Texto: Túlio Custódio / Edição de Imagem: Pedro Borges
Estou nessa de rever coisas que escrevi. De adicionar ou remodelar alguns pensamentos. Acho que a atividade de escrever artigos que, de uma maneira muitas vezes leve ou só de “sopetão”, divide e compartilha questões que fazem parte de inquietações ou vontades de troca diante de coisas que leio, penso, vejo, piro etc.
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Bom, sabemos — ou devíamos saber — que o 13 de Maio é encarado criticamente pelo(s) protesto(s) negro(s) como uma data que não deve marcar o lugar histórico de construção de memória do negro — lugar esse que seria do coadjuvante “libertado do peso da escravidão pelo bem-fazer boa vontade do branco, no caso, a princesa Izabel”. Um lugar passivo. Passivo que ignora a existência de resistência, de atividade e de protagonismo do negro construído sobre a sua própria visão e sentido de si — apesar da resistência imposta da sociedade escravocrata contra a humanidade do negro.
Dessa maneira, o(s) protesto(s) negro(s) historicamente conquistaram e colocaram no radar uma outra data, dia 20 de Novembro, que marca o lugar protagonista do negro contra sua situação de interação e opressão em sua vida e experiência fora de África.
Mas qual era a proposta do texto “jamais fomos modernos”?
Bom, primeiramente não se tratava de uma leitura latouriana (importante antropólogo francês, do qual gosto dos textos mas não tenho e nem pretendo ter domínio pleno para conseguir tergiversar seus conceitos em uma leitura do racismo brasileiro) sobre racismo no Brasil. O título faz sim alusão ao título do livro de Bruno Latour, mas de nenhuma maneira com intenção de ser uma sobreleitura do livro para o tema de questão racial. Não tenho condições nem qualidades intelectuais para tal empreitada.
Uma inspiração há, de certo. Acredito — ingenuamente ou de maneira pretensiosa, ou dois juntos — que a necessidade de refletir aspectos que levem à construção de identidades na modernidade crava, para mim, a importância de refletir nossa questão racial (nossa = todos!) dentro de uma esfera (conceitual e categorial) ampla. Ah: da modernidade!
Sim, pensar grande. Pensar ou tentar pensar de forma total, nas totalidades que compõem as esferas que nos acomete. Claro: pensar grande — e sem muitos instrumentos — pode levar a erros. Sim. Mas também pode levar a olhar questões para além das armadilhas conceituais geradas dentro de um campo— principalmente quando tomadas no calor dos debates que temos hoje (e isso é absolutamente interessante!).
Portanto, qual era a proposta? Nenhuma em específico. Destilar um olhar para pensar 13 de maio ou qualquer data que retrate/remeta/vincule a situação do negro no Brasil que considere perspectivas amplas de identidades de nós e sobre nós talvez seja ou poderia ser o que mais me conduz a querer “misturar com outras áreas”.
Para além do ponto que trataremos abaixo, vale pensar nessa data: diante da tal “libertação”, o quanto estamos nos apropriando do mundo (em seus aparatos conceituais, reflexivos e críticos) e criando para colocar nossas questões? Por que estudar questões raciais é estudar (leia-se: visto como) estudar “o negro no canto do negro e só para negro”? Por que refletir por exemplo sobre uma intelectual negra não é refletir sobre pensamento social brasileiro, e não só “pensamento crítico de ativistas”?
O que quero dizer é que o lugar de denominações e classificações parte do sistema de existências e liberdades das mônadas (indivíduos) estabelecidas na modernidade. Pode ser pensado nesses movimentos a partir de como apropriamos nossas reflexões, ideias, agentes e onde os inserimos. Isso é: o que o Falar e Pensar sobre nós tem a ver com as correntes e áreas de conhecimento tidas como amplas e universais (sabemos da falha dessa noção) — mas que, a nós, é destinada parte menor, apendicular e quase “perfumática” (neologismo que diz mais sobre o cheiro do que a performance em si) do que estamos falando? Um engano. Um problema.
Qual é a real inclusão, portanto, dessas vozes, cabeças e conceitos no espaço de disputa para construção das identidades da modernidade? Quem somos nós nessa ordem toda? Somos modernos (incluídos nessa dinâmica do criar as categorias de base para construção do pensamento sobre esses tempos, Eras e parâmetros de tempos, Eras e histórias)?
A versão de 2015 do meu texto “jamais somos modernos” falava do que está fora (fora aí na pretensa situação do interlocutor que fala e pensa sobre o contexto, mas não necessariamente é quem está ali vítima explícita e direta daquilo que se fala, mesmo que, de muitos modos, está muito próximo àquela situação falada) sobre a realidade do negro como distante dos ideias modernos que perfazem a igualdade, a liberdade e a fraternidade. No entanto, também precisamos tratar do “que está dentro”. Dentro do quê? Da base do pensamento que constrói essas identidades.
No tete-a-tete das discussões de militância, observo como muitos conceitos que “ganharam as ruas” nos últimos tempos são interessantes enquanto “ganhar vida para além dos livros e teses”. Porém, ficam e param na própria militância. Nascem ali e ficam ali, como uma ave que compreende o poder de suas alças mas nunca alça voo para além de seu próprio quintal, e nem sobe à árvore para avistar, ao horizonte, as possibilidades de poder de alcance daquela ideia.
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