As perguntas que não querem calar: “A senhora tem filhos?”. Se a resposta for sim: “Quantos?”. E, como se não bastasse, seguem mais questionamentos: “Se seu filho ficar doente, a senhora tem com quem deixá-lo?”.
Essas são perguntas clássicas e nada inovadoras que muitas instituições ainda fazem quando mulheres, principalmente mulheres negras e periféricas, pleiteiam uma vaga de emprego. É importante lembrar que as mulheres negras representam mais de 60% das mães solo neste país.
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Esse cenário nos convida a refletir sobre a exclusão sistemática dessas mulheres, frequentemente colocadas às margens da sociedade brasileira. Como se ser mulher, negra e mãe solo fosse sinônimo de falta de comprometimento e profissionalismo.
Essas suposições raramente são explicitadas, mas aparecem veladas em perguntas que acabam por determinar a disposição de vagas e o resultado do processo seletivo. Quando estamos na linha de chegada eles mudam a rota.
Mais alarmante ainda é o fato de que, muitas vezes, o nível de ensino e a qualificação dessas mulheres sequer são avaliados. O pacto narcísico da branquitude se reforça por meio de códigos silenciosos e excludentes, perpetuando um ciclo de exclusão que ignora competências de maneira em favor do racismo, sexismo e machismo.
As instituições públicas, privadas e da sociedade cível definem, regulamentam e transmitem um modo de funcionamento que torna homogêneo e uniforme não só nos processos, ferramentas, sistema de valores, mas também o perfil de seus empregados e lideranças, majoritariamente masculino e branco. – Cida Bento em “O pacto da branquitude”
Ora, nunca vi um homem ser questionado dessa forma. Homens, principalmente homens brancos, não são submetidos a esses questionamentos. Isso ocorre porque, culturalmente, a tarefa do cuidado é atribuída às mulheres, e, de maneira ainda mais marcante, às mulheres negras. Isso reflete não apenas um machismo estrutural, mas também um racismo que perpetua estereótipos históricos do “lugar” da mulher negra, ou precisamente estado de não lugar.
O Brasil, o último país do mundo a “abolir” a escravidão, carrega até hoje as marcas desse passado em suas estruturas. Para as mulheres negras, a escravidão nunca acabou de fato; ela continua a determinar como viverão — e até como morrerão. Suas vidas são atravessadas por machismo, violências de diversas formas, a hipersexualização de seus corpos e as imposições sobre como devem maternar seus filhos — ou ainda irão cuidar e amamentar os filhos da casa grande.
Diante da falta de oportunidades em áreas de sua qualificação e formação, o que resta para a mulher negra mãe solo é o trabalho braçal, marcado por jornadas extenuantes e exploração desumana. Essa é uma realidade que sustenta um ciclo de opressões, numa sociedade que não reconhece a humanidade e tampouco respeita a subjetividade de corpas negras com objetivo da manutenção do statuos-quo. A mulher mãe solo negra fica as margens, porque o pacto silencioso está longe de ser rompido.
Por Aline Barbosa, uma mulher em movimento.