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‘Luto para ser vista e ouvida’, diz Eslane Paixão, candidata a prefeita de Salvador

A ativista Eslane Paixão, de 31 anos, é a única mulher negra a se candidatar à Prefeitura de Salvador e tem a pauta do direito à moradia como uma das marcas de seu plano de governo
Eslane Paixão é uma mulher negra. Atrás dela, tem um muro grafitado com o rosto de uma mulher negra

Foto: Isabella Tanajura

28 de setembro de 2024

Excluída dos debates eleitorais, a militante Eslane Paixão, de 31 anos, é a única mulher negra a se candidatar à Prefeitura de Salvador pela Unidade Popular (UP) nas eleições municipais deste ano e traz como lema “Salvador para o povo trabalhador”.

Presidente estadual da UP na Bahia e militante do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Eslane Paixão integra o partido que tem três vezes mais candidatos pretos do que a média das demais legendas que concorrem ao pleito eleitoral. “Por isso eu luto para ser vista e ouvida”, destaca a candidata.

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Moradora da favela, trabalhadora e jovem, a candidata diz que “enxerga na luta social a construção do poder popular e uma alternativa para libertar o nosso povo”.

Apesar dos debates girarem em torno dos candidatos com representação partidária no Congresso Nacional, a lei eleitoral não proíbe a participação dos demais concorrentes nos debates organizados pelas emissoras tradicionais, como é o caso da presença de Pablo Marçal, em São Paulo, por exemplo.

Porém, o que se vê em Salvador é a falta de espaço para um debate que garanta a apresentação ampla de propostas para o eleitorado da primeira capital do país. Mas como Salvador pode criar um ambiente seguro para a participação de grupos minorizados na política?

“A gente entende que precisamos partir desse princípio de que não é normal, num lugar como Salvador, ter esses índices de violência contra nós, mulheres negras, mesmo sendo a maioria do eleitorado, a maioria da população e tendo essa representação que é tão colocada como necessária”, afirma Eslane Paixão.

No início de setembro, a candidata pela UP foi alvo de racismo durante campanha no bairro do Rio Vermelho, bairro boêmio da capital baiana. Ela fazia uma panfletagem quando um homem branco se aproximou, fingiu que era um apoiador e cuspiu nela. Após o ocorrido, Eslane abriu uma ocorrência na 7ª Delegacia de Polícia Civil, localizada no mesmo bairro.

Em entrevista à Alma Preta, a candidata informou que o agressor já foi identificado e que as medidas jurídicas e políticas foram tomadas.

“É uma forma de mostrar para a sociedade que a gente não vai tolerar mais que atitudes como essa que aconteceu comigo continuem acontecendo com mulheres no nosso país, mas principalmente aqui na nossa cidade. Eu quero também ser esse exemplo de luta, daquela que não calou”, avalia.

‘O direito à moradia é um direito humano’

Essa é a terceira vez que Eslane Paixão (UP) concorre às eleições. Em 2020, ela se lançou como candidata a vereadora de Salvador e em 2022 como deputada federal, mas em ambas não foi eleita.

Apesar da curta trajetória na política institucional, Eslane Paixão carrega no seu plano de governo as experiências fruto da luta nos movimentos sociais pelo direito à moradia desde os 16 anos.

A vivência por dois anos na ocupação Luiza Mahin, em Salvador, deu a régua e o compasso para a conquista da primeira moradia de Eslane no programa federal “Minha Casa, Minha Vida”, único bem declarado pela candidata.

Dentre as propostas da candidata estão a defesa pela Reforma Urbana e a construção de moradias populares com imóveis abandonados como forma de eliminar o déficit habitacional, além da implementação de política social e habitacional para a população em situação de rua.

Atualmente, Salvador contabiliza 5.130 pessoas em situação de rua, sendo 93% pessoas negras, segundo levantamento de 2023 realizado pela prefeitura em parceria com o Projeto Axé.

Apesar dos números oficiais, a candidata estima que o número esteja subnotificado e, caso seja eleita, pretende priorizar a garantia à moradia como um direito constitucional.

“A gente entende que o direito à moradia é um direito humano e na nossa cidade a prefeitura não aplica medidas que estão na lei como é o caso do Estatuto das Cidades”, explica.

“A gente entende que o direito à moradia é um direito humano”, diz Eslane Paixão, militante e candidata à Prefeitura de Salvador pela UP. (Dindara Paz/Alma Preta)

‘Decisões sobre a mobilidade urbana devem ser feitas coletivamente’

Moradora da região da cidade baixa de Salvador, Eslane Paixão diz conhecer de perto os transtornos enfrentados pela população usuária dos ônibus da cidade. “É ônibus com barata, ônibus sujo e essa é a realidade dessa imensa maioria da população que depende do transporte coletivo“, destaca.

A redução da tarifa dos ônibus, a criação de uma empresa pública municipal de transporte e o passe livre para os estudantes são uma das alternativas que a candidata defende como saídas para reverter o atual cenário do transporte público de Salvador.

Só nos últimos quatro anos, a capital baiana perdeu quase 700 veículos sem a devida reposição e mais de 100 linhas de ônibus, sendo que a maioria dos cortes aconteceu em bairros periféricos, de acordo com o Observatório da Mobilidade Urbana de Salvador (ObMob Salvador).

Diante desse cenário, a candidata Eslane Paixão defende também a transparência dos dados sobre os gastos da prefeitura com o transporte.

“Por isso que a gente entende que é necessário propostas como essas de acabar com essa farra e a criação da empresa pública para que a gente possa ter transparência, saiba o que é que está sendo gasto e para que decisões sobre a mobilidade urbana da cidade seja decidida, inclusive, coletivamente e não da cabeça dessas pessoas que não andam de ônibus e que colocam, por exemplo, um BRT que leva você de nada a lugar nenhum”, pontua a candidata sobre o veículo de transporte rápido implementado pela prefeitura.

‘Quem se encontra mais vulnerável vai ter acesso às políticas públicas’

No quesito segurança pública, o plano de governo da candidata pela UP sinaliza uma proposta de mudança na estrutura da Guarda Municipal, principal braço da prefeitura na proteção do patrimônio público, no auxilio ao enfrentamento à violência contra ambulantes, mulheres, jovens, negros/as e público LGBTIA+, maiores vítimas da letalidade policial.

“Na nossa opinião, a Prefeitura de Salvador tem que fazer um combate seríssimo a essa política que é implementada também pelo governo do Estado de ter uma das polícias que mais mata porque a nossa capital tem o maior índice por mortes violentas e a gente defende a desmilitarização não só das polícias militares, mas também da Guarda [Municipal] que também vem passando por esse processo”, pondera.

Dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontam que Salvador está entre uma das cidades em que a polícia mais matou, sendo que a maioria das vítimas (82,7%) foram identificadas como negras, com idade entre 12 a 29 anos e do gênero masculino. A capital baiana também está entre as três regiões intermediárias com maior número de mortes violentas intencionais do país.

“A gente entende que essa Guarda Municipal deveria estar aí para nos proteger, inclusive, a nós, mulheres, que somos vítimas de violência e que em muitos momentos a gente não tem um suporte, por exemplo, de ter uma viatura que leve uma mulher até uma delegacia, que faça esse acolhimento e que a rede de segurança, não só do patrimônio público, se estenda às pessoas”.

Políticas públicas interseccionais é uma das marcas do plano de gestão da candidata. (Dindara Paz/Alma Preta)

O plano de governo da candidata é completado por políticas de investimento nas áreas da educação, saúde, finanças, direito humanos, das mulheres e população LGBTIA+ e juventude, a exemplo da Criação de Agência Municipal do Primeiro Emprego, com banco de dados de emprego específico para esse público.

Para além das propostas, a importância da interseccionalidade entre as políticas públicas é colocada como uma das prioridades na gestão da candidata.

“Eu penso que, do ponto de vista de que a nossa população é majoritariamente negra, de mulheres e pessoas pobres, quando a gente decide que no nosso programa, não só no nosso discurso político, vamos acabar com as farras das grandes empresas em Salvador, a gente está dizendo que essa população, que é quem se encontra mais vulnerável, vai ter acesso às políticas públicas efetivas que é o que exclui a gente”, conclui.

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  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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