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A representatividade negra deu a ‘Volta por Cima’

Embora a gente já saiba que o discurso da representatividade pode ser bastante falacioso e esvaziado, usado apenas para produzir tokens e não contribuir efetivamente para uma mudança estrutural, o que realmente importa é que essa e outras produções audiovisuais têm mostrado uma representação positiva da população negra
Madá (Jéssica Ellen) e Jão (Fabrício Boliveira) em "Volta por Cima".

Madá (Jéssica Ellen) e Jão (Fabrício Boliveira) em "Volta por Cima".

— Globo/Fábio Rocha

25 de fevereiro de 2025

Por: Cinthia Gomes

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apareceu na noite da segunda-feira, dia 24 de fevereiro, em rede nacional, sem chapéu (que usava desde o fim do ano passado, quando passou por uma cirurgia na cabeça), para um pronunciamento logo após a novela das sete da emissora de maior audiência. Queria falar com a juventude e anunciar novidades em dois programas de governo. Ao final do pronunciamento, citou o compositor Paulo Vanzolini: “Seguimos ao lado de cada brasileiro e de cada brasileira: pra levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”. Embora as novidades anunciadas fossem importantes, esse finalzinho do discurso comunicou muito mais.

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O samba “Volta por Cima” foi um grande sucesso, interpretado por diversos artistas, como Elza Soares, Elis Regina e Jair Rodrigues. A primeira gravação é de 1963, por Noite Ilustrada. A canção ganhou sua versão mais conhecida em 1994,  com a sambista Beth Carvalho. Até que, 20 anos depois, um dueto (ou feat.) entre Alcione e Ludmilla reapresentou a música para uma nova geração e se tornou o tema de abertura da novela das sete, que tem o mesmo nome. 

Na expectativa de repetir o sucesso da novela “Vai na Fé”, transmitida no mesmo horário, em 2023, a emissora tem apostado numa fórmula bem semelhante: incorporação de elementos da cultura popular, linguagem de internet, estética suburbana, cores vibrantes e representatividade negra. Embora a gente já saiba que o discurso da representatividade pode ser bastante falacioso e esvaziado, usado apenas para produzir tokens e não contribuir efetivamente para uma mudança estrutural, o que realmente importa é que essa e outras produções audiovisuais têm mostrado uma representação positiva da população negra.

Durante muito tempo, atores e atrizes negras e negros ficaram confinados a papeis subalternos, que reproduziam estereótipos de servidão e criminalidade: escravizado, empregada doméstica ou bandido, quase invariavelmente. Raramente tinham família – uma família negra –  e uma história própria na trama. Depois de muita luta de profissionais negros do audiovisual (desde pioneiros como Antônio Pitanga, Zezé Motta, Ruth de Souza, Léa Garcia e Joelzito Araújo, até o Manifesto Dogma Feijoada, entre outras movimentações), de organizações do Movimento Negro e apoio do público, os realizadores de novelas, filmes e séries, enfim, iniciaram uma mudança.

Sou noveleira desde criança (a primeira novela que eu assisti foi “Top Model”, em 1989) e, como o restante do povo brasileiro, conheço bem os impactos das representações. O pensador jamaicano Stuart Hall dizia que representação “é a produção de sentido através da linguagem”.  Ao assistir personagens negros sendo galã, como o Jão, interpretado por Fabrício Bolivera; rica e herdeira, como a Silvia, interpretada por Lellê; empresário, como o Edson, vivido por Ailton Graça; ou a empreendedora Madá, de Jéssica Ellen, que batalha pelos seus sonhos, se conecta com tradições da cultura negra, como o jongo, além de ser belíssima, estamos oferecendo outras possibilidades para a juventude negra e um outro imaginário para toda a sociedade brasileira. Estamos deslocando significados e sentidos para além dos antigos estereótipos, continuando uma luta secular, desde o pós-abolição: pelo reconhecimento da nossa humanidade. 

Para a emissora, a fórmula tem dado certo: a novela “Volta por Cima” bateu recordes de audiência nos meses de dezembro e janeiro, e já chega perto dos números da novela das nove. Agora, queremos que as representações positivas que vemos na telinha sejam também uma realidade para o povo preto, que representa 55% da população brasileira. Que possamos ter, cada vez mais, uma vida digna, sem temer as violências e com tempo para sonhar. 

Cinthia Gomes é jornalista, mestre pela Escola de Comunicações e Artes da USP e integrante da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial e da Marcha das Mulheres Negras de SP.

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