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Descriminalização da maconha não é suficiente para dar fim a desigualdade racial

A discricionariedade na aplicação das leis pode levar a interpretações enviesadas por parte das autoridades, resultando em contínuas abordagens e detenções injustas de pessoas negras
Imagem mostra uma bandeira com o desenho de uma planta de maconha e escrito "descriminalize"

Foto: Reprodução/Redes sociais

29 de junho de 2024

A distinção entre descriminalização e legalização da maconha no Brasil é fundamental para entender as complexas implicações sociais, econômicas e legais dessa substância no país. Enquanto a descriminalização refere-se à remoção de sanções penais para o uso pessoal e posse de pequenas quantidades de maconha, a legalização implica na regulamentação total do cultivo, distribuição e venda da substância. Ambas as abordagens têm impactos distintos e devem ser analisadas sob a lente das desigualdades raciais existentes no Brasil.

A descriminalização da maconha pode ser vista como um passo inicial para aliviar a superlotação do sistema penitenciário brasileiro, que atualmente aprisiona milhares de pessoas por delitos relacionados a pequenas quantidades de drogas. No entanto, a descriminalização por si só não resolve a questão da aplicação desigual das leis. Estudos mostram que, apesar de os brancos serem maioria entre os usuários de drogas no Brasil, os negros são desproporcionalmente alvo de prisões e violência policial. Isso se deve a uma combinação de fatores históricos, sociais e raciais que perpetuam o racismo estrutural.

Mesmo com a descriminalização, as pessoas negras continuarão a ser vítimas do racismo institucional. A discricionariedade na aplicação das leis pode levar a interpretações enviesadas por parte das autoridades, resultando em contínuas abordagens e detenções injustas de pessoas negras. A experiência de países como os Estados Unidos, onde a descriminalização e até a legalização da maconha ocorreram, mostra que as disparidades raciais no sistema de justiça criminal persistem. Em muitos casos, os indivíduos negros continuam a ser presos por infrações menores enquanto seus equivalentes brancos são tratados de forma mais leniente.

A legalização, por outro lado, poderia estabelecer um mercado regulado que talvez oferecesse oportunidades econômicas e reduzisse o poder das organizações criminosas. No entanto, sem políticas específicas que abordem as desigualdades raciais, as pessoas negras poderiam continuar a ser marginalizadas. A legalização sem uma reforma ampla e inclusiva pode resultar na monopolização do mercado por grandes empresas, deixando de fora os pequenos produtores e vendedores, muitos dos quais são de comunidades negras e periféricas.

Para que a descriminalização ou legalização da maconha no Brasil seja eficaz e justa, é essencial implementar políticas que reconheçam e combatam o racismo estrutural. Isso inclui treinamento para as forças policiais, reformas no sistema de justiça, e o desenvolvimento de programas sociais e econômicos que promovam a inclusão de comunidades marginalizadas. Apenas com uma abordagem holística e inclusiva poderemos garantir que a transição para novas políticas sobre drogas beneficie a todos os brasileiros, independentemente de sua cor ou origem.

Em suma, embora a descriminalização da maconha possa aliviar alguns problemas imediatos relacionados ao encarceramento, ela não resolverá as profundas desigualdades raciais que persistem no Brasil. A luta pela justiça racial deve ser central em qualquer discussão sobre a reforma das políticas de drogas no país.

  • Felipe Ruffino

    Felipe Ruffino é jornalista, pós-graduado em Assessoria de Imprensa e Gestão da Comunicação, possui a agência Ruffino Assessoria e ativista racial, onde aborda pautas relacionada à comunidade negra em suas redes sociais @ruffinoficial.

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