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Cineasta critica as plataformas comerciais de filmes e defende espaço público nacional

Em entrevista para a Alma Preta, o cineasta Bernardo Oliveira contou das limitações colocadas pelas plataformas comerciais de streaming para a produção cinematográfica e abordou a importância de uma ferramenta pública; Ministério da Cultura anunciou lançamento de plataforma para o segundo semestre
Bernardo Oliveira durante programação da FILBo. Foto: Pedro Borges/Alma Preta.

Foto: Bernardo Oliveira durante programação da FILBo. Foto: Pedro Borges/Alma Preta.

15 de maio de 2024

A relação do público com o cinema mudou. Se as gerações anteriores estavam acostumadas a ir ao cinema, hoje as novidades são apresentadas a partir de lançamentos de plataformas comerciais de streaming. Com um celular na mão, é possível ver filmes e séries de inúmeros países, nas mais diferentes atividades cotidianas, como deslocamento para o trabalho, intervalo do almoço, entre outras.

O que parece democratizar por um lado, por outro pode ser um maior cerceamento da liberdade do fazer cinema, segundo Bernardo Oliveira, cineasta e professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Se você colocar no Netflix, vai encontrar um monte de filmes da Tailândia, Indonésia, Argentina, alguns africanos, talvez da Nigéria, mas todos eles se caracterizam por serem absolutamente parecidos na sua na sua maneira de filmar, na sua maneira de expressar, na sua maneira de montar as cenas”, afirma.

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Bernardo Oliveira chama esse fenômeno de “plataformismo cinematográfico”, uma prática de cinema formada por um “conjunto limitado de artifícios audiovisuais” e de uma “uma lógica extremamente restritiva” em relação às inúmeras possibilidades do cinema.

Essa estrutura, inclusive, faz um movimento ambíguo para com a população negra, na medida em que conseguiu ampliar a participação por um lado, e também impregnou a lógica das plataformas nas obras de pessoas negras por outro.

“Há mais espaço para o tema da negritude. Houve uma ampliação por assimilação das questões relacionadas às populações negras, a luta da negritude, a luta contra o racismo. Acho que o plataformismo acabou tendo que negociar com essa produção. Entre 2006 e 2014, o cinema negro foi produzido de uma maneira expressiva em termos numéricos e a partir do plataformismo esse cinema vai aos poucos sendo cooptado por essa indústria”, conta.

A entrevista com o cineasta ocorreu durante a Feira do Livro de Bogotá (FILBo), que teve o Brasil como país convidado. Bernardo Oliveira participou das atividades do Ciclo Afro, quando debateu com junto com as pesquisadoras de cinema afro-colombianas Zulay Riascos, com mediação de Indhira Serrano.

As plataformas públicas

O Ministério da Cultura anunciou o lançamento de uma plataforma pública de audiovisual para o segundo semestre. Segundo posicionamento da pasta, o projeto foi idealizado pela Secretaria do Audiovisual (SAV) e “pretende promover a diversidade cultural do Brasil ao disponibilizar gratuitamente uma ampla gama de conteúdos audiovisuais nacionais, incluindo filmes, séries e documentários”.

A proposta visa tornar a “cultura do país acessível a todos” e promete “enriquecer o panorama do consumo de produções audiovisuais brasileiras”, como explicado pelo Ministério da Cultura.

Ideias sobre plataformas públicas de conteúdo já foram apresentadas por intelectuais e pesquisadores. Leonardo De Marchi, professor da Escola de Comunicação da UFRJ, em entrevista para a Carta Capital, apresentou a ideia de uma plataforma pública para a disseminação de música, com a possibilidade de fortalecer a produção nacional. A partir dessa reflexão, Bernardo Oliveira passou a defender o mesmo para o cinema.

“Acho que deveria ter um número de filmes como as plataformas comerciais, com uns 300 ou 400 filmes, sempre se renovando, e um espaço que abarcasse obras antigas e atuais do cinema nacional”, diz.

O espaço público na esfera digital seria uma resposta para uma lacuna das empresas privadas, que é a ausência de médias e curta-metragens, gêneros consagrados no cinema e sem espaço de veiculação nos ambientes comerciais.

“Onde é que você exibe isso? Não é nas plataformas comerciais, com certeza. Isso fica restrito aos grandes festivais de cinema”. Bernardo Oliveira acredita que esse espaço pode ter uma relevância para a produção cinematográfica nacional.

Ele não consegue imaginar essa ferramenta ser produzida por outra fonte, que não o poder do Estado. Para ele, há uma diferença no objetivo do financiamento público e privado: “O problema é que a lógica do cinema é a lógica da política econômica. A lógica do mercado não é a da expressão, da educação, nem da ampliação da imaginação”.

O investimento público também pode ser uma saída para a desigualdade cinematográfica existente no cinema, com menor produção de pessoas negras. Bernardo Oliveira sinaliza para a discrepância na produção cinematográfica de mulheres negras e outros grupos, algo que só pode ser resolvido pelo setor público com ações afirmativas, com a criação de editais, prêmios e outras ferramentas de apoio.

“Chamadas públicas, dentro da plataforma, para cinema indígena, para cinema realizado por mulheres negras. Acredito muito em políticas públicas enviesadas”, conclui.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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