Por: Carmela Zigoni, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos)
A política de promoção da igualdade racial e de enfrentamento ao racismo foi completamente desmontada na gestão de Jair Bolsonaro. Já no Plano Plurianual (PPA) 2019-2023, o governo deixou bem nítido seu viés racista, ao excluir as pessoas negras do documento, bem como as comunidades quilombolas. A eliminação desses públicos do PPA teve consequências, pois extinguiu o planejamento para a implementação das políticas públicas e dos programas orçamentários específicos para a promoção dos direitos da população negra e quilombola.
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Para 2023, a dotação inicial para a promoção da igualdade racial foi zero, pois o governo Jair Bolsonaro não previu recursos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2023 para tal agenda e o Congresso Nacional não aportou recursos na Lei Orçamentária Anual (LOA). Esse cenário, felizmente, foi revertido pelo novo governo que alocou R$ 70,8 milhões, dos quais foram pagos R$ 30,5 milhões (43%). É preciso destacar que houve um esforço por parte do Ministério da Igualdade Racial para o empenho das verbas, que chegou a R$ 68,8 milhões, ou seja, 97% do total.
Com a criação do Ministério da Igualdade Racial (MIR), liderado por Anielle Franco, iniciou-se o caminho para a retomada programática do orçamento sensível à questão racial. Os movimentos sociais negros participaram ativamente no processo de transição para que o órgão fosse erguido novamente. No dia 21 de março de 2023, Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial, o governo lançou sete medidas de enfrentamento do racismo, envolvendo diversos órgãos e buscando criar grupos de trabalho para elaborar as novas políticas públicas.
No novo PPA 2024-2027, a igualdade racial voltou a ter uma programação específica, estando presente nas agendas finalísticas, nas transversais e também entre as prioridades do plano. No entanto, ainda estamos muito distantes de uma política pública de Estado.
Por exemplo, a Lei nº 10.639/2003, que já conta com 20 anos de existência e visa educar a população para o antirracismo desde a escola, nunca teve um programa no Ministério da Educação (MEC) para efetivar sua implementação, e agora não é diferente. O Programa 5111 – Educação Básica Democrática, com qualidade e equidade não prevê objetivos, indicadores e metas com o recorte de raça/cor, nem menciona a implementação da Lei nº 10.639/2003.
Em 2023 foi lançado o Plano Aquilomba Brasil, e a regularização fundiária, responsabilidade do Incra sob coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), foi retomada, mas o aporte financeiro em 2023 foi mínimo, de apenas R$ 2,4 milhões, reflexo do desmonte do governo anterior. Para 2024, uma boa sinalização, serão R$ 144,3 milhões e é urgente que sejam executados todos estes recursos – a cifra parece grande, considerando a alocação zero dos anos Bolsonaro, mas por se tratar de uma política que envolve indenizações a ocupantes irregulares das terras quilombolas, necessita investimento para se efetivar.
O Programa Juventude Negra Viva, que envolve 18 ministérios, terá o desafio de se materializar e oferecer resultados em um país que acumula óbitos de jovens negros ano a ano – estamos falando de cerca de 250 mil jovens em 10 anos. Isso significa que, além dos R$ 12,3 milhões do MIR para coordenar e monitorar o programa, será necessário que estes outros órgãos realizem o detalhamento dos recursos destinados ao alcance das metas previstas.
O grande trunfo para uma transição entre ações pulverizadas e com orçamento tímido pode ser o investimento no Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR), que precisa aumentar a sua abrangência nacional e se consolidar, comprometendo todos os entes federados com a superação do racismo no Brasil. Há cerca de R$ 76 milhões para esse fim em 2024 sob responsabilidade do MIR. Uma política pública sistêmica e estruturada em âmbito federal, estadual e municipal pode ser o caminho para que o Brasil finalmente possa ter uma política de Estado – e não somente de governos – para o enfrentamento ao racismo.
Carmela Zigoni é doutora em Antropologia Social e pesquisadora-colaboradora do Laboratório de Antropologia da Ciência e da Técnica LACT/UnB (pós-doc). Tem especialização em Gênero e Sexualidade pela Universidade de Amsterdam (UvA) e em Avaliação de Políticas Públicas pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). É assessora política do Inesc, onde atua no monitoramento do orçamento público de políticas para mulheres, igualdade racial e direitos das comunidades quilombolas; democracia e sistema político; transparência e governo aberto; formação de movimentos, juventudes e lideranças; e incidência política.