Por: Federico Pita
De Cali, Colômbia.
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Que desafios o governo de mudança enfrentou diante dos constantes ataques da direita?
Tivemos muitos desafios, mas também ações muito importantes para cumprir as promessas de mudança e transformação deste governo. Este é o primeiro governo popular a chegar ao poder na Colômbia, liderado pelo nosso presidente Gustavo Petro e acompanhado por mim. O primeiro desafio é restaurar a dignidade do povo colombiano, o que significa paz e justiça social. Portanto, todas as ações deste governo estão concentradas na justiça social, e fizemos progressos significativos nessa área.
Por exemplo, em termos de terra, estive recentemente no norte do Cauca entregando algumas terras para a população camponesa afro-colombiana e para a população indígena, que viveu em muitas situações de conflito naquela região, enfrentando enormes desigualdades e iniquidades. Então, poder ir até a comunidade e dizer: “Aqui está uma terra para vocês cultivarem, para que possam começar a transformar a realidade deste território” foi muito importante.
Temos desafios na educação. A principal bandeira deste governo é a educação. Hoje, poder dizer aos jovens que há vagas gratuitas na educação e informar à comunidade que estamos chegando aos territórios com o programa “Universidade no seu território” representa uma mudança, uma transformação. É claro que esses projetos estão sendo desenvolvidos gradualmente dentro da lógica institucional, mas são avanços significativos no novo enfoque que demos à política, focada na justiça social.
Criamos o Ministério da Igualdade e Equidade, uma nova estrutura institucional que já é uma realidade. Contudo, devido a questões processuais, o Tribunal Constitucional declarou a criação do ministério inexequível, então precisamos reapresentar o projeto de lei ao Congresso. Mas é uma estrutura que, nesses dois anos, avançará no aprofundamento de ações para retirar a população mais vulnerável do país da desigualdade e da iniquidade. Ações voltadas a acabar com a fome, salvaguardar a vida dos jovens por meio do programa Jovens na Paz, garantir os direitos das mulheres e promover a autonomia econômica das mulheres com o “Programa Sálvia”, que busca protegê-las contra a violência de gênero. Hoje, já existe um sistema nacional de assistência, e estamos desenvolvendo a política para esse sistema.
Estamos avançando com desafios que antes eram impensáveis. Essas são lutas que as comunidades enfrentam há muitos anos, e nós as assumimos e transformamos em políticas públicas, com orçamento e investimento, para transformar a realidade desses territórios e do país.
A agenda global de reparações tornou-se muito relevante nos últimos anos. Como a Colômbia faz parte dessa conversa e que progressos foram feitos até agora?
Essa não é uma questão que começa conosco hoje. Devemos reconhecer os esforços do movimento afrodescendente, do movimento pan-africanista e dos movimentos negros que, ao redor do mundo, têm exigido justiça e a restauração de sua dignidade como povo e humanidade. Portanto, este é um caminho que já foi percorrido, e o que fizemos foi contribuir para essa trajetória.
Como vice-presidente dos afrodescendentes neste país, meu trabalho é promover as agendas que as pessoas, os negros e os afrodescendentes vêm defendendo há muito tempo. Este é um momento em que a voz das pessoas que clamam por justiça começa a ser ouvida, e estamos amplificando essa voz, para que o debate sobre as reparações históricas pelas consequências da escravidão, racismo e colonialismo tenha um ponto de partida. A escravidão, crime contra a humanidade, é uma dívida pendente de justiça com uma população, e precisa ser reconhecida pelos Estados, pelas nações e pela sociedade.
Cali sediará a COP16. Quais são, em sua opinião, os principais desafios para a Colômbia como anfitriã? Que papel as comunidades afrodescendentes desempenharão nessa cúpula, e como garantir que sua voz seja ouvida na agenda climática?
A COP16 é uma cúpula em que se planeja e se acorda a proteção da vida e da biodiversidade no planeta. Ao sediá-la, a Colômbia receberá mais de 120 delegações de diversos países, com cerca de 15.000 pessoas em Cali. Esse é um motivo de orgulho, pois a região do Pacífico, com a maior população afrodescendente do país, possui rica biodiversidade, sendo a quinta maior do mundo.
Também é uma oportunidade para que essa região, ocupada em sua maioria por afrodescendentes, esteja no centro das atenções internacionais e para fortalecer as práticas de conservação desses ecossistemas. Acredito que a Colômbia exerce uma liderança importante e vamos presidir os próximos dois anos.
Como você avalia a realidade atual das comunidades afrodescendentes na América Latina, especialmente em termos de direitos e reconhecimento?
Acredito que as questões da população afrodescendente ainda são um desafio na região e no mundo. Por exemplo, as estatísticas não mostram nossa quantidade nem as condições de vida da população afrodescendente. Esse é um desafio dos movimentos, mas evidencia que os Estados continuam sendo, em sua maioria, racializados.
Quais são os principais desafios enfrentados pelas lutas antirracistas na região e quais estratégias considera cruciais para avançar em direção à igualdade racial?
O colonialismo ainda impacta nossa organização como movimento antirracista global. Precisamos consolidar uma só voz. Essa luta começou com nossos ancestrais pela liberdade, e nossa tarefa é continuar promovendo essa agenda de justiça e dignidade.
O racismo na América Latina é um fenômeno oculto. O que você diria àqueles que afirmam que “racismo é algo dos Estados Unidos”?
O racismo sistêmico se manifesta de diferentes formas e leva a desigualdades estruturais em que a maioria dos afrodescendentes vive. Esse sistema é resultado de uma estrutura de poder hegemônica que define as condições de vida dos afrodescendentes. Racismo é racismo, seja sutil ou agressivo, e sempre resulta em violência.
Quais são os desafios que os povos latino-americanos enfrentam diante do avanço da ultradireita na região? Que mensagem você gostaria de deixar?
Acredito que devemos valorizar os esforços progressistas para ocupar o poder. Precisamos ser menos sectários e focar mais no bem-estar do povo, pois esse é nosso propósito. É preciso combater a desinformação, especialmente promovida por parte da mídia hegemônica.
Uma mensagem para o povo argentino.
Resistência. Sigam em frente, o povo argentino não vai se render!
A entrevista completa com a vice-presidente Francia Márquez pode ser vista na transmissão especial do programa Conciencia Negra no canal de streaming Eva TV. Conciencia Negra é transmitido todas as sextas-feiras às 21h e aborda questões políticas, sociais e culturais atuais na Argentina, na América Latina e no mundo, sob uma perspectiva antirracista e de orgulho negro.
Este artigo foi publicado originalmente em espanhol no portal Negrx, parceiro da Alma Preta na Argentina, e parte do site do jornal Página 12.