“Tipicamente negro, jovem, que morre na rua, em via pública, por armas de fogo. Esse é perfil da vítima de homicídio”, é o que diz o diretor-presidente do Instituto Jones do Santos Neves, Daniel Cerqueira, na coletiva de imprensa do Atlas da Violência 2021, publicado nesta terça-feira (31).
A intensa concentração de um viés racial entre as mortes violentas ocorridas no Brasil não constituiu uma novidade ou mesmo um fenômeno recente, de acordo com a pesquisa. Pelo menos, desde a década de 1980, quando as taxas de homicídios começaram a crescer no país, foi possível constatar a alta no número de mortes entre a população negra, especialmente na sua parcela mais jovem.
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Segundo o estudo, em 2019, os negros representaram 77% das vítimas de homicídios, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 29,2. Comparativamente, entre os não negros (soma dos amarelos, brancos e indígenas) a taxa foi de 11,2 para cada 100 mil.
“Significa que a chance de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. Em outras palavras, no último ano, a taxa de violência letal contra pessoas negras foi 162% maior que entre não negras”, aponta o Atlas.
Na coletiva, Daniel Cerqueira pontuou que “um negro no Brasil tem 23% a mais de chance de ser assassinado. Ainda precisamos estudar como isso se dá por estado. Mas sabemos que isso acontece em locais com forte herança colonial e escravocrata, como na região Nordeste e Norte”, explicou o também coordenador do Atlas 2021.
Dados por região
Acre e Rio Grande do Norte foram os estados com maior aumento percentual nas taxas de homicídios de negros entre 2009 e 2019, respectivamente 114,5% e 100,4%; seguidos de Roraima e Sergipe, com aumentos de 59,6% e 55,8%, respectivamente. Já as unidades federativas que registraram as diminuições mais acentuadas no período foram Distrito Federal (-59,3%), São Paulo (-53,1%), Espírito Santo (-46,7%) e Rio de Janeiro(-42,6%).
“Se considerarmos a taxa nacional de homicídios de pessoas negras no ano de 2019 (29,2), percebemos que nesse ano todas as UFs das regiões Norte e Nordeste, exceto Rondônia (26,3), Maranhão (26,2) e Piauí (18,5), registraram taxas acima da média nacional”, destaca o estudo.
“Em quase todos os estados brasileiros, um negro tem mais chances de ser morto do que um não negro, com exceção do Paraná e de Roraima que, em 2019, apresentaram taxa de homicídios de não negros superior a de negros”, segundo o Atlas.
No entanto, um aspecto pontuado pelo diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, aponta que o Paraná já foi considerado uma unidade federativa em que morriam mais brancos do que negros, mas esse dado não condiz com a realidade.
“Isso se deu porque no Paraná havia uma dificuldade de registrar as crianças como pretas ou pardas, e a autodeclaração não é significativa. Na verdade, os negros morreram mais lá também, mas captar dados nessas condições é mais complicado”, pontua.
Mulheres negras são 66% das vítimas de assassinato no Brasil
A análise ainda aponta que 66,0% do total de mulheres assassinadas no Brasil são negras, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 4,1, em comparação a taxa de 2,5 para mulheres não negras.
O Atlas mostra também que, em 2009, a taxa de mortalidade entre mulheres negras era de 4,9 por 100 mil, ao passo que entre não negras a taxa era de 3,3 por 100 mil. Um pouco mais de uma década depois, em 2019, a taxa de mortalidade de mulheres negras caiu para 4,1 por 100 mil, redução de 15,7%; e entre não negras para 2,5 por 100 mil, redução de 24,5%.
“Se considerarmos a diferença entre as duas taxas verificamos que, em 2009, a taxa de mortalidade de mulheres negras era 48,5% superior à de mulheres não negras, e onze anos depois a taxa de mortalidade de mulheres negras é 65,8% superior à de não negras”, ressalta o estudo.
A análise dos últimos onze anos indica também que, enquanto os homicídios de mulheres nas residências cresceram 10,6%, entre 2009 e 2019, os assassinatos fora das residências apresentaram redução de 20,6% no mesmo período, indicando um provável crescimento da violência doméstica.
Apesar dos dados alarmantes, a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Samira Bueno, pondera que “não podemos esquecer dos avanços conquistados para a manutenção da segurança das mulheres, o que inclui a Lei Maria da Penha e também do feminicídio, sancionado em 2015”.
Outros dados
O Atlas da Violência 2021 revelou também que a taxa de homicídios em todos os estados brasileiros apresentou queda, com exceção do Amazonas que, entre 2018 e 2019, apresentou aumento de 1,6%. Já o número de mortes violentas por causas indeterminadas cresceu 35,2% no período. Os maiores aumentos foram registrados no Rio de Janeiro (232%), no Acre (185%) e em Rondônia (178% ).
A análise pontua que o ano de 2018 registrou 57.956 homicídios – já em 2019 este número ficou em 45.503, o que representa uma queda de 21,5%. De 2014 a 2019, a queda na taxa de homicídios é ainda maior – 24,8%.
O estudo deste ano foi baseado em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), a partir dos atestados de óbito – ambos sistemas do Ministério da Saúde. Os dados mais recentes são de 2019.
Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI) são óbitos em que não é possível identificar a motivação. Essas mortes, segundo o estudo, podem ter sido provocadas por agressões, suicídios, assassinatos ou acidentes, mas acabam entrando nas estatísticas como indefinidas.
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