Todo carnaval tem o seu fim, mas neste ano bateu aquela reflexão sobre o poder do samba. Assistindo aos desfiles e as apurações das escolas de São Paulo e Rio de Janeiro percebi o extremo embranquecido do Carnaval e a falta de pessoas pretas em cargos de liderança, seja como presidentes, diretores gerais, comissão de carnaval.
Talvez isso explique o absurdo visto no desfile oficial de uma entidade do grupo de acesso ‘paulistana’ cujo presidente protagonizou atos racistas em pleno sambódromo. Talvez isso explique os depoimentos de dirigentes tentando passar pano e dizer que o samba é todo e que não existe racismo, em uma triste tentativa de apropriação cultural.
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A raiz do samba é preta, bem preta como a cor da África, das senzalas, do batuque! As escolas representam a história ancestral de uma raça e foram criadas como uma espécie de quilombos para que pretos, mestiços e brancos periféricos pudessem expressar sua arte e cultura.
Desde que me conheço por sambista, aprendi que, dentro do possível, as escolas são territórios democráticos e recebe homens, mulheres, gays, héteros, pretos, brancos, novos, velhos, magros, gordos, malandros e otários. O importante é gostar do samba e do pavilhão!
Porém, neste século 21, o samba das escolas sambou!
As comunidades e os sambistas foram deixados de lado para dar lugar a turma do camarote, da área vip, dos amigos e puxa-sacos dos presidentes.
Infelizmente, as escolas viraram uma ótima opção para relacionamentos lícitos ou ilícitos, curral eleitoral para políticos, redutos de uma classe privilegiada que vê no ziriguidum um local para desfilar o seu ego, vaidade e riqueza!
Pior é que os sambistas foram afastados para dar lugar às pessoas privilegiadas que se tornam lideranças na estrutura do Carnaval e fazem a regra do jogo!
Talvez isso explique, a razão pela qual um desfile de escola parece uma parada militar com fantasia.
Talvez isso explique o embranquecimento nos desfiles.
Talvez isso explique por que os pretos, com algumas exceções, só desfilam empurrando os carros alegóricos ou tocando nas baterias (ali se mostram boa equidade).
Talvez isso explique o afastamento dos sambistas, seja ele preto ou branco, para a chegadas de pessoas cujo foco é a disputa e não a cultura do samba.
Talvez isso explique a aparição dos sambistas ‘camiseiros’, pessoas que mudam de pavilhão tal qual um jogador muda de time de futebol!
O fato é que o samba agoniza, mas não morre! Torço para chegar o dia em que o samba voltará para o deleite dos sambistas e não precisemos fazer esse tipo de texto para explicar: o samba é preto, o samba é um local democrático, o samba é resistência, o samba é arte, cultura e ancestralidade. Axé!
*Dinho Luiz é jornalista, sambista e pesquisador do samba paulista.
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