Tentei ir no mais profundo e sincero pra trazer um sol pra ela, o papo de ontem ainda está fazendo inverno na preta, colei cedo porque ela faz parte da organização, não para de chegar gente, só gente preta.
“Não é tirando, é que hoje é um lance nosso só nosso”, me explica um maloqueiro. As crianças brincando, correndo, pulando, todas com cabelos naturais e roupas coloridas. Mesa farta, frutas, comidas saudáveis, sucos, sem refrigerante e bebida alcoólica. Música boa, uns repão pesado, uns sambas antigos, umas músicas do oeste da África bem loka. O Natal é sempre um novo recomeço.
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Uma lua no céu de se fazer admirar, um universo lindo de se sentir pulsar no corpo, nós meros grãos de areia íamos celebrar um dia de vitória. As moças pretas umas mais lindas que as outras: altivas, cabelos, vestidos, risos vários naipes, os caras também, elegantes, postura, homens pretos bonitos, sorridentes muito sorridentes.
Eu olho minha garota com alegria, ela me olha com preocupação, prometi que não vou cair no abismo da frustração e desistir da luta da vida, mas ela ainda não tem fé. Me fecho.
A escola de samba que abriu as portas é da Barra Funda, o quilombo no asfalto. Um casal tinha acabado de ter uma filha, o papai apresentou a mais nova pra aldeia, falou umas coisas no ouvido da filha, depois a ergueu bem alto e disse o nome pra todos “Ayana” declamou um poema e nós aplaudimos, chorei mas consegui disfarçar, estava me desarmando puta perigo.
Uma mana da leste foi cantar um rap, mais macumba que tudo, que voz linda. Mano muita informação pra minha cabeça confusa, tudo novo pra mim, uma estranheza bonita, quanta gente feliz, faz tempo que não vou em um rolê de preto que não sai uma briga.
Um tiozão Rasta, estava expondo uns livros, fui ver “Já leu esse aqui, Se a Rua Beale Falasse?” Nunca li um livro, fiquei envergonhado, mas o Velho Rasta levou de boa e me presenteou a obra. A preta pega o microfone e começa um discurso sobre unidade, a importância da solidariedade entre os pretos e pretas, na falta de qualquer um dos nossos, é uma perda pra nós todos e todas. Depois de dar o papo ela vem na banca dos livros com as lágrimas escorrendo pelos olhos, sorri, toca meus lábios com um beijo, me presenteia com a biografia do Malcolm.
“Vou ler essa fita, preta quero trazer meus primos, minha mãe e o P.H pra um encontro desse talvez a gente não mate nossas mágoas, mas compreende as milhares de frustrações, quem sabe ano que vem?”. Ela com um sol nos olhos acesos me informa “Não precisa ser ano que vem, chama seu povo amanhã? Hoje é só o primeiro dia preto, primeiro dia da Kwanzaa.”
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