Em 1991, o Movimento Negro Unificado (MNU) publicou um jornal cuja capa continha a inscrição “reaja à violência racial”. Na foto, uma mulher e um homem negros se beijando com o complemento “beije sua preta em praça pública”. Diante da recente redemocratização do país, uma das mais antigas organizações do movimento negro brasileiro nos dava um recado: era preciso reagir à violência racista, e era necessário que isso fosse feito pelas mãos do movimento negro, com os métodos de luta do movimento negro.
O próprio surgimento do MNU – à época denominado Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR) -, em 1978, pode ser considerado um dos eventos mais importantes da história do protesto negro no Brasil. Isso porque, em plena Ditadura Militar, a ocupação das escadarias do Teatro Municipal para a refundação do movimento negro significou também a retomada do protesto de rua como forma de luta pela transformação social, na época condensada na exigência de uma verdadeira “democracia racial”.
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Décadas depois, em 2020, diante do assassinato de George Floyd em plena pandemia da Covid-19, manifestações contra a violência racial explodiram em todo o mundo e a Coalizão Negra por Direitos, frente que articula mais de uma centena de organizações do movimento negro no país, publicou um manifesto denominado “enquanto houver racismo, não haverá democracia”. Mais uma vez, estava colocada a discussão no panorama do movimento negro nacional.
Essa semana, dois casos bárbaros de violência racista impactaram o nosso país: uma chacina pelas forças policiais na Vila Cruzeiro, na cidade do Rio de Janeiro, que vitimou ao menos 25 pessoas, e a execução de Genivaldo asfixiado em uma câmara de gás improvisada no porta-malas de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal em Sergipe, em plena luz do dia, com muitas pessoas assistindo e filmando.
Dois casos bárbaros que não podem ser considerados isolados. Há um ano o Rio de Janeiro vivia a maior chacina de sua história, no Jacarezinho, que já teve quase todas as investigações arquivadas. O estado de São Paulo também tem uma marca de chacinas promovidas por forças policiais na sua história recente, como a que ocorreu em Osasco e Barueri no ano de 2015.
No dia seguinte ao assassinato de Genivaldo pela Polícia Rodoviária Federal, a cidade de Umbaúba em Sergipe amanheceu com revolta. Pneus foram queimados, uma barricada foi montada, e gritos de justiça foram proclamados por parte dos moradores. A população organizada fez uma viatura da Polícia Militar recuar.
Se é verdade que a violência racista não é novidade na história do Brasil, a reação coletiva a ela precisa ser. Enquanto o Estado brasileiro insistir em nos dizer que as nossas vidas não importam, precisamos demonstrar que somos a maioria e que sem justiça não haverá paz aos que não nos querem vivos. Nós sabemos o caminho, é preciso segui-lo.
*Paula Nunes, advogada e covereadora da Bancada Feminista (PSOL-SP).