Mais de 150 mil hectares repletos de dunas de areia branca, mata nativa preservada e lagoas de água doce e cristalina. Cumprindo todos os requisitos necessários, desde beleza à preservação natural, o Parque dos Lençóis Maranhenses, no Maranhão, foi declarado como Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Para além das dunas e lagoas, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses compreende os municípios de Santo Amaro do Maranhão e Barreirinhas, que abrigam a cultura negra centenária das comunidades remanescentes de quilombos, pouco reconhecidas pelo turismo tradicional ou holofotes de organizações internacionais.
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No município de Barreirinhas, uma cidade de aproximadamente 65 mil habitantes, cerca de 86% dos habitantes são negros. Há centenas de anos, o Quilombo do Cantinho reúne 170 famílias às margens do Rio Preguiça, que além de embelezar a paisagem, é utilizado para transporte de peixes. Um almoço farto de peixada ou galinhada faz parte do cotidiano do quilombo.
No terreno das casas, a comunidade planta arroz, maxixe, quiabo e também produz doces de buriti, que são comercializados nas feiras e na internet, com a ajuda das novas gerações de jovens quilombolas.
Albertina Silva Rocha, de 78 anos é uma das lideranças da comunidade. Conhecida como Dona Bebel, ela é bisneta de escravizados. Estudou até a quarta série, mas foi o suficiente para se alfabetizar e tornar-se a professora de Cantinho. A partir dos 17 anos passou a dar aulas para ensinar as pessoas a lerem e escreverem. Não há uma família no quilombo que não tenha passado pelas aulas de Dona Bebel. Mãe de seis filhos, dona Albertina também luta pelo reconhecimento da cultura quilombola.
“Eles acham que quilombola não tem valor. Nós somos negros e somos inteligentes. Eu não escondo de ninguém e digo sem medo: eu sou quilombola”, conta.
Além da preservação da terra, na qual se planta para alimentar a comunidade, o quilombo do Cantinho preserva a cultura da dança de São Gonçalo, uma manifestação cultural de homenagem ao santo de origem popular, considerado protetor dos violeiros. No Brasil, o santo português ganha devotos negros em diversos estados do Nordeste, sobretudo Maranhão e Ceará, adquirindo novos elementos.
No ritual, que pode levar horas ou até dias, os devotos dançam para agradecer as graças ou pedir bençãos. No quilombo do Cantinho, as dançarinas rodam suas saias, bordadas à mão, ao redor do santo e de São Benedito, o santo negro, que é padroeiro de diversos quilombos do Maranhão. Dizem as mulheres devotadas que a dança do Gonçalo já ajudou a curar doentes na região.
Em Santo Amaro do Maranhão, onde mais de 85% dos habitantes são negros. A população de pessoas escravizadas foi bastante presente no povoamento da cidade e demais municípios que compõem a região dos Lençóis Maranhenses. Suas lendas, crenças e religiosidades se mantém até hoje passados de geração em geração. Terreiros de umbanda e candomblé e grupos de Bumba-Meu-Boi fazem parte da cultura de Santo Amaro.
Entre os grupos de Bumba-Meu-Boi mais conhecidos, o Proteção de São João é um boi centenário, fundado em 1920, no povoado de Bom Gosto. Apesar da devoção ao santo católico, a brincadeira do boi é marcada pela mistura de elementos negros e indígenas na musicalidade, nas vestimentas e no próprio povo. A maioria das pessoas envolvidas na fundação e manutenção dos grupos de Bumba-Meu-Boi são negras.
Outro grupo bastante tradicional em Santo Amaro é o Boi Orgulhoso de Boa Vista, da comunidade de Boa Vista. O grupo também é conhecido como Boi de João Neto, nome do entoador de boi, responsável por cantar e orquestrar as toadas, que são as músicas que compõe a brincadeira. O Boi da Boa Vista reúne centenas de brincantes, no período junino.
Afroturismo nos Lençóis
Para Matheus Duailibe, diretor de Promoção da IGR Lençóis & Delta, coletivo que reúne diversos setores para discutir pautas de governança do turismo nos Lençóis, além das dunas e lagoas do Parque Nacional dos Lençóis, a região abriga quilombos, festas e outros espaços repletos de histórias que podem ser aproveitadas pelo turismo, sobretudo em roteiros de cultura afro.
“O afroturismo tem tudo a ver com o Maranhão, onde a maioria da população é negra. Nos Lençóis, isso não seria diferente. Além da beleza das dunas e lagoas, que atrai milhares de turistas anualmente, trabalhar uma roteirização turística negra e de base comunitária, como é o caso dos quilombos, é fundamental para gerar renda para essas comunidades, além de uma sensação de orgulho e pertencimento. Eles são porta-vozes dessa ancestralidade”, pontua.
De acordo Guilherme Cajueiro, morador de Santo Amaro e operador de turismo, além de gerar renda, o turismo que promove comunidades e culturas tradicionais também pode ser aliado da preservação ambiental e cultural.
Santo Amaro é o município cuja localização está mais próxima à entrada dos Lençóis Maranhenses. Por esse fácil acesso, Cajueiro compartilha que a cidade está sendo cada vez mais visada pelo turismo. Em sua opinião, a atividade precisa ser controlada para que haja uma preservação ambiental da região, tanto no volume de lixo gerado, quanto na construção de novos empreendimentos, que alteram a paisagem local.
“O turismo pode ajudar não só na circulação de renda e emprego, mas também na preservação dos nossos bens materiais e imateriais, como é a nossa cultura e história. A promoção desses destinos de cultura negra podem ajudar na manutenção desses pontos históricos por vezes pouco conhecidos, mas que marcam a história de Santo Amaro, do Maranhão e do país”, explica.