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Carnaval 2024 deixa como legado educação e resistência negra

O Carnaval é educador, por isso às vezes penso que poderíamos ter alguns carnavais por ano
Desfile da Mocidade Alegre, campeã do Carnaval 2024 em São Paulo.

Desfile da Mocidade Alegre, campeã do Carnaval 2024 em São Paulo.

— Divulgação/LigaSP

14 de fevereiro de 2024

Por: Regina Lucia dos Santos

Carnaval é uma festa pagã, que não é originária do Brasil, mas é neste país, nos séculos XX e XXI que o Carnaval deixa de ser só uma festa e passa a ser escola, educação, uma forma grande de resistência, de resiliência das comunidades, da população negra, pobre e periférica. É também o sustento de muitas famílias, o local de encontro, da descoberta do pertencimento, das parcerias,  onde se encontra apoio pras horas difíceis. É subverter a individualidade exacerbada nos nossos dias para se voltar a um sentimento coletivo. 

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Vou falar do aspecto da educação que o samba enredo assume.  Aqui faço um parênteses, para contar uma história que faz parte da minha formação como mulher negra militante. Em 1978, ao ouvir o samba enredo da Beija Flor de Nilópolis, composto por Neguinho da Beija Flor, Gilson Dr e Mazinho, eu me encantei com a descoberta da existência de três princesas africanas e o relato da criação do mundo segundo a tradição iorubá e vou com a curiosidade que o samba me despertou ter o primeiro contato com o candomblé, e ainda vou saber através de outros samba enredos de tantas outras coisas da cultura da população negra e indígena num país que a única história que toda a educação formal ensina é a da Europa.  

Eu poderia fazer um passeio pelos sambas enredo de São Paulo e do Rio de Janeiro no século passado e agora no século XXI apontando magistrais aulas da nossa história, mas vou me ater aos sambas enredo deste ano. 

Só em 2024,  tivemos em São Paulo sambas enredo como o da Acadêmicos do Tucuruvi, “Ifá” que fala da religiosidade e filosofia nascida em Ilê Ifé, Nigéria, portanto de matriz africana, que encontrou milhares de seguidores aqui e fala de respeito a todas as religiões. Vimos também a Camisa Verde e Branco, com o enredo “Adenla – O imperador nas terras do rei”, que apresentou o rei Oxossi  e homenageou Adriano Imperador.

Dragões da Real veio com o enredo: “África – Uma constelação de reis e rainhas”, que apresentou vários reinos africanos e reis e rainhas que os lideraram. Já a Independente Tricolor teve como enredo “Agojie, a Lamina da Liberdade” que nos mostra a história de um exército de guerreiras que defenderam o Reino do Daomé.

Enquanto a Mocidade Alegre, campeã do Carnaval 2024 em São Paulo ,  mostrou as viagens de Mario de Andrade, um escritor negro, com o enredo Brasiléia Desvairada. Por fim, a Vai- Vai com “Capítulo 4, Versículo 3 – da Rua e do Povo, o Hip Hop: um Manifesto Paulistano” homenageou os 50 anos do Hip Hop, tão importante para a formação da juventude negra.

No Rio de Janeiro, tivemos a Mangueira, que homenageou Alcione, nossa eterna Marrom e toda a cultura maranhense, que é eminentemente negra. A Paraíso do Tuiuti veio com Glória ao Almirante Negro, contando a história de resistência a escravidão na Marinha Brasileira sob o comando de João Cândido na Revolta da Chibata. A Portela apresentou o enredo “Um defeito de cor”, baseado no livro homônimo de Ana Maria Gonçalves que aborda de forma ficcional a história de Luisa Mahin, importante líder da Revolta dos Malês. 

A Salgueiro levou para a avenida o enredo “Hutukara”, que fala e nos ensina sobre a riqueza da cultura do povo Yanomami. Enquanto a Vila Isabel reeditou o enredo “Gbalá – Viagem ao Templo da Criação”, história fictícia baseada na cultura yorubá de que as crianças e sua pureza são a salvação da humanidade.

 E por fim a Viradouro, campeã do Carnaval no Rio, apresentou o enredo “Arroboboi, Dangbé”, que falou do culto ao Vodun Serpente e mostrou toda a riqueza da religiosidade de matriz africana e a sua importância para a preservação da história negra no Brasil.

Me detive nas escolas do Grupo Especial, mas teríamos tantos outros ensinamentos nas escolas dos Grupos de Acesso. O Carnaval é educador, por isso às vezes penso que poderíamos ter alguns carnavais por ano. 

Regina Lucia dos Santos é geógrafa, ativista e coordenadora de formação do Movimento Negro Unificado (MNU), em SP.

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