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Fórum da ONU para afrodescendentes excluiu sociedade civil

O Fórum Permamente para Afrodescendentes da ONU ocorreu entre o fim de maio e início de junho; ativista brasileira relata que o evento foi excludente com pessoas negras da sociedade civil

Imagem mostra fórum da ONU.

Foto: Reprodução

8 de junho de 2023

O Fórum Permanente para Afrodescendentes da ONU em Nova York, nos Estados Unidos, tinha como objetivo reunir representantes de diversos países e da sociedade civil para discutir formas de erradicar o racismo. Contudo, uma parcela significativa da sociedade civil foi excluída.

Durante a abertura do Fórum, centenas de pessoas registradas para a sessão ficaram do lado de fora da sede da ONU, esperando, por horas, embaixo do sol, para pegarem o seu passe para o prédio. Além disso, diversas pessoas não tiveram os seus passes impressos adequadamente. Algumas tiveram que esperar até o fim do dia para conseguirem entrar no evento. Outras, sequer chegaram a entrar. Representantes das Nações Unidas e de governos discutiram políticas para reparação com uma sessão esvaziada de povo.

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Mesmo após a entrada, a voz da sociedade civil – especialmente de movimentos sociais populares – era limitada pela estrutura do evento. Apenas os minutos finais de cada debate eram cedidos para membros da sociedade civil, que tinham que fazer suas inscrições uma hora antes do início de cada reunião. Até manifestações não-verbais da sociedade civil eram bloqueadas. Por exemplo, algumas pessoas não puderam entrar com as camisetas de seus movimentos e mostrar visualmente suas demandas.

Se isso não bastasse, o racismo dos seguranças ainda era outro desafio a ser vencido para quem quisesse participar. Sobre esse tema, posso dar meu testemunho pessoal. Para entrar na sede da ONU, precisávamos retirar os computadores de nossas bolsas e passar pelo detector de metais. Eu fiz conforme solicitado. Passei pelo detector. Depois, peguei a minha bolsa e caminhei em direção a entrada. Um dos seguranças me chamou porque eu tinha esquecido meu computador. Assim que estendi a mão para pegar o equipamento, ele puxou a máquina e perguntou: “tem certeza de que isso é seu?” Ele tinha visto eu retirar o computador da minha bolsa.

Ele me chamou para pegar o computador porque sabia que o equipamento era meu. Eu respirei fundo e respondi que sim. Ele perguntou novamente: “você tem certeza mesmo?” Afirmei que sim. Então, ele pediu para que eu colocasse a senha no meu computador para provar que eu falava a verdade. Eu não queria ficar atrasada para a reunião do Fórum, por isso decidi colocar a senha e seguir em frente. Porém, como segurar a dor de ter que me silenciar diante do racismo para não perder uma reunião de luta contra o racismo?

Leia também: Precisamos articular estratégias globais contra supremacia branca

Durante o Fórum, algumas pessoas argumentavam que a exclusão da sociedade civil não foi intencional, e sim ocasionada pela burocracia da sede da ONU e falhas na organização do evento. De fato, a estrutura de eventos grandes é complexa, e por isso nem todos conseguem espaço para falar. Ainda assim, devemos perguntar: quem tem espaço para se expressar no Fórum Permanente e por quê?

Se fossemos considerados tão importantes quanto os representantes dos países brancos e ricos que lucraram com base na morte dos nossos ancestrais, será que seríamos tratados da mesma maneira? Por trás da burocracia ou das supostas falhas está a reprodução do racismo. Africanos e Afrodescendentes de diversas partes do mundo se encontram novamente destratados e lutando para ocupar um espaço que claramente não foi feito para a gente.

A limitação das vozes populares resulta em um silenciamento das demandas radicais por reparações. Central para os movimentos afro especialmente desde a Conferência de Durban em 2001, reparações envolve o reconhecimento que o sistema capitalista racial que hoje domina o mundo é fundado no colonialismo e na escravidão negra.

Logo, reparações referem-se ao reconhecimento de que precisamos construir um mundo novo. Espera-se que os diferentes países, no mínimo, aceitem iniciar esse processo com medidas simples, como o cancelamento das dívidas externas dos países colonizados, auxílio no pagamento de suas dívidas internas, e promoção de políticas relacionadas à promoção dos direitos sociais, culturais e econômicos dos povos afrodescendentes. Diversas organizações como o CARICOM e a National African American Reparations Commission já mostraram como começar o processo de reparação é possível.

Porém, a demanda por reparações acabou esvaziada e limitada ao compromisso com a Agenda Pelo Desenvolvimento Sustentável. Embora tal agenda tenha pontos extremamente importantes, como a busca pela erradicação da pobreza, por vezes ela incorpora a ideia neoliberal de que o desenvolvimento econômico com base na exploração dos povos é aceitável desde que se crie políticas para redução de desigualdade.

Ao reduzir reparações à tal agenda, adota-se o entendimento de que o racismo é causado pela falta de oportunidades de ascensão social à população negra. Porém, o problema não está na distribuição desigual de recursos e sim no fato de que a acumulação desigual de recursos – da escravidão até hoje – ocorre com base na nossa exploração, opressão e morte.

A justiça reparatória é incompatível com o neoliberalismo. Por fim, levar a sério o compromisso com reparações significa entender que não há como se desenhar políticas de erradicação do racismo sem um fórum aberto e democratizado – que priorize as vozes dos movimentos que historicamente têm lutado contra o sistema capitalista, racial e patriarcal que nasce do colonialismo e da escravidão negra. Esperamos que a próxima reunião do Fórum reconheça isso.

Leia também: Movimentos negros cobram políticas de reparação racial em Fórum da ONU

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