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Imigrantes africanas no Brasil sofrem com burocracia racista

Estudo aponta que mulheres do continente africano recebem mais recusa de permanecimento no país do que de outras regiões

Imagem: Reprodução/ONU

Foto: Imagem: Reprodução/ONU

21 de outubro de 2022

No Brasil, o maior problema que as mulheres migrantes enfrentam com a Polícia Federal está relacionado com a documentação. No entanto, entre 2017 a 2021, o Projeto Mulheres Migrantes realizou o acolhimento de 797 mulheres egressas em 7.437 atendimentos multidisciplinares, em que foi percebido que mulheres de países africanos são mais barradas do que de outras nacionalidades. Os motivos para o impedimento não ficam claros quando sai a determinação da justiça, o que leva o instituto a compreender que o entrave pode ser motivado por racismo e desigualdade de gênero. 

O estudo “Relação entre a Polícia Federal e as Mulheres Migrantes Egressas Atendidas” identificou ainda que 73% das demandas das mulheres migrantes egressas é documental, seguida de demandas relativas ao processo administrativo de expulsão, tais como orientações para pedido de autorização judicial para antecipação da expulsão, defesa da expulsão, assinatura de Inquérito Policial de Expulsão ou Portaria de Expulsão (41%). 

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Aparecem também demandas relativas a pedidos de permanência/residência (15%), compra de passagem (4%) e intimação ou comparecimento à PF para esclarecimentos (4%).

No Brasil, a gestão burocrático-administrativa da população migrante é feita pela Polícia Federal. No entanto, segundo o estudo, delegar esta gestão a uma instituição policial indica uma dimensão simbólica de “criminalização da migração”. 

Para os migrantes, entrar em contato com agentes que executam um papel social de controle e repressão, com vistas a resolver demandas das mais simples às mais complexas, confere ao cotidiano uma sensação de ansiedade e medo constantes: sentimento de “ter feito algo de errado”, de acordo com o informe. . 

“No que se refere às mulheres migrantes da África e também àquelas em conflito com a lei, essa tensão é ainda mais latente, uma vez que demandas civis e administrativas básicas, como a solicitação de autorização de residência para obtenção do RNM [Registro Nacional Migratório], confundem-se com demandas processuais e penais”, pontua Heloísa Freitas,  pesquisadora do Projeto Mulheres Migrantes. 

Por este motivo, segundo ela, muitas mulheres atendidas não se sentem seguras para dirigirem-se à Polícia Federal e ficam, inclusive, em situação de irregularidade migratória. 

Entraves

Entre os problemas relatados pelas mulheres entrevistadas para o estudo, a documentação é o principal deles. Em seguida, aparece a dificuldade de preencher o formulário eletrônico disponível no site da Polícia Federal, que, além de exigir acesso à internet, encadeia uma série de dificuldades de ordem linguística e interpretativa. 

“Vale lembrar que, inclusive, nas dificuldades com documentação, a questão da língua faz-se bastante presente, uma vez que muitos documentos não são traduzidos”, destaca Heloisa.

Depois, aparecem os problemas relacionados ao processo de expulsão, a dificuldade de comprar passagem aérea para retorno ao país de origem, e dificuldade de pagar as taxas cobradas no decorrer do processo burocrático, sobretudo, taxas para emissão de documentos. 

“Algumas mulheres migrantes relatam terem sido surpreendidas por alguma solicitação realizada sem aviso ou explicação prévios ao chegarem na Polícia Federal, tais como assinar Notificação de Determinação de Expulsão ou ciência de que tem Inquérito Policial de Expulsão”, salienta. 

Em relação à compra das passagens aéreas, o Decreto 9.199/2017, em seu art. 212, afirma que “o custeio das despesas com a retirada compulsória ocorrerá com recursos da União somente depois de esgotados todos os esforços para a sua efetivação com recursos da pessoa sobre quem recair a medida, do transportador ou de terceiros”. 

“Esgotar todos os esforços é uma prescrição bastante subjetiva pensando no aumento exponencial do volume de mulheres migrantes presas e egressas nos últimos anos. A possibilidade de custeio de passagens, que já era dificultada, passou a ter um orçamento cada vez mais insuficiente em um cenário de auxílio às mulheres que, em sua maioria, são extremamente vulneráveis socioeconomicamente”, avalia a pesquisadora. 

Além disso, essas mulheres ainda esbarram na dificuldade em conseguir uma data de agendamento para o comparecimento na Polícia Federal, que surge como mais um empecilho para a regularização de sua estadia.

“Muitas vezes a espera é tão grande que as certidões exigidas para o processo ultrapassam a validade”, comenta Heloisa Freitas. 

A teoria é diferente do que ocorre na prática

Segundo o estudo, teoricamente as mulheres migrantes em conflito com a lei deveriam sair das unidades prisionais assistidas por todo aparato público e administrativo necessário ao seu bem-viver durante a permanência no país. A Lei de Migração prevê, por exemplo, que a pessoa migrante em conflito com a lei tem o direito de obter regularização migratória. 

“Na prática, muitas mulheres acabam saindo do sistema prisional sem qualquer documentação. As dificuldades ocupam diversos espaços da vida cotidiana destas mulheres, desde questões mais complexas, até demandas mais simples como o preenchimento de um formulário”, ressalta a pesquisadora. 

A Polícia Federal é uma das instituições mais presentes nas vivências e narrativas das mulheres migrantes egressas do sistema prisional, segundo a análise do Projeto Mulheres Migrantes. A urgência da regularização migratória, o medo da prisão ou as preocupações em relação à expulsão expressam tanto demandas, quanto problemas cotidianos experienciados por elas e, indiretamente, pelas profissionais do atendimento do instituto, segundo Heloisa.

“Por este motivo é necessário elucidar os principais problemas e demandas vivenciados pelas mulheres migrantes, com vistas a promover uma reflexão crítica sobre o acesso a direitos e sobre a eficácia da gestão migratória no Brasil a partir do ponto de vista micropolítico”, diz a pesquisadora. 

“Queremos incentivar, de maneira emergencial, a incorporação da temática em conflito com a lei na agenda pública, de modo a incentivar a transformação de alguns procedimentos de gestão, tornando-os mais adaptados às realidades e limitações das mulheres atendidas, em vista de diminuir o déficit de acesso a direitos”, finaliza. 

Leia também: ‘Africanas são as principais vítimas de abordagens violentas’

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