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O que significa blackfishing?

A socióloga Triscila Oliveira explica o que é o blackfishing, fenômeno que tem ganhado corpo no mundo e se desenvolve de maneira parecida com a apropriação cultural
Mulheres fazem blackfishing

Foto: Reprodução

21 de janeiro de 2019

Por: Triscila Oliveira

Desde o final de 2018, uma nova onda vem crescendo entre as influencers na internet, uma prática já conhecida que hoje ganhou o nome de blackfishing. O termo em inglês derivado do “catfishing”, que significa impostor, neste caso é a prática de uma pessoa branca usar de elementos próprios da cultura negra.

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É um fenômeno sócio-comportamental. As pessoas usam características étnicas com intuito de tirar proveito pessoal dessa identificação, algo que vem se tornando cada vez mais comum nos últimos anos pelo crescimento da representatividade negra nos debates raciais.

Além dos cabelos, estilos e trejeitos, as pessoas chegam ao ponto de usarem várias camadas de bronzeadores até adquirirem um tom de pele negro, o famoso moreno claro.

A prática é racista de todos os ângulos, desde a pessoa que pratica o blackfishing, protegida por seus privilégios, às seguidoras que usam um escudo neoliberal de direitos da mulher, até as empresas que buscam representatividade hoje, se valendo do colorismo para invisibilizar os negros mais retintos, e levando uma ilusão de inclusão para suas marcas, seguindo uma nova tendência de mercado.

Um sobrenome constantemente mencionado quando falamos de Blackfishing e apropriação cultural é o Kardashian. Milhões de jovens atribuem ao “efeito Kardashian” o aumento na procura de cirurgias e procedimentos estéticos para aumento de lábios, seios e glúteos, características estas que sempre foram e são motivos de zombaria para negros e negras.

Um bom exemplo disso é a história de Sarah Bartman, mulher negra africana, que foi exposta como atração circense em Londres e Paris por conta do tamanho exacerbado de suas nádegas.

No Japão, há alguns anos existe uma tribo chamada B-stylers, que praticam o “B-style”, contração do termo “Black lifestyle”, que em tradução livre significa “estilo de vida negro”. Esses jovens se bronzeiam em clínicas, usam maquiagens escuras e frequentam sales para estruturar seus cabelos naturalmente lisos, trançar ou aplicar extensões. O objetivo é parecer o mais afro-americano possível. Eles se encontram pra curtir Hip-Hop, dançar break e até promovem batalhas de rimas.

Aqui, vemos cada vez mais blogueiras e influencers fazerem o uso do Blackfishing como recurso de autopromoção, pois sabem que isso vai gerar debate das redes. Na internet, curtidas e comentários, ainda que negativos em seus posts, geram visibilidade e consequentemente mais alcance, crescimento de seus perfis, o que basicamente significa mais contratos e dinheiro.

As consequências do ato individual dessas pessoas, que tem o poder de influenciar outras milhões, geram impactos gigantescos que fortalecem as estruturas racistas, que nos discriminam, violentam e matam diariamente, pelas mesmas características que elas usam como adorno.

“A questão é que apropriação cultural não é sobre usar ou não turbantes, e sim sobre poder. O poder que uma sociedade e sua, que se colocou no posto de dominante, no caso pela colonização, tem para definir que as demais culturas e, consequentemente, os integrantes dessa cultura, são inferiores em relação a ela, mas, a partir do momento que essas culturas ou seus elementos são apropriados pela estrutura dominante, esses elementos perdem a inferioridade e ganham o status de exótico e/ou se tornam lucrativos. Assim, apropriação cultural é um fenômeno estrutural e sistêmico”, diz Stephanie Ribeiro, colunista da Marie Claire.

“Isso significa compreender que ele não pode ser entendido ou problematizado sob o ponto de vista particular, individual. Claro que um indivíduo pode usufruir da apropriação cultural de um grupo ou povo, quando não possui autocrítica ou conhecimento sobre o tema. No entanto, as consequências desse processo são sempre em nível coletivo, na estrutura: favorecimento do processo de marginalização desses grupos ou povos socialmente invisibilizados e oprimidos inconscientemente”, complementa.

Quando falamos do Brasil, um pais com uma herança escravocrata ainda muito recente, onde a maior parte da sua população é negra e com uma grave distorção da sua identidade racial, temos um problema sério.

Qualquer debate sobre negritude requer aulas de história, justamente pelo nosso passado e o apagamento sistemático das evidências desse escravagismo, em que suas consequências se perpetuam, de um lado beneficiando uma branquitude, que custa a reconhecer os seus privilégios, seus preconceitos e não sabem (e não querem) se responsabilizar pela parte que lhes cabe na opressão, e de outro uma negritude com pouco acesso a informação e muita dificuldade de se reconhecer negros e negras após séculos de exclusão, da falácia da democracia racial que incutiu um racismo velado que até mesmo os negros o reproduzem sendo sub-opressores no seu meio e buscando alternativas de embranquecimento social, sendo a principal as relações interraciais.

Apropriação é a retirada de algo pertencente a um povo, etnia ou cultura, de forma industrializada e vendida como uma mercadoria e nos casos de blackfishing, um estúpido lacre na internet.

Nunca na história a indústria cosmética nos enxergou, sendo a única coisa que sempre existiu para os nossos cabelos tipos 3 e 4 as prateleiras de alisantes. E o ser humano se adequa pra sobreviver, ou vocês acham que todos os negros e negras, que foram e são discriminadas em entrevistas e ambientes de trabalho por conta dos seus cabelos naturais, estavam de “mimimi”?

Sofremos um apagamento histórico cultural e racial e fazem apenas 5 (cinco) anos que temos produtos para tratar nossos fios, consequência dos ecos dos movimentos sociais que se desencadearam nos Estados Unidos em 2013.

Se vocês se sentem representadas por brancas usando nossos elementos como uma mera fantasia, eu preciso pedir que busquem conhecimento sobre o significado destes na história dos nossos ancestrais.

Mulheres negras nunca estiveram no mesmo patamar de igualdade das brancas, e exemplificarei isso com algo bastante simples: Enquanto elas estão se redescobrindo sem maquiagem, de cara lavada, nós negras estamos nos descobrindo com maquiagem, pela primeira vez com tons para a nossa pele. É um momento sensível de transição mental, redescobrimento, aceitação e construção da nossa autoestima. Ver famosas brincando de se parecer conosco é desrespeitoso e machuca.

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