ann Pontes, determinou que a Semob suspendesse o contrato da compra dos 30 ônibus elétricos da frota municipal e 15 carregadores.

Na decisão, a conselheira apontou supostas irregularidades, como sobrepreço, além de falta de planejamento adequado do estudo técnico e inclusão equivocada de requisito na licitação. As irregularidades foram negadas pela prefeitura. Esta foi a segunda decisão do TCMPA suspendendo a licitação para compra de ônibus elétricos em Belém.

Entretanto, após recurso da prefeitura, no dia 29 de agosto, a própria conselheira Ann Pontes determinou a suspensão da medida cautelar que interrompia a compra. No documento, ela disse que a decisão ocorreu após audiência onde a Semob se comprometeu a apresentar um projeto piloto para operação dos ônibus e o planejamento quanto a guarda/seguro, manutenção e operação dos ônibus.

Sobre essas alegações, a superintendente da Semob, Ana Valéria Borges, afirmou que a prefeitura está cumprindo o compromisso firmado com o TCM e alega que os preços dos ônibus estavam compatíveis com o mercado. De acordo com ela, a compra dos 30 ônibus elétricos foi feita a partir de recursos municipais, federais via PAC Mobilidade e financiamento junto a instituições financeiras.

A tentativa de suspender a compra dos ônibus elétricos foi alvo de manifestações encabeçadas principalmente pelos parlamentares do PSOL, incluindo a deputada estadual Lívia Duarte, e os vereadores Gizelle Freitas da Bancada Mulheres Amazônidas, Fernando Carneiro e Enfermeira Nazaré.

As alegações foram principalmente de que a conselheira que barrou a compra, Ann Pontes, é ex-deputada federal pelo MDB, partido do governador Helder Barbalho, que teria sido indicada pelo próprio governador ao cargo.

“Todo tipo de instrumento foi e ainda está sendo utilizado pelo governador Helder Barbalho para ganhar essa corrida política pela prefeitura de Belém. Infelizmente, é uma ganância pelo poder que tem essa família, que toma conta do estado, que toma conta das instituições do estado e agora quer abocanhar a prefeitura, capaz de prejudicar a população se o resultado for positivo para eles politicamente. A população não deveria pagar o preço de uma briga política entre o governador e o prefeito”, declarou a vereadora Gizelle Freitas. 

A Alma Preta solicitou uma nota ao TCMPA para confirmar se a Prefeitura de Belém mantém o cumprimento dos acordos firmados no termo de compromisso e questionou o órgão sobre a suposta influência do governador Helder Barbalho nas decisões do tribunal. O governo do estado também foi chamado a se manifestar sobre as alegações de que interfere no processo de liberação dos ônibus. O posicionamento não foi enviado até a publicação da reportagem.

  • Fernando Assunção

    Atua como repórter no Alma Preta Jornalismo e escreve sobre meio ambiente, cultura, violações a direitos humanos e comunidades tradicionais. Já atua em redações jornalísticas há mais de três anos e integrou a comunicação de festivais como Psica, Exú e Afromap.

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