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Sérgio Camargo não atendeu nenhuma liderança quilombola em dois anos de gestão

O certificado de autorreconhecimento de terras quilombolas é uma das tantas atribuições da fundação, que registrou a menor marca de emissões da história desde o início da gestão de Camargo

Texto: Caroline Nunes | Edição:  Nadine Nascimento e Pedro Borges | Imagem: Reprodução/Sérgio Lima/Poder360

O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo

17 de setembro de 2021

O presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Sérgio Camargo, não atendeu nenhuma liderança quilombola desde o início de sua gestão, em novembro de 2019. Informações apuradas pela Alma Preta Jornalismo apontam que dentre os diversos encontros de Camargo, registrados a partir de março de 2020, apenas duas pautas da agenda abordaram os povos tradicionais, com um total de duas horas de dedicação ao tema em um ano e meio.

Uma das atividades foi o recebimento do livro “Revolução Quilombola”, do jornalista Nelson Barreto. O outro compromisso da agenda foi uma conversa com o grupo Etepa (Empresa Transmissora de Energia no Pará), a respeito dos impactos ambientais na área dos Quilombolas de Jambuaçu (PA). Ambas as atividades aconteceram em março de 2020 e em nenhuma delas houve a participação de um representante quilombola.

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A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), representada por sua coordenadora executiva, Célia Cristina da Silva Pinto, afirmou que por inúmeras vezes tentou contato com a FCP e com o presidente Sérgio Camargo, mas sem sucesso.

“Tentamos contato sobre as cestas de alimento no período crítico da pandemia, questão do licenciamento ambiental e as certificações, mas não tivemos retorno”, comenta Célia, membro do Quilombo Acre – Cururupu (MA).

Atribuições da Fundação Cultural Palmares

“Há um grande retrocesso com relação à política voltada para os quilombolas, do pouco que resta para sua efetivação, precisa ser negociada com os apoiadores do governo”, avalia Célia Cristina.

Segundo o que diz o site oficial da FCP, o órgão tem por responsabilidade uma etapa fundamental para a certificação de quilombos, que é a emissão do certificado de autorreconhecimento, além de participação no licenciamento de obras de infraestrutura e fomento à cultura afro-brasileira. No entanto, a Conaq afirma que a Palmares registrou a menor marca de emissões da história da fundação desde o início da gestão de Sérgio Camargo: 117 certidões emitidas.

As demais atribuições da Palmares abrangem a distribuição de alimentos às comunidades, e emissão de certidões para que estudantes egressos de territórios quilombolas tenham acesso a bolsas de estudo. A elaboração de análises a respeito dos direitos das comunidades tradicionais, garantido pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), também é uma das obrigações da FCP.

Com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Fundação Cultural Palmares atua para a inclusão de questões específicas para comunidades quilombolas no recenseamento, a fim de diminuir as disparidades de dados. O IBGE estima que em 2019 existiam 3.475 localidades quilombolas no Brasil. Já a Conaq acredita que esse número ultrapassa a marca de 6 mil.

Consequências

Para que uma comunidade tenha acesso à política de regularização de territórios quilombolas, primeiramente é necessário que ela se autorreconheça como um quilombo e que haja uma relação histórica com o território reivindicado, segundo a FCP. Estes fatores devem constar no pedido de autodefinição enviado à Fundação Cultural Palmares, que é a instituição responsável pela análise das informações e pela emissão da Certidão de Autorreconhecimento.

Apenas 162 das 3.477 comunidades quilombolas já reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares detêm a titularidade total ou parcial das terras, o equivalente a quase 5%, de acordo com a Conaq e com o Movimento Terra de Direitos. A coordenação ainda estima que existam outros 217 territórios quilombolas não reconhecidos e aguardando parecer da FCP para dar prosseguimento ao processo de titulação.

Após emitir o certificado, a FCP dá o suporte para que a comunidade adquira o documento definitivo de posse da terra, emitido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – ou seja, a titulação, que garante a propriedade do território e a autonomia da comunidade. O Incra é responsável pelo levantamento territorial e estudos antropológicos e históricos, para a correta demarcação da área a ser titulada, mas esse processo só pode ter início após o parecer da Fundação Cultural Palmares.

“Não temos diálogo, não existe nenhuma tentativa de aproximação por parte da Palmares até o momento com a Conaq”, reforça a coordenadora executiva Célia.

Em entrevista à Alma Preta Jornalismo, a assessora jurídica da Conaq, Vercilene Dias, ressalta que o apoio da Fundação Palmares, comandada por Sérgio Camargo, seria essencial para dar força às comunidades quilombolas e agilizar o processo de titulação de terras, mas isso não acontece.

“A Palmares nada tem feito de forma ativa. Mesmo assim, com as determinações judiciais, nem a FCP e nem o Incra fizeram nada pelas comunidades”, afirma.

Decisão do STF

No início deste mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a omissão do governo Bolsonaro na proteção das comunidades quilombolas e determinou um prazo de 15 dias para a União, representada pela Palmares e o Incra, apresente um cronograma completo de metas e orçamento para a titulação de terras quilombolas de todo o país. A Conaq afirma que os órgãos não vão cumprir a determinação. Nos próximos dias, a coordenação irá se organizar para contra-argumentar a negativa.

“A União impetrou com um agravo contra a decisão do ministro [Edson Fachin] e a Conaq tem 15 dias para se manifestar”, completa Célia Cristina.

Leia também: ‘Governo Bolsonaro não cumpre decisão do STF sobre titulação de terras quilombolas’

A decisão do ministro tinha a pretensão de reparar os danos causados pelo Estado a esse grupo populacional, principalmente na pandemia. Segundo Célia, durante a crise sanitária pelo novo coronavírus, a FCP deixou os quilombolas ainda mais vulnerabilizados e não efetivou nenhuma ação de proteção às comunidades.

“A Palmares revogou a Instrução Normativa nº 1, de 31 de outubro de 2018, que trata sobre procedimentos administrativos nos processos de licenciamento ambiental de obras, atividades ou empreendimentos que impactem comunidades quilombolas. Embora a atribuição já havia sido transferida para o Incra, até hoje não normatizou nenhum procedimento”, pondera a coordenadora executiva.

A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Fundação Cultural Palmares para repercutir as informações coletadas. Até o momento desta publicação, o órgão não se manifestou. Caso responda, o texto será atualizado.

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