Professor Juarez Xavier homenageia Muhammad Ali, um dos maiores esportistas da história e símbolo de resistência e orgulho negro
Texto: Juarez Xavier / Imagens: Reprodução
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O dia 1º de dezembro de 1955 é um ponto de inflexão na história da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos da América. Nele, Rosa Louise McCauley (Parks), 42, com o corpo destroçado por uma exaustiva jornada de trabalho, disse não!
Ela se recusou a dar lugar ao homem branco (como determinava a política de segregação racial no transporte público), e deflagrou o movimento que incendiou Montgomery, Alabama, que se estendeu para todo o país.
A decisão da costureira provocou um boicote que se prolongou de 1º de dezembro de 1955 a 20 de dezembro de 1956. Ao final de quase um ano, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou inconstitucional a segregação no transporte público, na cidade e no estado.
Rosa tornou-se o símbolo dos movimentos pelos direitos civis. Sua coragem implicou a vida de três homens negros que seriam, a partir daquele momento, os principias protagonistas da luta política contra o racismo nos EUA.
O mais velho era Malcolm Little, 30; o do meio, Martin Luther King, Jr, 26; e o mais jovens, Cassius Marcellus Clay, 13. Malcolm tornou-se Al-Hajj Malik El-Shabazz, ou simplesmente, “X”, o mais radical dos militantes antirracista no século 20. King (ganhador do prêmio Nobel da Paz em 1964) tornou-se o “apóstolo” da não violência, e a mais respeitada autoridade política da luta pelos direitos civis. Cassius (a síntese perfeita entre os extremos) renasceu Muhammad Ali-Haj, e transformou o boxe na mais eficiente plataforma política de denúncia das violências que subjugavam os corpos negros, nos EUA – e quiçá, no mundo!
No esporte, o cartel de Ali é invejável (62 lutas, 57 vitórias, 37 nocautes e 5 derrotas). Três vezes campeão mundial (1964, 1974 e 1978), medalhista olímpico nos jogos de Roma em 1960, e eleito o desportista do século (Sports Illustrated em 1999).
Campeão no ringue, ele foi um gigante fora dele.
O vida política de Cassius começa com um episódio insólito. Naquele tipo de história em que a versão dispensa a factualidade do real: o destino da medalha olímpica.
Conta a lenda (nunca confirmada ou negada) que na volta de Roma como campeão olímpico, Cassius Marcellus Clay foi a uma lanchonete. A garçonete se recusará a atendê-lo, por ser negro (a Lei dos Direitos Civis foi aprovada em 1964; em 1965 foi aprovada a Lei dos Direitos ao Voto). A segregação era legal na maior parte dos estados do país.
Revoltado, o jovem Cassius jogou a medalha de ouro no rio Ohio.
A rebeldia em relação ao preconceito (luta contra menor valia da população afroamericana), à discriminação (luta contra a segregação) e ao racismo (luta contra o destroçamento físico e psíquico) passou a ser a métrica e o compasso da luta política, de um dos maiores frasistas de sua geração.
Cassius se aproxima da Nação do Islã no final da década de 1950. O grupo religioso é fundado na década de 1930, em Detroit. Entre os seus objetivos estava a melhoria das condições materiais e espirituais dos afroamericanos.
Na década de 1930, a NOI (Nation of Islam) cresce e se expande, com a fundação de mesquitas, da “Muhammad University of Islam”, empresas e propriedades.
O pugilista vai à primeira reunião em 1961. Em 1962, ocorre o encontro que transformaria sua vida política para sempre. Conhece Malcolm X, seu orientador espiritual nesses primeiros passos nas veredas do islã. Mais tarde, com o rompimento de Malcolm com a Nação do Islã, os dois amigos se afastaram. Ali disse que esse rompimento foi a única coisa da qual se arrependeu em sua vida.
“Cassius Clay é o nome de um escravo. Não foi escolhido por mim. Eu não o queria. Eu sou Muhammad Ali, um homem livre”, afirma o campeão do mundo.
Os anos de 1960 são de duros enfrentamentos políticos raciais nos Estados Unidos. Em 1965, no dia 21 de fevereiro, no Harlem, Nova York, Malcolm foi assassinado com 13 tiros, como mostra o extraordinário filme “Malcolm X” dirigido pelo cineasta Spike Lee, que teve a impecável interpretação de Denzel Hayes Washington. Em 1968, no dia 4 de abril, em Memphis, Tennessee, King foi assassinado.
Ali resistiu e tornou-se conhecido mundialmente no período hostil que triturou líderes da população afroamericana. Em 1967, o campeão mundial tomou uma decisão que o fez perder o título, e se afastar do ringue por anos. Alistado em 1964, aceito em 1966, e convocado pela U.S. ARMY, no dia 28 de abril, para lutar na Guerra do Vietnã (como Rosa Parks fizera 12 anos antes), Muhammad Ali-Haj disse não!
“O que um vietcong me fez para que eu esteja em guerra com ele?”, perguntou Muhammad. “Por que pedem que eu vá à guerra para matar pessoas, quando, em Louisville, os negros são tratados como cães?”, comparou Ali.
Muhammad Ali compreendeu a importância da mídia nas sociedades de massa. Suas performances no ringue e na vida formaram legiões de admiradores. Ele foi o campeão dos campeões na luta pelos direitos civis.
Sobre ele, disse Nelson Rolihlahla Mandela (1918-2013), boxista amador: “Muhammad Ali não era apenas o meu herói, mas herói de milhões de jovens, negros sul africanos porque ele trouxe a dignidade para o boxe. Quando eu conheci Ali, pela primeira vez, em 1990, eu estava extremamente apreensivo. Eu queria dizer tantas coisas para ele. Ele foi uma inspiração para mim, mesmo na prisão, porque eu pensava na bravura dele e no compromisso com o esporte”.
“O homem sem imaginação não tem asas”, disse Muhammad Ali. O bailarino dos ringues (a leveza da borboleta e o ferrão da abelha) nocauteou todos os seus adversários, e um inimigo: o silêncio que acorrentava milhões à violência do racismo.
Com a grandeza demonstrada em sua breve vida (1942-2016), de fato, era difícil ser modesto.
Obrigado, Ali, dizem negros e negras ao redor do mundo, ao campeão mundial dos Direitos Civis.