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Como o racismo estrutural afeta a saúde mental e mata mais policiais negros

"Ainda que entre pessoas fardadas, a vida negra vai valer menos”, diz o coordenador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro; Dados apontam que policiais morrem mais por suicídio do que em confronto

Texto: Dindara Ribeiro | Edição: Lenne Ferreira | Foto: Divulgação

Divulgação/PM da Bahia

Foto: Divulgação/PM da Bahia

7 de outubro de 2021

Há poucos dias, um policial militar sem roupa e armado assustou moradores de Feira de Santana, cidade na Bahia. O vídeo do agente usando apenas um sapato, visivelmente desorientado, que chegou a arremessar pedras no chão e fazer ameaças com a arma viralizou na internet. Em março de 2020, o também policial militar Wesley Soares sofreu um surto psicótico e se deslocou da cidade de Itacaré, a 250 km de Salvador, até o Farol da Barra, ponto turístico da capital baiana, onde, fardado e armado, fez diversos disparos com um fuzil. Com o rosto pintado de verde e amarelo, Wesley ficou por mais de 3h em um protesto solitário até atirar contra policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e ser alvejado pelos colegas de farda.

Casos de policiais em surto psicótico têm sido frequentes e alertam para a incidência de problemas psicológicos e falta de cuidado com a saúde mental dos agentes de segurança, principalmente os policiais negros, expostos a um sistema de racismo estrutural que adoece e vitima corpos de pessoas pretas, independentemente da farda. Na Bahia, seis policiais cometeram suicídio em 2019, sendo que todos eram agentes militares. De 2018 para 2019, houve uma variação de 52,7% no número de suicídios de agentes civis e militares do estado, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

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wesley soares goes sitePM Wesley Soares sofreu um surto psicótico e foi morto após atirar contra policiais do Bope | Foto: Reprodução

“Ainda que entre pessoas fardadas, a vida negra vai valer menos dentro dessa política de segurança pública, desse modelo de guerra às drogas e a própria exposição à morte desses agentes da segurança pública é causada pela insistência do Estado nesse modelo de confronto”, analisa o historiador e coordenador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro, sobre os impactos do racismo estrutural na política de confronto adotado na segurança pública do país.

Jornadas de trabalho exaustivas, exposição cotidiana à violência e o fácil acesso a armas também se tornam agravantes para o surgimento dos transtornos e doenças mentais nos policiais, principalmente o suicídio, apontado como a principal causa de morte de agentes civis e militares. Em todo o Brasil, foram contabilizados 91 casos de suicídio, sendo 65 policiais militares e 26 policiais civis. Para se ter uma ideia da gravidade das doenças mentais dentro das corporações de segurança pública, em 2019, morreram mais policiais por suicídio do que em confronto em serviço.

Policiais negros são os que mais morrem pela violência

A desigualdade racial dentro da segurança pública brasileira torna os policiais negros como as maiores vítimas de crimes violentos letais intencionais (CVLI). Em setembro desse ano, o PM da Bahia Joanilson da Silva Amorim, um homem negro, se tornou uma das infelizes estatísticas que mostra que os policiais militares são os mais vitimados em folga ou fora do serviço. Joanilson foi morto por policiais civis de Pernambuco depois de ser “confundido” por causa de uma camisa de cor semelhante ao de um suspeito de assaltar uma casa na cidade de Petrolina. Ele estava de folga e foi até a casa de uma vizinha depois dela ter a casa roubada. O PM estaria armado e foi avistado pelos policiais civis, que dispararam. Joanilson foi atingido por três tiros, sendo um na cabeça, chegou a ser socorrido, mas não resistiu. À Alma Preta, a Polícia Civil de Pernambuco disse que segue com a apuração do caso e só irá se pronunciar após conclusão do inquérito.

JOANILSONPM Joanilson da Silva foi morto após ser “confundido” com um assaltante | Foto: Divulgação

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apesar de representarem 34,9% do contingente dos profissionais de segurança pública, os policiais negros foram 65,1% das vítimas de assassinatos em 2019, o que indica que a cada 3 policiais assassinados, dois eram negros. 

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), só nos dez meses de 2021, já são contabilizadas 15 mortes de policiais militares da ativa por crimes violentos letais intencionais (CVLI), número maior do que o total registrado em 2020, de 13 mortes. De acordo com o Anuário, em todo o Brasil, em 2019, 172 PMs da ativa foram mortos por crimes violentos letais intencionais (CVLI), sendo 62 mortes em serviço e 110 fora do serviço, representando a maioria das mortes, com 64%. Na Bahia, foram 14 casos em 2018 e 8 em 2019, entre agentes militares e civis.

O corpo negro como alvo

O perfil dos policiais mortos não difere das vítimas da violência policial, que também são de maioria negra. No primeiro semestre de 2020, as mortes decorrentes de intervenção policial totalizaram 3.181, sendo que em 2019 o número foi de 3.002. Os homens jovens e negros são os que mais foram mortos por intervenção policial em 2019, representando 79,1% das vítimas fatais.

Em relação às mortes violentas intencionais, 74,4% de todas as vítimas são negras. Na comparação da taxa por 100 mil habitantes, a mortalidade entre pessoas negras em decorrência de intervenções policiais é 183,2% superior à taxa verificada entre pessoas brancas. O cenário aponta para uma guerra sistemática em que os dois lados tem os corpos negros como alvo letal.

A Bahia se configura como o estado com a polícia mais letal do Nordeste. O relatório “A vida resiste: além dos dados da violência”, da Rede de Observatórios da Segurança, indica que de junho de 2019 a maio de 2021, 461 pessoas morreram durante operações policiais. A repressão ao tráfico de drogas foi a principal ação de policiamento. Em outro levantamento, a Rede também aponta que as pessoas negras são as que mais morreram pela polícia da Bahia em 2020, representando um total de quase 97%.

“A política de segurança pública no Brasil está baseada na distribuição da violência e da morte enquanto política de Estado, sobretudo para as populações periféricas, especialmente a população negra, que terá também os seus territórios ocupados. O modelo de guerra às drogas é um arcabouço sofisticado dessa economia das violências, dessa distribuição de morte que é subsidiada pela desumanização das pessoas negras como resultado do racismo estrutural”, completa Dudu, que também coordena a Rede de Observatório.

  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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