No dia 1º de outubro aconteceu a premiação Du Bois Medal, realizada anualmente pelo Hutchins Center, vinculado à Harvard University. O evento aconteceu no Sanders Theater, espaço nobre da Universidade e onde o próprio W.E.B. Du Bois se tornou o primeiro doutor afro-americano em 1895. A medalha foi criada para homenagear figuras que seguiram seu exemplo na luta contra a desigualdade racial. Trata-se da maior honraria concedida por Harvard no campo dos estudos africanos e afro-americanos, já foi recebida por uma variedade de personalidades, incluindo escritores, filantropos, acadêmicos, jornalistas e artistas.
Dentre os discursos dos laureados dessa edição chamou a atenção como o tema da reparação esteve em pauta. Thelma Golden, curadora do Studio Harlem Museum, importante instituição museal, externou seu desejo de reestruturar o mundo da arte, reiventá-lo desde sua base. Kimberlé Crenshaw, por seu turno, se disse honrada por ver seu nome e de Du Bois na mesma sentença. A intelectual que cunhou o conceito de intersecionalidade no final da década de 1980 reafirmou seu diagnóstico da necessidade de construir uma teoria que desse conta de apreender aos fenômenos que estava a estudar, isto é, como as estruturas de poder (em seu caso, a Justiça) promoviam ativamente a desigualdade racial em nossa sociedade.
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Já a atual vice-presidente da Colômbia, Francia Márquez, tornou-se a primeira afro-latino-americana a receber tal honraria. Em seu discurso, falou das políticas que têm criado em seu país, almejando uma sociedade mais justa e equitativa, para que “a dignidade se torne norma.”
Estamos iniciando a segunda década dos afrodescendentes (2024-2033). Reparação será uma palavra-chave para esse decênio. Se há dez anos a comunidade internacional reconheceu que os povos afrodescendentes — por uma miríade de razões que começam com a tragédia colonial — formam um grupo cujos direitos humanos precisam ser promovidos e protegidos, as políticas de reparação são uma oportunidade para agir de maneira radical, isto é, atacando a raiz do problema.
A mudança de narrativa pede práticas insurgentes. Mais do que simplesmente reconhecer que a sociedade em que vivemos é racista estruturalmente, é necessário implementar políticas concretas para o enfrentamento das desigualdades de forma eficaz. Obviamente que cada sociedade carrega suas próprias particularidades que foram forjadas a partir de seus respectivos contextos históricos. Logo, uma solução que se mostre eficaz em um país pode não ser em outro. Entretanto, é preciso empenho para aplacar essas assimetrias. Essa mudança é também narrativa. Não me refiro, neste caso, a uma narrativa descolada da realidade, mas sim a uma prática política tangível e efetiva. Mais do que descrever eventos que afetam a compreensão do público sobre o mundo, delineiam identidades e impulsionam ações.
Se em seu tempo Du Bois teve que lidar com os linchamentos, a discriminação e exploração colonial, precisamos garantir que no século 21 avançaremos por caminhos que compreendam o peso histórico e o impacto contínuo das desigualdades como um problema profundamente humano.