Apenas em 2022, o Brasil já contabilizou 500 mortes pelos impactos causados pelas fortes chuvas. Em janeiro, em fevereiro, em março, em maio, na Bahia, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, em Pernambuco, em Alagoas. Tantos estados da federação, com estações e padrões climáticos diferentes, em meses seguidos, com altos índices de morte… Será mesmo que os governadores ainda continuarão culpando as chuvas?
O presidente Jair Messias Bolsonaro parece responder a essa pergunta em sua fala: “Um país de dimensões continentais, isso pode acontecer”. Respondemos de volta, “não, senhor presidente, isso não pode acontecer”. Inclusive, porque essas tragédias humanas anunciadas não ocorrem por causa das dimensões do continente, e sim devido a um modelo de país extremamente desigual, coronelista, patriarcalista e racista.
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Na região metropolitana de Recife, no estado de Pernambuco, a população se uniu para buscar os seus familiares entre os escombros dos deslizamentos. As perdas de vida já chegam a mais de 120 pessoas.
No estado de Alagoas, foram confirmadas três mortes e mais de 7.500 pessoas afetadas pelas fortes chuvas. Em Sergipe, a Defesa Civil foi acionada pela ocorrência de desabamentos, pelo risco de desabamentos em outras áreas e por vários pontos de alagamentos na capital Aracaju. Na Paraíba, os moradores tiveram que trafegar utilizando canoas porque as ruas do centro da região metropolitana de João Pessoa alagaram.
Esse alto índice de precipitação na região Nordeste está relacionado aos Distúrbios Ondulatórios de Leste, também chamados de Ondas de Leste, que se deslocam desde o litoral do continente africano até o litoral Leste do Brasil. É considerado um evento típico do período de inverno no Nordeste, com mais chuvas. Porém, esse deslocamento de ar das Ondas de Leste encontraram os movimentos de massa de ar da frente fria que afetou as regiões Sul e Sudeste na semana passada, o que permitiu a formação e a intensificação dessas chuvas na região Nordeste.
Dessa forma, o que aconteceu foi o encontro de um evento esperado e um “inesperado”. Inesperado porque foi uma frente fria de massa polar de intensidade, ocasionada pelo aumento da temperatura no Oceano Atlântico, o que baixou as temperaturas nas cidades, ocasionando neve e geada em pleno outono na região Sul. Quão inesperado foi esse evento quando os pesquisadores já vêm alertando que o aquecimento do globo terrestre está causando uma crise climática e ondas de maior calor e frio intensos são esperados? Como viventes no planeta Terra, esses eventos climáticos já estão mais intensos e já não obedecem os regimes meteorológicos esperados para cada período ou região.
Independentemente, a certeza dos períodos de chuva é a morte de pessoas negras e periféricas. É o dano irreversível em muitas famílias pela perda das únicas conquistas materiais e a segurança de um teto para habitar. Recife, por exemplo, tem um histórico de tragédias relacionadas aos altos índices pluviométricos: 1975, 1986,1990 e 2010 (com enchentes em 41 municípios da zona da Mata Sul).
Essa certeza se dá porque a falta de planejamento urbano de longo prazo nas cidades tem aprofundado as desigualdades sociais e ambientais, principalmente, para as populações de baixa renda, negras e indígenas neste país. Sendo assim, tendo suas condições de vida vulnerabilizadas em um cenário de mudanças climáticas, elas são as primeiras a morrer.
A população racializada mais empobrecida que vive nas grandes cidades é empurrada para as regiões de maior fragilidade ambiental, portanto, de menor interesse econômico para o mercado imobiliário. Sem políticas habitacionais, sem infraestrutura básica, sem saneamento básico, sem planos de adaptação e de prevenção de desastres, a única coisa que essas pessoas têm é o risco de morte. E é o Estado que as empurra para esse fim.
Quantas pessoas ainda vão pagar com suas vidas pelo racismo ambiental, pela falta de planejamento e pela inércia no enfrentamento das mudanças do clima pelo Estado brasileiro?
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