Por: Jeremías Perez Rabasa
Na véspera da comemoração da Revolução de Maio — feriado nacional argentino celebrado em 25 de maio —, um ato de blackface foi encenado no programa “Sería increíble”, que é transmitido pelo canal de streaming OLGA, apresentado por Nati Jota, Damián Betular, Eial Moldavsky e Homero Pettinatto. Após o evento, a organização antirracista Diáspora Africana da Argentina (DIAFAR) criticou o programa e denunciou a prática racista. O vídeo da organização afro-argentina teve uma recepção forte e favorável nas redes sociais; em poucas horas, obteve mais de 40.000 visualizações e centenas de mensagens de rejeição ao blackface e apoio à causa antirracista.
No dia seguinte à publicação do vídeo de repúdio, os apresentadores abriram o programa afirmando que haviam sofrido uma tentativa de cancelamento e rejeitaram as acusações da organização. A OLGA tomou a decisão de denunciar a publicação da DIAFAR, alegando violação de direitos autorais. Diante desse ato de censura, a DIAFAR publicou uma carta aberta explicando a situação e pedindo que o canal refletisse.
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Essa não é a primeira vez que tal ato ocorre em um meio de comunicação. O blackface, embora seja visto com menos frequência do que há alguns anos, geralmente aparece em alguns eventos escolares nessas semanas, em publicações infantis e em vários meios de comunicação. É uma forma de discriminação racial que tem suas origens no século 19, quando atores brancos se pintavam de preto para retratar a escravidão como uma instituição benigna e romântica e/ou para retratar pessoas de ascendência africana de forma ridícula. Um exemplo vergonhoso é o filme Amalia, o primeiro longa-metragem do cinema nacional argentino.
Por causa do ato de racismo, a OLGA decidiu censurar a DIAFAR. O texto publicado pela organização afro-argentina explica por que eles consideram importante se manifestar contra atos racistas na mídia:
“Denunciamos o racismo na mídia porque entendemos o potencial de dano que ela possui devido ao seu poder multiplicador. Produzimos vídeos e declarações repudiando o material e as ações de diferentes produtores, estações de rádio e/ou canais. Temos nos manifestado inclusive quando as partes envolvidas solicitam o diálogo pedagógico.
Além disso, eles se referem à defesa feita pelos apresentadores do programa da semana passada, em que eles afirmaram que se sentiam apontados como inimigos:
“Não estamos apontando-os como inimigos, o inimigo é o racismo (que, obviamente, não se esgota no blackface). Nossa organização está aberta para estender o diálogo, como um dos motoristas mencionou. Não pedimos o cancelamento, mas a retratação e a reparação”.
Dada a persistente denúncia do blackface por ativistas antirracistas ao longo dos anos, essa já não é mais uma prática sistemática nas escolas e na mídia. Entretanto, de tempos em tempos, tais atos ressurgem. A DIAFAR se manifestou publicamente em várias ocasiões sobre o papel da mídia na reprodução do racismo. A DIAFAR, como parte da Federação Nacional de Organizações Afro-Argentinas (FNOA), apresentou uma reclamação ao Instituto Nacional contra a Discriminação, Xenofobia e Racismo (INADI) em 2020 sobre uma apresentação artística de blackface no programa de televisão “Cantando 2020”. O INADI interveio solicitando um espaço de diálogo entre a DIAFAR e a produtora La Flia Contenidos, responsável pelo programa. O processo se concentrou na busca de uma forma de reparação, que resultou em um compromisso da produtora de produzir material de conscientização sobre o blackface.
O Negrx entrou em contato com a produtora do OLGA, mas até o momento da publicação deste artigo ainda não havíamos recebido uma resposta.
Este artigo foi publicado originalmente em espanhol no portal Negrx, parceiro da Alma Preta na Argentina, e parte do site do jornal Página 12.