Era uma vez um menino. Negro, esse menino cresceu. E de repente, se viu numa festa. Uma festa com muita comida, bebida, gente bacana, legal, descolada e bonita. Ela tinha começado há muito tempo, mas ele adentrara nela há pouco. Eles diziam que aquela festa era pra todo mundo. Ou melhor, pra quase todo mundo. Na verdade… era para muito pouca gente. E só para quem era gente. E foi daí que ele se perguntou: essa festa é pra mim?
O tempo passou e aquele menino crescido sabia como era difícil entrar naquele espaço. O convite era muito caro, e mesmo assim não estava à venda. Pelo menos ele não achou a bilheteria. Teria procurado direito? Foi aí que, muito observador, percebeu que pra entrar naquele lugar, ele precisava falar, como gente; andar, como gente; escrever, como gente. Mas ele era, de fato, gente? Ele achava que sim. Mas eles achavam também? Ele não sabia ao certo. Ele não se sentia assim, mas os outros pareciam não acreditar. Eles não falavam isso pra ele diretamente. Não eram loucos! Eram? Ao menos, nunca diziam. Na verdade… alguns até diziam, mas quase nunca.
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Eram casos isolados, de um passado longínquo de alguns anos ou poucos meses atrás, em que algo escapuliu sem querer, como os cabelos de alguém que fugiu do barbeiro; e na verdade não tinham culpa, a culpa era dos que se fecham em nichos narcísicos, como eles, douta e amavelmente, lhe explicavam em seguida. Mas é isso, quase não diziam. E as vezes (só as vezes) ele tinha a impressão de que achavam isso, mesmo sem palavras. Mas, certamente, era coisa da sua cabeça.
A História toda é que, de fato, em algum momento ele entra na festa. E pra isso, ele teve uma estratégia perspicaz e complexa. Tão perspicaz que não me acho sábio o suficiente para reproduzir; e complexa ao ponto de que contá-la na minúcia levaria demasiado tempo de explicação. O resumo é: ele aprendeu a andar como gente, escrever, como gente, a fazer tudo o que a gente fazia! Eu diria, até que melhor do que a gente.
E mesmo assim, ele entrou pela lateral, pisando em ovos. Não queria incomodar. Não queria que essa gente achasse que ele os tratasse como empregada. Não queria que pensassem que fosse um grande entendedor de como a alma humana se move por ter estudado em Cambridge e ser bolsista em Harvard. Ele só queria estar ali.
Até porque, pra sua surpresa, ao entrar nessa festa, ele viu que essa gente falava da gente. E falavam com propriedade, com tantas certezas que nem a gente tinha sobre a gente mesmo. Eles passaram a rir, conversar, comer e a beber com ele. E aos poucos ele percebeu que nem toda aquela gente sabia falar, andar e escrever como gente. E foi aí que ele começou a se soltar e cometeu seu primeiro e único erro: demonstrou que era gente. E isso, meus caros, ah isso eles não podiam tolerar. E daí foi que ele descobriu que nessa festa a comida e a bebida eram poucas e essa gente não era bacana, não era legal, nem descolada. Mas essa gente era branca.