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Justiça do Pará bloqueia contas bancárias de mãe de santo por poluição sonora

“Por que só o som do meu atabaque incomoda?", questiona mãe Jussilene, do terreiro de umbanda Casa de Mãe Mariana.
Jussilene Natividade Maia, zeladora de santo do terreiro de umbanda Casa de Mãe Mariana, em Belém.

Foto: Fernando Assunção/Alma Preta

20 de dezembro de 2024

O Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) determinou o bloqueio das contas bancárias da diarista Jussilene Natividade Maia, zeladora de santo do terreiro de umbanda Casa de Mãe Mariana, no bairro do Canudos, em Belém.

A decisão é do dia 10 de dezembro e foi assinada pelo juiz Raimundo Rodrigues Santana, da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas. Desde a última sexta-feira (13), mãe Jucilene não consegue movimentar as contas.

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O processo contra o terreiro foi movido pelo Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA), por meio do promotor de Justiça de Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Habitação e Urbanismo de Belém, Benedito Wilson Correa de Sá, sob alegação de que vizinhos do local denunciaram que os cantos e toques de atabaque do terreiro causam poluição sonora.

De acordo com o promotor, a mãe Jussilene realiza “atividade religiosa com emissão de ruído em alta intensidade, com utilização de instrumentos musicais e emissão de altos gritos, sem que tenha no local qualquer contenção acústica, causando danos à saúde e sossego dos vizinhos”, o que descumpre uma decisão judicial anterior.

No dia 18 de outubro, o mesmo juiz determinou que o terreiro não poderia realizar atividade com emissão de ruídos acima dos limites permitidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), sob pena de multa de R$ 1 mil por dia, limitados a R$ 30 mil.

Já na nova decisão, de dezembro, o juiz Raimundo Rodrigues Santana impõe a multa à mãe de santo sob alegação de descumprimento das normas.

O documento considera vídeos gravados pelos vizinhos, que seriam supostamente do terreiro e que foram apresentados pelo Ministério Público na ação de descumprimento.

Nessa ação, baseada nos vídeos, o Ministério Público ainda solicita à justiça a suspensão das atividades do terreiro, inclusive mediante força policial, se necessário.

No vídeo, gravado por uma vizinha do terreiro, é possível ouvir uma voz com os sons de cânticos e atabaques ao fundo, que denuncia: “Olha aí, Márcia, hoje, pleno domingo, oito horas da noite, estão aqui nessa desde de tarde, fazendo isso, olha, fazendo barulho, que é só o que eles sabem fazer, barulho, incomodar as pessoas (…)”, diz a voz no vídeo.

Advogado de mãe Jussilene aponta irregularidades

Para o advogado da mãe Jussilene, Rodrigo Leite, a decisão é um ataque ao direito constitucional à liberdade de culto. De acordo com ele, o vídeo apresenta irregularidades que questionam a credibilidade das imagens como prova para apontar o descumprimento das normas judiciais pelo terreiro.

“O vídeo não tem imagem, não tem localização e está datado do dia 31 de outubro de 2024. E a voz diz assim: ‘pleno domingo’. Só que, ao olhar no calendário, dia 31 de outubro caiu em uma uma quinta-feira”, analisa o advogado.

Segundo Leite, os vídeos ainda trazem falas de intolerância religiosa contra as religiões de matrizes africanas, no momento em que a voz se refere aos cânticos e atabaques do terreiro como “barulho”.

“O que está configurado aqui é uma verdadeira perseguição, uma intolerância religiosa institucional. Estão utilizando a Vara de Crimes Ambientais do Ministério Público para fechar terreiros em Belém, apontando poluição sonora, mas o que está de fato ocorrendo é um crime religioso, e o Ministério Público está sendo utilizado para esse fim”, opina o advogado.

A mãe Jussilene reafirma que sofre perseguição dos vizinhos. A mãe de santo conta que já utiliza o imóvel alugado há quatro anos para fins religiosos e que há pelo menos três enfrenta atritos com as pessoas que vivem no entorno.

Ela relata ainda que chegou a ficar oito meses com as atividades suspensas em razão dos conflitos judiciais e que retomou os serviços com todas as adaptações necessárias, inclusive sem atabaque fora dos horários acordados, mas que a perseguição continuou.

Mãe Jussilene fez todas as adaptações necessárias, mas a perseguição continuou. Foto: Fernando Assunção/Alma Preta

“Por que só o som do meu atabaque incomoda? Na rua sempre tem festa, as próprias pessoas que reclamam fazem festas, aniversários, e isso não me incomoda, mas o meu ‘barulho’, como eles chamam, sim. Cada vez mais eu estou deixando de acreditar na justiça, porque ela não está sendo feita para mim”, lamenta mãe Jussilene.

“Hoje eu me sinto presa, eu me sinto desesperada. Eu não consigo mais ter uma vida. Eu já fico nessa casa trancada, porque eu tenho medo a qualquer momento de alguém invadir”, desabafa.

Ainda segundo mãe Jussilene, que trabalha como diarista e recebe R$ 120 por faxina, ela não foi comunicada do bloqueio das contas e foi surpreendida ao não conseguir fazer as movimentações bancárias desde o dia 13 de dezembro.

“Eu tenho que pagar meu aluguel, eu tenho que pagar a minha energia, eu tenho que comprar alimentação. Moro com a minha irmã e dois sobrinhos. E não posso pagar minhas contas, porque tudo o que cai, fica retido”, lamenta.

O advogado Rodrigo Leite diz que vai entrar com uma ação para pedir o desbloqueio das contas: “A gente vai entrar agora nos embargos da execução, informando que a conta que está bloqueada é referente à questão do salário dela e pedir desbloqueio. E também informar que os procedimentos que estão sendo feitos pelo Ministério Público, como a juntada de vídeos, não condiz com a realidade dos fatos”.

“A gente não faz só ‘barulho’”, diz Mãe Jussilene. Foto: Fernando Assunção/Alma Preta

“A gente não faz só ‘barulho’. Se ela [a vizinha] pudesse vir, se ela pudesse conhecer, ela saberia que não é só ‘barulho’. Aqui a gente dá passe, aqui a gente trata uma pessoa com enfermidade, uma pessoa com dificuldade de arranjar trabalho, a gente faz limpeza. Ela abre a boca para dizer que é ‘barulho’, mas ela não sabe o quanto aqui as pessoas procuram paz espiritual. Porque o encantado vem, dá uma conversa, acalma, dá direcionamento e luz para as pessoas. É isso que eles deveriam entender, antes de nos colocar como gente da pior espécie”, conclui a mãe Jussilene.

A Alma Preta foi presencialmente à casa de uma das vizinhas, Regina Celi Pinto da Silva, apontada na ação do Ministério Público como a reclamante, para questionar sobre as alegações de poluição sonora, mas ela não foi encontrada no local. O TJPA e o Ministério Público também foram questionados e não se manifestaram até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.

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  • Fernando Assunção

    Atua como repórter no Alma Preta Jornalismo e escreve sobre meio ambiente, cultura, violações a direitos humanos e comunidades tradicionais. Já atua em redações jornalísticas há mais de três anos e integrou a comunicação de festivais como Psica, Exú e Afromap.

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