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“Eu quero ver a minha cor no poder”, cobra movimento negro em encontro com Lula

Ex-presidente esteve na sede do bloco Ilê Aiyê, em Salvador, onde se reuniu com lideranças negras e religiosas para ouvir as principais demandas dos movimentos

Texto: Dindara Ribeiro | Edição: Lenne Ferreira | Foto: Ricardo Stuckert

LULA-SALVADOR-site

27 de agosto de 2021

Aos embalos do Ilê Aiyê, o ex-presidente Lula foi recepcionado na noite da quinta-feira (26), na sede do primeiro bloco afro do Brasil, localizado no bairro do Curuzu, em Salvador. No local, o petista se reuniu com grupos, artistas e as principais lideranças religiosas e do movimento negro da Bahia para ouvir as demandas da população preta a serem incrementadas no possível plano de governo de Lula para as eleições presidenciais de 2022. A Bahia foi o último dos seis estados do Nordeste visitados por Lula. A região é considerada como o maior reduto eleitoral do PT nas eleições presidenciais.

Um dos principais pontos cobrados pelo movimento negro foi a inclusão das mulheres negras e das líderes de religiões de matriz africana nos debates políticos. Em discurso, a Iyalorixá Jacaiara Ribeiro, do Terreiro Axé Abassá de Ogum, apontou a importância de políticas píblicas de combate a intolerância contra as religiões de matriz africana e cobrou mais espaço de debate dentro do âmbito político.

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“Nesse momento de pandemia, de afastamento social, os terreiros de candomblé, os espaços de religiões de matriz africana, espaços quilombolas, têm sido mais violados […] A gente precisa fortalecer as nossas bases. Uma fala religiosa também tem que ser pautada politicamente. A gente precisa saber das nossas tendências, mas também saber os acordos que são feitos para depois a gente não terminar de forma diferente”, disse a líder religiosa sucessora de Mãe Gilda de Ogum, que morreu vítima da intolerância religiosa. Com a partida de Mãe Gilda, o governo Lula, em 2007, considerou a data 21 de janeiro como o Dia de Luta Contra a Intolerância Religiosa.

irmandade da boa morte insideLideranças religiosas pediram por maior representação para combater a intolerância religiosa | Foto: Dindara Paz/Alma Preta Jornalismo

Para além da inclusão das mulheres negras nos debates, o movimento negro também cobrou por maior representatividade nos espaços de poder. A ativista do Movimento Negro Unificado (MNU), Samira Soares, pediu que Lula aposte em mulheres negras e indígenas para a vice-presidência. “Eu quero ver a minha cor no poder. A gente não quer só papel, a gente quer protagonismo. Esse povo preto quer ser, de fato, muito representado”.

À Alma Preta, a socióloga e representante da Coalizão Negra por Direitos, Vilma Reis, reforçou que é preciso que o novo governo adote um novo programa de segurança pública no país, que atinge a maioria dos jovens negros. Dados da Rede de Observatórios da Segurança apontam que a Bahia é o estado com a polícia mais letal do Nordeste e 97% das mortes que ocorreram durante ações policiais vitimaram corpos negros. Vilma também defende que o debate em torno da segurança pública e da política prisional deve ser discutido com a população negra.

“Nós não podemos ir em busca das propostas mais reacionárias, mais vergonhosas, nós não podemos ter uma polícia que mata porque aí você tem “8 ou 80″: ter uma polícia que uma hora quer fazer curso de capoeira, andando dentro dos nossos bairros de dia, e depois, à noite, ter uma polícia que mata esses mesmos jovens. A gente não pode aceitar. Precisamos debater a política anti-drogas e a política prisional e a ação da polícia, que tem que cumprir a Constituição”, afirmou.

Após ouvir todos os representantes negros, Lula destacou os feitos que realizou em prol do povo preto enquanto esteve na presidência, como a política de cotas nas universidades, e falou da importância da movimentação política para a garantia e resguardo dos direitos da população negra e pobre.

“Precisamos de mais pretos no governo, em um Ministério da Educação, por exemplo. Se eu soubesse há 20 anos o que sei hoje, eu faria muito mais para reparar o prejuízo que o povo negro tem acumulado de 400 anos no país. Hoje foi uma lição de vida para mim. Se eu tivesse juízo, nem faria discurso hoje, pegaria todo material que vocês me deram, colocaria a Janja para ler em voz alta e depois colocaria isso como pauta do programa de governo que pretendemos apresentar ao Brasil no próximo ano”, disse Lula, que recebeu cartas das demandas pontuadas pelos movimentos.

lula salvador ile insideEm discurso, Lula destacou a importância de se reunir com os movimentos para adoção de políticas efetivas | Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert

O principal representante do PT também disse que é preciso defender a laicidade do país, que tem sido constantemente contrariado pelo atual presidente Jair Bolsonaro, que se diz cristão.

“Enquanto governo, eu jamais admitiria o autoritarismo de uma religião sobre a outra. Temos que tratar todas as religiões com decência. E eu não acredito que o genocida seja religioso, porque aprendi a vida inteira que Deus simboliza o amor”.

“Não dá para a gente discutir política nesse país se a gente não colocar na pauta a questão do povo negro, do jovem negro, da mulher negra, dos índios, da comunidade LGBTQIA+. Nós temos que mudar – efetivamente – as formas de enxergar as soluções do Brasil. Toda a estrutura de governança do Brasil e das instituições foram feitas há muitos anos atrás por uma elite”, prometeu o ex-presidente.

Lula também reforçou a importância de se unir aos movimentos para a construção de políticas efetivas para o Brasil. “Eu tenho dívida com vocês. O Brasil tem dívida com vocês. E não pensem que essas dívidas serão pagas por mim se vocês não estiverem dispostos a lutar e a conquistar porque não está previsto na cultura branca deste país a gente fazer a reparação que temos que fazer com o povo pobre, com o povo negro, com o povo marginalizado”, ressaltou o ex-presidente, que afirmou que ainda está em fase de diálogos e análise para a confirmação do seu nome ao pleito presidencial de 2022.

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  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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