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Pesquisa: 51% dos empreendedores negros já sofreram discriminação racial

Estudo aponta que acesso ao crédito é uma das principais dificuldades dos afroempreendedores, por fatores como burocracia excessiva, juros e discriminação na etapa de avaliação
Imagem da feira de afroempreendedorismo, uma das atrações do 17º Festival Latinidades que celebra o Julho das Mulheres Negras em Salvador, entre os dias 5 e 7 deste mês.

Foto: Pedro Moraes/Ascom/Sepromi

15 de novembro de 2024

Um estudo inédito sobre o afroempreendedorismo na América Latina foi lançado pelo Banco de desenvolvimento da América Latina e do Caribe (CAF), o Instituto Feira Preta e o Plano CDE, em eventos relacionados ao G20, nesta semana, no Rio de Janeiro.

Com a participação de aproximadamente 3 mil empreendedores negros, o estudo mapeia as realidades desses negócios, com foco em questões como identidade, autoestima, acesso ao crédito, gestão e funcionamento das empresas, além dos impactos da racialidade no desenvolvimento desses empreendimentos.

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Apesar da inovação, inventividade e resiliência presentes nas empresas lideradas por pessoas afro, as barreiras financeiras continuam sendo grandes desafios para o crescimento dessas iniciativas, principalmente a dificuldade de acesso ao crédito pela burocracia excessiva, o alto custo dos empréstimos e, sobretudo, a discriminação racial na etapa de avaliação. No Brasil, 51% dos entrevistados já sofreu algum tipo de discriminação racial em seu negócio ao menos uma vez, sendo 59% por parte de clientes e 54% em processos burocráticos.

Para se ter uma ideia, o estudo revela que 44% dos afroempreendedores no Brasil tiveram seus pedidos de crédito negados, enquanto entre os pardos essa taxa é de 35% e entre os brancos é de 29%. Essa situação leva muitos afroempreendedores a recorrer a fontes informais de crédito, como amigos, familiares ou até microcréditos produtivos, o que reforça a exclusão financeira estrutural enfrentada por essa população.

Embora a maioria dos entrevistados esteja bancarizada, 64% dos empreendedores utilizam a mesma conta para fins pessoais e empresariais. Os empreendedores brasileiros, em particular, preferem ampliar os limites de seus cartões de crédito para financiar seus negócios, enquanto os argentinos buscam empréstimos de agentes não bancários. Já os empreendedores da Colômbia, Peru e Panamá recorrem mais a empréstimos familiares ou microcréditos.

“Esses dados possuem vários aspectos importantes: o primeiro é que ajudam a entender os desafios e a identificar as oportunidades do empresariado afro nesses países, com impactos, claro, em todo o bloco. A partir desses resultados, os governos podem implementar ações para avançar e apoiar programas e projetos voltados a essas populações”, afirma Eddy Bermúdez, coordenador da Agenda de Diversidade Étnico-Racial do CAF – banco de desenvolvimento da América Latina e do Caribe.

Abertura dos negócios

Quase 60% dos negócios foram abertos durante a pandemia. A principal razão para o empreendedorismo é a busca pelo aumento da renda, mas também muitos possuem o objetivo de gerar ganhos para suas comunidades. 

Além disso, o Brasil é o país com a maior taxa de formalização dos empreendimentos (71%) no ecossistema afro-latino. A segunda maior taxa é a do Panamá, com 56% dos negócios formalizados. Já em países como Colômbia, Peru e Panamá, os negócios são liderados por pessoas de maior formação acadêmica.

A pesquisa também revelou um predomínio de mulheres no ecossistema afroempresarial. Elas representam 80% dos entrevistados, mas enfrentam desafios substanciais em termos de renda: 48% dos negócios liderados por mulheres têm renda de até um salário mínimo. Apesar disso, muitos desses negócios desempenham um papel crucial no sustento econômico das famílias, já que 59% dos empreendimentos geram a única ou principal fonte de renda do lar.

“Trata-se de um exercício que também busca compreender como os conhecimentos tradicionais dessas populações são valorizados para gerar renda e promover, assim, a mobilidade social e econômica”, explica Adriana Barbosa, diretora executiva do Instituto Feira Preta.

“As contribuições das empreendedoras afro nos resultados do estudo são absolutamente notáveis, o que nos dá grande confiança para afirmar que o afroempreendedorismo negro e latino também é feminino. Nesse sentido, tudo o que se propuser a partir desses dados deve ter um forte enfoque ou intencionalidade de gênero”, acrescenta.

Autoestima e Identificação

Um ponto interessante revelado pelo estudo é que os afroempreendedores têm muita confiança na qualidade de seus produtos e serviços. Cerca de 76% dos afroempreendedores brasileiros entrevistados confiam muito em sua capacidade de produzir serviços ou produtos de alta qualidade. No entanto, esse número cai para 44% quando se trata da confiança para vender seus produtos ou serviços. Nos outros países, os números são de 66% e 53%, respectivamente.

“A confiança dos afroempreendedores em suas criações, sejam produtos ou serviços, e também em como estruturam seus negócios é essencial, pois, além de reforçar uma identidade cultural, estabelece definitivamente um mercado de consumo específico, desafiando muitas vezes estereótipos e preconceitos que podem afetar negativamente a percepção do mercado em relação às empresas lideradas por pessoas afro”, comenta a diretora da Feira Preta.

Os pesquisadores descobriram que há maior insegurança em relação à capacidade de criar e fortalecer redes de parceiros, especialmente no Panamá. Apenas 35% dos entrevistados se sentem muito confiantes em sua capacidade de criar parcerias para gerir seu negócio. Ao assumir riscos, 51,4% se sentem muito confiantes.

Quanto ao compromisso com as questões raciais, 89% dos entrevistados acreditam que as empresas devem se envolver. Além disso, consideram que seus negócios são um empreendimento antirracista. Depois do Brasil (50%), a Argentina é o país com mais empreendedores que se identificam como não-brancos (47%). Em terceiro lugar está o Peru (40%).

“A crença de que as empresas devem se envolver em questões raciais sugere que o afroempreendedorismo busca, obviamente, obter benefícios, mas não se limita a isso, pois também pretende desempenhar um papel ativo na transformação social. O enfoque antirracista demonstra que essas empresas estão conscientes das desigualdades estruturais e buscam combatê-las, alinhando seus valores à prática empresarial”, destaca Eddy Bermúdez.

Segundo o estudo, as empresas são consideradas antirracistas não apenas por suas intenções declaradas, mas também por suas práticas: são lideradas por pessoas afrodescendentes e atendem principalmente clientes não brancos. Isso indica que, além de criar oportunidades de inclusão econômica, essas iniciativas contribuem para a criação de espaços de consumo e pertencimento, reforçando identidades e comunidades historicamente marginalizadas.

Essa identidade afroempreendedora também se reflete no firme compromisso de melhorar as condições de vida da comunidade afro, seja por meio de produtos e serviços que atendam necessidades específicas ou pela valorização de práticas culturais.

Negócios sustentáveis

Segundo o estudo, 80% dos empreendedores brasileiros afirmam seguir práticas de ESG, o que os coloca em posição de destaque em comparação aos outros países analisados. Em segundo lugar está o Peru, com 61%. Na Colômbia, 59% dos empreendedores adotam essas práticas e no Panamá, 58%. Na Argentina, 41% dos empreendedores estão engajados em ESG. Esses dados mostram um compromisso significativo dos empreendedores afro-latinos com a sustentabilidade e a responsabilidade social, especialmente no Brasil, onde a adesão a práticas nessas áreas é mais expressiva.

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  • Redação

    A Alma Preta é uma agência de notícias e comunicação especializada na temática étnico-racial no Brasil.

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