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Entrevista com o pai de Lucas González: ‘Eles o mataram por ser moreno, por ser negro’

Começa o segundo julgamento pelo encobrimento do assassinato de Lucas González, jogador de futebol de 17 anos morto pela Polícia Municipal em 2021, em Buenos Aires, na Argentina. O policial Facundo Torres, acusado de plantar uma arma de brinquedo para justificar o crime e encobrir o assassinato, será julgado. Os pais de Lucas e um de seus amigos continuam sua luta por justiça, destacando o componente de ódio racial do caso e seu impacto na vida de seus filhos.
Héctor "Peca" González, pai de Lucas González

Foto: Nicolás Parodi/Negrx/Pagina12

22 de setembro de 2024

Por: Nicolás Parodi

Começa hoje [20 de setembro] o segundo julgamento sobre o encobrimento do assassinato de Lucas González, o jogador de futebol do Barracas Central, de 17 anos, assassinado em 2021 por policiais da Cidade de Buenos Aires, na saída do treino. Embora três policiais já tenham sido condenados pelo assassinato e outros seis por acobertar o crime, neste novo julgamento será julgado o policial Facundo Torres, acusado de ter fornecido a arma de brinquedo que foi plantada para tentar sustentar a falsa versão de um confronto armado e justificar o crime de Lucas.

Em uma entrevista ao Negrx, Héctor “Peca” González, pai de Lucas, e Ricardo Zuñiga, pai de Joaquín, um dos amigos de Lucas que estava com ele no carro quando a polícia abriu fogo, analisaram como estão chegando a esse segundo julgamento, suas expectativas e a luta por seus filhos.

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Héctor “Peca” González se lembra de como foi o primeiro julgamento pelo assassinato de seu filho e, é claro, ainda se emociona ao falar sobre a importância desse julgamento, pois foi a primeira vez na Argentina que o ódio racial foi incluído como um fator agravante na violência institucional, “infelizmente, a vida de Lucas foi tirada para que isso acontecesse, mas estamos muito felizes porque há pessoas que nem sequer têm justiça nesses casos e nós fomos privilegiados”. Héctor tem palavras de gratidão para os juízes e promotores e, é claro, também reconhece o trabalho feito pelos advogados coordenados por Gregorio Dalbón.

Em todas as entrevistas que são solicitadas a ele, Héctor enfatiza que seu filho “foi morto porque era moreno, porque era negro ou um ‘negro de merda’, como o estigmatizam hoje em dia, para eles somos ‘negros de merda’, mas somos pessoas humildes, como qualquer família trabalhadora que nunca teve problemas com a Justiça, nunca pisei em uma delegacia de polícia na minha vida e tenho a cor que tenho, para eles é lamentável e para mim é motivo de orgulho, tenho orgulho do que sou como pessoa e criamos um garoto atleta, com seu povo, seus amigos, garotos que foram treinar; tenho muito orgulho de ser o pai de Lucas González”.

Ele continua a conversa lembrando que os colegas de equipe de Lucas “buscavam o mesmo sonho que Lucas, serem profissionais, tirar sua mãe do bairro, comprar uma casinha para ela, o sonho de qualquer garoto que quer tirar sua família de um bairro fodido, eles queriam realizar seu sonho como Lucas, mas sua vida foi tirada dele, seus sonhos foram tirados dele, nossas vidas foram tiradas de nós, porque estamos mortos em vida”.

Ricardo Zuñiga, pai de Joaquín, relembra como, no julgamento anterior, o policial principal, Héctor Cuevas, “se desmanchou e conseguiu nos olhar nos olhos e nos pediu desculpas no meio do julgamento e citou o nome de um certo Torres, que era desconhecido para nós até então. Torres concluiu a encenação que a polícia da CABA [Buenos Aires] tinha para incriminar os rapazes e fazê-los parecer criminosos, que foi a primeira modulação que eles fazem e nós já ouvimos isso mais de uma vez, quando eles dizem ‘policial ferido…, policial ferido…, confronto armado’ e então isso já é uma mentira, a primeira falácia que eles esboçam, e para tornar a cena crível para eles tinha que haver uma arma de fogo”. Ricardo também menciona que durante o próximo julgamento será conhecido se Torres “tem a decência de dizer isso”, se ele cumpriu uma ordem ou tomou a decisão por conta própria de colocar a arma no carro dos jovens que estavam saindo de um treino de futebol e onde no carro havia apenas suco, biscoitos e roupas de jogadores de futebol. Para Ricardo, ficou demonstrado que “eles nem sequer lhes deram a oportunidade de se defender, dispararam mais de 14 tiros, pondo fim a uma vida que tinha um longo caminho a percorrer, tentaram matar os outros três rapazes, meu filho Joaquín Zúñiga estava dentro do carro, e ele conseguiu fugir e evitar ser morto porque essa era a intenção, matar todos eles”.

Ricardo Zuñiga, pai de Joaquín Zúñiga
Ricardo Zuñiga, pai de Joaquín Zúñiga (Foto: Nicolás Parodi/Negrx/Pagina12)

Ambos os pais enfatizam que não estão pedindo vingança, mas justiça, já que Torres está sendo julgado por tentar burlar a lei ao colocar uma arma de brinquedo em Lucas e enquadrar seus amigos como criminosos.

Ricardo continua explicando que os policiais que foram condenados disseram aos meninos: “’negros de merda’, desculpe a expressão, mas foi isso que eles disseram a eles, eles merecem um tiro, assim como fizeram com seu amigo” e reflete sobre o dano psicológico que causaram a jovens de apenas 17 anos de idade. E reafirma que: “Queremos poder viver em uma sociedade mais justa, com direitos iguais para todos, e hoje estamos passando por esse julgamento que tem que abrir um precedente para a Justiça como fez o anterior”.

Para Ricardo, não é nada fácil para seu filho ter que passar novamente por uma situação traumática como “passar por um depoimento de novo, voltar para um tribunal, quando ele deveria estar pensando em jogar bola, compartilhar algo com a namorada ou ir a algum lugar com a família e, infelizmente, não posso evitar isso, porque eles nos colocaram em uma situação que nunca gostaríamos de estar, esperamos que seja da melhor maneira possível”.

Héctor “Peca” González, pai de Lucas González (à esquerda), e Ricardo Zuñiga, pai de Joaquín Zuñiga (à direita)
Héctor “Peca” González, pai de Lucas González (à esquerda), e Ricardo Zuñiga, pai de Joaquín Zuñiga (à direita) (Foto: Nicolás Parodi/Negrx/Pagina12)

Héctor explica que “queremos encerrar essa triste faceta de nossas vidas e tentar sobreviver da melhor maneira possível, para dar sentido à vida, que é o que estamos fazendo”, para isso estão formando “a associação civil, social e esportiva Lucas González, que se baseia em aspectos sociais e esportivos, como era Lucas”; a ideia é ter uma “escola de futebol, um refeitório para as crianças, para aqueles que não têm recursos, em Varela também há crianças que têm sonhos e vamos dar a elas as ferramentas para que possam realizar um sonho que Lucas não pôde realizar”. Héctor “Peca” González nos lembra que seu filho salvou quatro vidas quando eles decidiram doar seus órgãos: “Lucas tinha um motor novo, aos 17 anos ele salvou quatro vidas, estou orgulhoso disso, vamos fazer mais coisas para lembrá-lo da melhor maneira e com a associação para realizar os sonhos que ele não pôde realizar”.

Este artigo foi publicado originalmente em espanhol no portal Negrx, parceiro da Alma Preta na Argentina, e parte do site do jornal Página 12.

  • Negrx é uma seção antirracista publicada no jornal Pagina/12, da Argentina, e reúne textos de pesquisadores e jornalistas negros comentando a questão racial argentina e o mundo. Negrx é um grupo parceiro da Alma Preta.

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